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uma aventura politica
UMA AVENTURA POLÍTICA:
MOVIMENTAÇÕES ESTUDANTIS NO
BRASIL DOS ANOS 1970
Authored by Mirza Pellicciotta
6.0" x 9.0" (15.24 x 22.86 cm)
Black & White on White paper
338 pages
ISBN-13: 9781492366119
ISBN-10: 1492366110
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Mirza M. B. Pellicciotta
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3
INTRODUÇÃO
O Movimento Estudantil em Tempo e Espaço de Transformação
A Historicidade das Análises e o Desafio Historiográfico
Os Anos 70
9
25
34
TEMPO DE MUDANÇA
CAPÍTULO 1
A TRANSFORMAÇÃO DA UNIVERSIDADE E DO MOVIMENTO
ESTUDANTIL: O DESAFIO DE SER ESTUDANTE
47
Uma Nova "Natureza" de Ensino
65
O desafio de ser Estudante: as consequências políticas de uma
transformação estrutural
74
A questão política da qualidade do ensino
79
A reação à perda da condição de "estudante" como elemento
rearticulador de uma identidade política
85
A "Reconstrução" do Movimento Estudantil
94
A primeira fase da década: 1970/1975
100
Os Encontros de Área
120
A "Reconstrução" organizada do movimento na segunda fase dos
anos 70
128
OS DESEJOS DE REALIDADE
Para minha filha, Marília Pellicciotta
Vasconcellos, que cresceu em meio a tantas
buscas...
CAPÍTULO 2
NO PLANO DAS MILITÂNCIAS: A TRANSFORMAÇÃO DOS
PARADIGMAS POLÍTICOS
155
No universo das práticas organizadas
Isolamento e Desarticulação
A afirmação das semelhanças e a farsa da repetição
159
170
176
4
5
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 3
A EMERGÊNCIA DAS DIFERENÇAS OU O LUGAR DA CULTURA
ENTRE AS AÇÕES POLÍTICAS
206
Elementos Enrangès e Contraculturais
216
A criação de um território "marginal" à cultura oficial
228
O significado das "práticas culturais" no repensar político das
manifestações estudantis
236
Calouradas e Programações Culturais
247
Teatro Estudantil e Ação Política
253
Imprensa Estudantil
263
Entre confluências e conflitos: as práticas culturais e as práticas
organizadas
273
Considerações Finais
286
BIBLIOGRAFIA E FONTES
Bibliografia
Revistas estudantis
Jornais e Boletins
Folhetos
Registros Orais
290
312
316
334
338
"VIVA A UNE, DUNE,TRE..."
(grafite brasileiro dos anos 80)
As movimentações estudantis do período pós-68
guardam características e problemáticas que se originam do
processo intenso de mudanças e rupturas de teor político e
cultural que se acha em percurso de consolidação no Brasil (a
partir de 1964); mudanças que quando comparadas com a fase
anterior ao estabelecimento da ditadura militar, revestem este
movimento de desafios analíticos e de uma profunda carência
de dados.
Mais do que isso, todo um silêncio historiográfico se
abate sobre o período pós-68 como a se orientar pelas
afirmações de Guilhon Albuquerque1 e Artur Poerner2 segundo
6
7
as quais a interrupção da estrutura política tradicional do
movimento estudantil em 1968 põe fim à trajetória histórica
desenvolvida até então, marcada por dinâmicas, experiências,
discussões e perspectivas de luta política muito especiais. A
partir deste período, o que se constata é a derrota e o
desmantelamento deste movimento, condição que o
transforma enquanto objeto de estudo, em uma temática de
muito poucos atrativos teóricos.
No entanto, em um breve reconhecimento documental
do período, podemos registrar a recomposição de uma
dinâmica de resistências surpreendente que é capaz de conferir
ao movimento estudantil dos anos 70 um lugar especial na
análise histórica. Em termos mais amplos, encontramos nos
registros das movimentações estudantis pistas para uma outra
compreensão da transformação da Universidade Brasileira, do
universo político ou ainda, do universo cultural que de maneira
forte e direta influe nos procedimentos contemporâneos de
intervenção social.
Lidar com a transformação, em si mesma, do
movimento estudantil brasileiro na década de 70 significa,
neste caso, lidar com a emergência de uma dimensão
"alternativa" de perspectivas e experiências coletivas muito
cara à análise do contemporâneo - tanto em relação à reforma
(tecnocrática) da Universidade, quanto no aspecto de uma
cultura de massas, ou ainda das mudanças (significativas) do
mercado de trabalho e inserção profissional - que por diversos
meios têm lugar entre as alterações de forma de organização
deste movimento.
Estas questões, por sua vez, nos levam a considerar a
importância de estudar as movimentações estudantis do
período de maneira mais ampla do que os acontecimentos
circunscritos às entidades representativas na medida em que as
ações culturais estudantis muitas vezes suplantam estas
mesmas esferas. Por outro lado, trata-se de considerar a
presença das "esquerdas" estudantis na nova década em bases
diferenciadas do papel que desempenharam no período
anterior, ou ainda, tratar a questão da institucionalidade
tradicional do movimento a partir da consideração de que sua
estrutura se torna "apropriada" pela burocracia autoritária da
Universidade em reforma.
Na verdade, é preciso conhecer com a maior exatidão
possível, o trabalho de "desmontagem" e incorporação
organizativa do movimento estudantil pela ditadura militar,
assim como conhecer os novos contornos de mobilização
coletiva que "nascem" deste contexto; condição para que se
possa "desconstruir" o objeto historiográfico na proporção em
que as características que agora emergem os diferenciam dos
períodos anteriores. É preciso saber: o que se transforma?
Quais são as novas formas de movimento que se encontra em
gestação? Que desdobramentos possuem? Como interpretar o
significado de inúmeras experiências e formas políticas que se
acham presentes na Universidade deste período?
Para que nós possamos lidar com movimentações
estudantis dos anos 70, antes de mais nada, é preciso observar
com atenção as elaborações teóricas que há várias décadas
vem sendo produzidas em "sintonia" com o universo das
práticas políticas e culturais estudantis, e mais do que isso,
observar sua relação com o universo de transformação das
bases institucionais, práticas políticas e dinâmica de articulação
que o movimento enfrenta no período pós-64.
1
J. A. Guilhon Albuquerque. "Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil - estudo
comparativo" IN Guilhon Albuquerque, J.A. (org). Classes Médias e Política no Brasil.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, pp. 136-137
2 Artur José Poerner. O Poder Jovem: História da Participação Política dos Estudantes
Brasileiros. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1979, pp.306-307
8
9
O desafio que então se coloca diz respeito a estudar o
movimento "em movimento" como condição básica para se
interpretar o processo de "reconstiuição" política, sendo que
neste período são as rupturas e necessidades cotidianas de dar
resposta aos mecanismos de adestramento político e
institucional o que de fato gera ações e reações (estudantis e
administrativas) - que por definição, devem ser criativas e
críticas para apontar saídas (políticas e culturais) às
problemáticas concretas colocadas pela reforma tecnocrática
da Universidade e da própria sociedade.
Por tudo isso, desenvolver uma análise teórica nestes
termos implica propôr uma discussão que em lugar de valorizar
as continuidades e permanências (político-organizativas)
debruce sobre o percurso do movimento que há pelo menos 30
anos vem sofrendo intervenções e transformações profundas
de estrutura - e particularmente, de concepção. Um
movimento em "crise" institucional que nos exige um repensar
teórico-metodológico que leve em consideração a historicidade
das suas próprias análises e experiências, ou ainda, o
significado da emergência de uma verdadeira "aventura"
político-cultural - capaz de enfrentar a construção e
consolidação de uma perspectiva "tecnocrática" de
Universidade e de inserção profissional em associação ao
desenvolvimento de meios de comunicação de massa que
efetivamente inaugura novas formas de controle social sobre a
sociedade e sobre a Universidade
No primeiro capítulo, procuraremos trabalhar com a
dimensão de transformação da Universidade (em seus
múltiplos significados) e seus desdobramentos em relação à
estruturação do movimento estudantil na intenção de avaliar as
experiências estudantis produzidas na esfera institucional de
representação (com base no diretório ou centro acadêmico)
que desde os primeiros anos inicia um percurso de
"reconstrução". Procuraremos também "jogar luz" sobre a
presença de projetos organizados de movimento (em condição
de clandestinidade) que neste contexto convive com a
emergência de novas modalidades de luta política
impulsionada pelos problemas e desafios impostos pela
implantação do projeto tecnocrático de Universidade.
No segundo capítulo, a discussão se concentra no papel
que estas militâncias organizadas adquirem nos rumos da nova
fase de movimento, destacando-se aspectos de seu percurso de
transformação interna e dos desafios que se deve enfrentar no
âmbito interno e externo da Universidade.
No terceiro capítulo, são as experiências culturais de
caráter inter e extra "entidade" que ganham destaque,
procurando-se "redesenhar" o quadro de atividades e projetos
de militância em curso, assim como reavaliar a importância que
a dinâmica culturalista ocupa no processo de "reinvenção"
política experimentado na década de 70.
O MOVIMENTO ESTUDANTIL EM TEMPO E ESPAÇO DE
TRANSFORMAÇÃO
Em uma análise mais atenta das movimentações
políticas desenvolvidas pelos estudantes na história brasileira, é
possível observar a presença de toda uma variação qualitativa
de formas organizativas, concepções, perspectivas e
experiências de trajetória coletiva que convivem de forma
diversa com o universo acadêmico e social.
Nas Academias Imperiais, por exemplo, o lugar e o papel
que os estudantes adquirem no interior do espaço acadêmico
10
são proporcionais à importância que estes indivíduos possuem
ou vão exercer no espaço exterior; condição que lhes permite
uma maior influência sobre as estruturas internas de ensino.
Nos antigos relatórios das Academias citados por Roque
Spencer Maciel de Barros3, podemos observar este poder de
intervenção sobre as questões pedagógicas e disciplinares, tão
explícito na "recusa" contínua à aplicação de "compêndios"
estatais
aos
processos
educacionais,
considerados
instrumentos desatualizados e desligados das necessidades e
exigências do universo político e profissional do período. Da
mesma forma, a criação de entidades de características
diversas permitem aos estudantes marcar uma identidade
específica no cenário político e cultural, sendo comum os
registros de "algazarras" e "farras" dentro e fora das salas de
aula, a presença de jornais, de movimentações e agremiações
que interferem nos acontecimentos políticos e sociais, nas
instituições públicas e privadas.
No estudo de Sérgio Adorno, Os Aprendizes do Poder4,
encontramos referências precisas da formação e inserção
política dos estudantes de Direito de São Paulo no cenário
político da República; traços de um "movimento" composto por
futuros "bacharéis" que, na virada do século XIX para o XX, se
preparam para exercer o poder. As agremiações estudantis no
interior da Acadêmia de Direito de São Paulo são aqui
observadas como "ante-salas" de poder do Estado, fruto de
uma relação direta entre ensino e política que é capaz de
promover discussões, atividades e publicações em torno do
espaço acadêmico e público, e desta forma exercer posturas
11
sociais e políticas especiais (a depender dos grupos e
contextos).
Em O Poder Jovem, de Artur Poerner5 e A Faculdade de
Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas: 1938-1945, de
John W.Foster Dulles6, também encontramos referências
significativas do conjunto dinâmico de atividades políticas e
culturais desenvolvidas pelos estudantes no interior de
agremiações diversas e no período anterior à criação da
Universidade brasileira.
Na década de 30, por sua vez, já é possível constatar um
outro cenário de movimentações e de problemáticas
relacionadas com a reforma do ensino superior, ou melhor,
com a criação da Universidade. O processo de transformação
das antigas faculdades e academias em Universidade tem início
nos anos 20, mas são as transformações políticas do Estado que
promovem de fato a "agregação" das diversas instituições
acadêmicas em uma instância administrativa comum,
consolidando uma estrutura universitária através da junção
"burocrática" de unidades praticamente autônomas de ensino.
Neste processo, apenas a criação das Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras de fato inaugura procedimentos educacionais
renovados que permitem consolidar uma outra perspectiva de
vida acadêmica7.
A Universidade que nasce parte do projeto mais amplo
de reforma do Estado, possui como perspectiva a organização e
especialização do trabalho nos quadros de uma estratégia mais
5
Artur José Poerner. O Poder Jovem. Op. Cit. pp. 45-124.
J.W.Foster Dulles. A Faculdade de Direito de São Paulo e a resistência Anti-Vargas:
1938-1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1984
7 Florestan Fernandes. A Questão da USP, SP, Brasiliense, 1984. cap.2 ; AB'Sáber, Aziz
Nacib. Universidade de São Paulo: raízes, mudanças, sobrevivência (1934-1984), AELUNICAMP.
6
3
Roque Spencer Maciel de Barros. A Ilustração Brasileira e a idéia de Universidade.
SP, Convívio/Editôra Universidade de São Paulo, 1986, pp. 208-267
4 Sérgio Adorno. Os Aprendizes do Poder. O Bacharelismo Liberal na Política
Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, capítulo 4
12
global de desenvolvimento econômico nacional; e neste caso,
se as faculdades ainda resguardam certos direitos políticos, o
"espaço" acadêmico é remodelado com desdobramentos
diretos sobre o lugar e o papel ocupado pelos estudantes. A
questão estudantil passa por uma transformação importante.
Em primeiro lugar, por partilhar de um fenômeno mais amplo e
dinâmico de alterações econômicas, sociais e políticas em curso
no país - como a reforma estatal (de perfil centralizado e
nacional), a aceleração do crescimento urbano e as alterações
das relações de trabalho e perspectivas de especialização. Em
segundo lugar, por integrar a remodelação do espaço
acadêmico que vai procurar disciplinarizar as influências
exercidas pelos estudantes na estrutura interna de gestão8.
Com a criação da Universidade, os estudantes são
"orientados" (para não dizer forçados) a modificar o caráter de
suas atividades coletivas para seguir um modelo institucional
de entidade "de classe" implantado pelo Estado na sociedade
civil; mudança que "dispensa" a presença de inúmeras
federações, ligas, agremiações, clubes e grupos diversos para
compôr uma organização centralizada de cunho representativo
e espírito corporativo, com assento reconhecido nas instâncias
de gestão da Universidade, e posteriormente, do Estado
(conforme a hierarquia de representação do "corpo
estudantil"). É neste contexto, portanto, que surge a estrutura
hierárquica e representativa dos diretórios acadêmicos,
diretórios centrais, uniões estaduais e união nacional dos
estudantes que desde então ocupa um lugar determinado
entre os mecanismos de gestão da Universidade9.
8
Luiz Antonio Cunha. A Universidade Temporã. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves, 1986, pp47-115
9 Podemos ler: "A organização da 'comunidade acadêmica' seria pautada por
critérios corporativos: de um lado, a Sociedade dos Professores Universitários, de
outro, os diretórios de estudantes; ora colocado acima de ambos, ora identificado
13
Por outro lado, esta nova estrutura restringe as
possibilidades de elasticidade e heterogeneidade política das
ações estudantis causando um prejuízo às suas formas,
experiências e perspectivas de participação, ao mesmo tempo
que a restrição do exercício político ao caráter centralizado e
orgânico da entidade de "classe" - espaço no qual diferentes
grupos de estudantes devem partilhar propósitos e condições
comuns de ação política. No mesmo sentido, compôr e
organizar a entidade de "classe" implicam assumir o lugar e
papel político previsto pela estrutura de gestão; "tomar
assento" em uma hierarquia de funções e dinâmicas que, se por
um lado reconhece a existência da política estudantil, por outro
condiciona suas possibilidades de intervenção. O aspecto
central, neste caso, passa a ser o de como lidar com marcos
institucionais tão estreitos - e que na verdade, consistem em
um meio de atrelar as movimentações estudantis à
funcionalidade das concepções corporativas de Universidade e
Estado.
A instituição universitária, de fato, ocupa um papel
significativo no interior do projeto político do Estado
nacionalista e esta condição confere à ação dos estudantes um
lugar significativo. No entanto, este lugar e papel devem se
orientar pelas diretrizes mais amplas de desenvolvimento,
formação profissional e mercado de trabalho previsto pelo
projeto Estatal, sendo a matéria "política estudantil"
considerada desperdício ou distúrbio funcional toda vez que
com a entidade docente, estava posto o Estado, árbitro das suas relações (...) O
corpo discente de cada instituto de ensino superior, incorporado ou não em
universidade, deveria (o corpo docente poderia) organizar diretórios de estudantes,
composto, cada qual, de nove membros, no mínimo. Seu objetivo seria o de 'criar e
desenvolver o espírito de classe, defender os interesses gerais dos estudantes e
tornar agradável e educativo o convívio entre os membros do corpo discente" in
Cunha, A Universidade Temporã, Op. Cit.,p. 299.
14
15
escapar à orientação da mesma estrutura de gestão. A questão
da "modernização" acadêmica, por tudo isso, diz respeito à
redefinição do papel produtivo, da relação custo/benefício e
dos compromissos formativos definidos pela política econômica
do governo10.
Para poder conter e incorporar a intervenção dos
estudantes nos quadros previstos de formação e desempenho
profissional, a Universidade adota então um conjunto de regras
que, na prática, "encerra" seus instrumentos e formas de
organização política no bojo da estrutura administrativa, não
restando dúvidas que o novo projeto educacional se preocupa
com o "espaço" político ocupado pelos estudantes no universo
acadêmico, ou ainda, que têm claro o fato de que, para
constituir novas bases de formação e inserção profissional deve
contar com o "apoio" dos estudantes.
Este percurso, por sua vez, está longe de ser linear e a
trajetória política da UNE é exemplar. Esta entidade é criada
em reação às perspectivas "assistencialistas" das agremiações
associadas à "Casa do Estudante do Brasil", em pleno Estado
Novo11, sendo que desde a sua origem podemos acompanhar
um debate político que têm como base os desafios e as
contradições que os mecanismos tutelares do Estado
estabelecem sobre a ação política estudantil. Como agremiação
de caráter público e representativo da "classe" estudantil, a
UNE nasce fundamentada nos critérios de organização vigentes
no espaço acadêmico - com existência jurídica e política
condicionada às regras, dinâmicas e estruturas de gestão do
Estado e da Universidade - o que vale dizer que esta entidade
nasce premida pelas contradições de autonomia e controle. No
entanto, na mesma medida que exerce um papel político de
fisionomia mais orgânica, a entidade é capaz de construir uma
articulação política entre a Universidade e a sociedade que lhes
confere uma maior autonomia de crítica ao desempenho do
Estado. A origem tutelar da entidade não impede que ela
desenvolva uma trajetória de ações, experimentações, projetos
e realizações políticas, que em diversos momentos coloca em
xeque o caráter autoritário da própria Universidade, da
sociedade e do Estado brasileiro12.
A incorporação das organizações e experiências políticas
estudantis pelos mecanismos institucionais de gestão da
Universidade no pós-1930, na medida em que impõe uma nova
caracterização de movimento - muito mais "orgânico" no
sentido de ser forçado a se pensar como "classe" uniforme e
coesa - , por outro lado, não consegue conter o afloramento
das "diferenças" no interior destas próprias entidades, o que,
em última instância, dá sequência à sobrevivência de projetos
políticos variados e à criação de uma outra dinâmica de
funcionamento político representativo. O estudo Movimento
Estudantil e Consciência Social na América Latina, de J. A.
Guilhon Albuquerque13, é elucidativo deste processo. Ao
procurar entender o significado político e social que o
movimento estudantil adquire no período pós-30, o autor
identifica com precisão que as organizações estudantis
alcançam um significado social destacado, em primeiro lugar,
pelo papel e lugar que as Universidades desempenham nestas
sociedades (como possibilidade de ascensão social e de poder
10
12
Maria Stela Santos Graciani. O Ensino Superior no Brasil: A estrutura de Poder na
Universidade em Questão. Vozes, 1983, p46-57, 65-72; Luiz Antonio Cunha. A
Universidade Crítica. RJ: Francisco Alves, 1989, pp151-205
11 Artur José Poerner. O Poder Jovem, op. cit. pp. 132-146; Cunha, Luiz Antonio. A
Universidade Temporã, pp.319-323 e A Universidade Crítica, pp. 17-19
J.ª Guilhon Albuquerque. “Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil” IN
Guilhon Albuquerque, J.ª (org.) Classes Médias e Política no Brasil. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1977, pp122-127
13 J. A. Guilhon Albuquerque. Movimento Estudantil e Consciência Social na América
Latina. RJ, Paz e Terra, 1977. pp. 69-80.
16
pelas classes médias); mas de forma mais específica, pelo fato
de que as estruturas de organização política que desenvolvem,
conseguem incorporar em um mesmo espaço/tempo,
perspectivas sindicais e perspectivas político-partidárias em
uma dinâmica de forte significação coletiva.
As entidades estudantis conseguem resguardar a
realidade dos conflitos, e mais do que isso, preservar seus
mecanismos internos de expressão, articulação e organização
política; o que efetivamente atua como um estímulo à
existência de concepções e perspectivas diferentes e coletivas
de movimento - ao contrário do que se espera de um forte
processo de homogeneizações e incorporações. Neste caso, em
uma análise mais atenta da dinâmica interna das entidades, em
lugar das homogeneizações o que podemos ver é a construção
de procedimentos significativos de convivência política entre as
diferenças.
Na história da UNE, contada por Artur Poerner, por
Sanfelice14 por João Roberto Martins Filho15, por dirigentes e
militantes estudantis16, entre outros, encontramos indícios da
existência desta gestão democrática de ações políticas que
antes de mais nada, se assenta no reconhecimento do lugar,
papel e poder das agremiações acadêmicas, dos fóruns de
discussão e deliberação, dos grupos e tendências internas;
aberta, portanto, à expressão política das "bases" do seu
movimento17.
14
José Luis Sanfelice. Movimento Estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64.
São Paulo: Cortez Editora/autores Associados, 1986, p.41
15 João Roberto Martins Filho. Movimento Estudantil e Ditadura Militar: 1964/1968.
Campinas, Papirus, 1987, pp 39/43
16 História da UNE. Volume I: Depoimentos de ex-dirigentes. São Paulo: Editorial
Livramento, Coleção História Presente, volume 4, 1980
17 Nas palavras do sociólogo Vinícius Caldeira Brant, presidente da UNE na gestão
60/61: "De uma vez por todas: engana-se quem pensa que a UNE foi sempre a
mesma coisa, boa ou má. Ela não foi uma simples peça no jogo dos governantes,
17
Em um sentido inverso ao pretendido pelos fóruns de
poder da Universidade, tanto a UNE quanto as entidades
acadêmicas interferem (e consolidam) as bases de
funcionamento político de suas estruturas a partir do
desempenho representativo e integrativo previsto pela
estrutura de gestão da Universidade, valendo-se ainda do
acesso à infra-estrutura prevista pela instituição. No entanto,
como que subvertendo a estruturação original (que têm a
pretensão de absorver os conflitos e incorporar a política em
território de controle administrativo), estes diretórios e
movimentações alcançam uma outra perspectiva de
organização e de intervenção política, quer na Universidade,
quer na sociedade.
Estas experiências e dinâmica política, por sua vez,
emergem do cotidiano acadêmico e de uma relação crítica com
as estruturas internas de poder, o que permite remodelar o
lugar e papel reservado a priori aos estudantes no mundo
acadêmico e no mundo do trabalho. Neste caso, por mais que
se pretenda uma interferência política no espaço público, é a
problemática acadêmica que de fato interessa aos estudantes;
a verdadeira fonte de politização que confere instrumentos à
como pensam alguns, nem um movimento radicalmente revolucionário, como
desejariam outros. Como movimento social ela não poderia deixar de refletir as
contradições e impasses da sociedade. E assim foi (..) Se a UNE assutava e ainda hoje
assusta as forças contrárias à democracia é pelo menos por três razões, de igual
importância: 1 - Ela simbolizou sempre a luta pelas liberdades públicas e representou
a oposição as tentativas, de qualquer lado, de golpear a democracia; 2 - Ela
expressava vivamente as contradições que, dentro da própria classe dominante,
impediam a continuidade do autoritarismo contra as classes populares: 3 - Seu
funcionamento profundamente democrático, que permitia a expressão de todas as
correntes presentes no movimento estudantil, das mais reacionárias às mais radicais,
com o acatamento de todos às decisões majoritárias e com a tolerância diante das
minorias discordantes, representava um modelo que só podia irritar os fabricantes
de fórmulas golpistas".Vinícius Caldeira Brant. "Nos Tempos da Legalidade" IN Plural,
nº6, junho de 1979, pp.11/15
18
intervenção nas perspectivas de formação, exercício
profissional e produção de conhecimento. Em paralelo às
transformações e desafios, as movimentações estudantis do
pós-30 são capazes de construir e consolidar um exercício
político que têm ação direta sobre as estruturas acadêmicas,
sobre o lugar e papel que os estudantes ocupam nas
Universidades e na sociedade.
Para Guilhon Albuquerque, esta estrutura política de
movimento alcança no período 30/68 uma dinâmica tão
articulada (entre seus aspectos sindicais e partidários) que ela
se torna capaz de conferir aos estudantes um papel político e
social de destaque. Os aspectos sindicais dizem respeito às
problemáticas de formação e inserção profissional, à defesa de
um lugar social e político enquanto profissional. A dinâmica de
caracterização partidária permite que as diversas leituras e
perspectivas políticas de organização coletiva se expressem e
se articulem - sendo que a formação dos partidos se transforma
em um instrumento de organização política através do qual os
variados grupos (dotados de interpretações e projetos
diferentes de movimento, de Universidade e de sociedade)
disputam as direções de entidades, estabeleçem tendências e
criam articulações, dando forma à multiplicidade das
discussões, proposições, deliberações coletivas presentes no
movimento18.
Em lugar do modelo de organização sindical atribuido
pelo Estado, as entidades estudantis abrem espaço para as
organizações políticas de caráter partidário, em uma somatória
que potencializa a criação de novas formas de gestão baseadas
na confluência das idéias e das ações coletivas19.
18
J.A.Guilhon. Albuquerque. Movimento Estudantil e Consciência Social na América
Latina. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1977, pp117/144
19 Nas palavras deste autor: "Um traço essencial do movimento estudantil brasileiro
19
Com o passar do tempo, esta dinâmica política de
movimento estabelece um outro projeto de Universidade que
na prática diz respeito não apenas ao desenvolvimento
econômico nacional, mas à uma problemática político-social
mais abrangente. Para o movimento estudantil, a Universidade
é um instrumento de superação das desigualdades, o que vale
dizer que a expansão das unidades de ensino não se constitui
garantia da "democratização" social se o projeto de
Universidade não se fizer acompanhar pela gratuidade, pela
qualidade formativa e pelo compromisso de "abertura" desta
instituição para os problemas da sociedade. Expandir a
Universidade, segundo os estudantes do final dos anos 50,
significa algo mais do que ampliar vagas; significa desempenhar
um papel político de estímulo às lutas por direitos sociais e pelo
desenvolvimento cultural. Da mesma forma a especialização do
trabalho implica na valorização profissional em um contexto
maior de desenvolvimento econômico.
Desde o final dos anos 50, encontramos um conjunto
foi sem dúvida o monopólio institucional da representação. Oficializado segundo o
modelo dos sindicatos, o movimento estudantil se estruturava verticalmente e tinha
reconhecimento legal : o Centro Acadêmico era órgão oficial da Faculdade (..) A
filiação dos estudantes era automática e os estatutos reconhecidos pela
Congregação (..) Enfim, as Uniões Estaduais e principalmente a UNE contavam com
sua parte no orçamento governamental. Essa organização, extremamente
semelhante à dos sindicatos teve, no entanto, consequências bem diferentes do
ponto de vista da mobilização dos seus membros (..) As divisões eram extremamente
raras (..) Tais divisões não tinham como se solidificar e crescer, já que os novos
grupos não eram reconhecidos pela União Nacional, e com isso dificilmente
encontrariam eco a nível nacional ou regional (..) Outra consequência dessse tipo de
organização vertical e oficial era a visibilidade do poder : qualquer novo movimento
de idéias que quisesse trazer sua mensagem para o seio do movimento estudantil
tinha que se engajar "nas estruturas" - de acordo com a linguagem da época - ou
seja, entrar na engrenagem da luta pelo poder nos diretórios e grêmios . A
preliminar de organização em moldes mais ou menos partidários, a fim de conquistar
a direção dos Centros, Uniões Estaduais e da UNE. .AGuilhon. Albuquerque.
"Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil". Op. cit., pp.122/124
20
muito forte de movimentações munidas por reflexões deste
porte como as lutas em torno da questão da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, que na prática, estabelece
critérios mais excludentes de educação e aponta para
perspectivas privatistas de ensino superior. A intensidade
destas discussões em um momento significativo de lutas
políticas e sociais por "reformas de base" no início dos anos 60
motiva a organização pela UNE, UME e entidades regionais, de
dois Seminários Nacionais de Reforma Universitária, precedidos
de seminários regionais20. Estes encontros promovem a
elaboração de documentos que vão se constituir norteadores
de uma articulação mais ampla do movimento em torno da
reforma "estudantil" de Universidade, sendo que o teor destes
documentos é indicativo do caráter autônomo e politizado que
estas entidades e movimentações estudantis adquirem. O
sentido democrático de gestão política construído no bojo das
entidades e dos fóruns acadêmicos transcende, agora, para as
estruturas de gestão da Universidade, em uma luta que almeja
uma maior democratização social.
Os acontecimentos do período 1960/64, por sua vez,
intensificam e radicalizam estas articulações políticas que
prevêem, antes de mais nada, a democratização dos fóruns
internos de poder acadêmico (através da ampliação da
participação estudantil), a quebra da "cátedra" e o
estabelecimento de outras/novas formas e relações de
conhecimento; elas prevêem, também, a "abertura" do acesso
universitário e o alargamento de seus compromissos sociais em associação à luta por um desenvolvimento nacional
independente. A UNE atua neste processo como um
20
Maria de Lourdes A Fávero. A Universidade Brasileira em busca de sua identidade.
Petrópolis: Vozes, 1977, pp 45/52; Luiz Antonio Cunha. A Universidade Crítica, op.
Cit, pp 207/251; Artur Poerner. O Poder Jovem, op. Cit., pp. 188/197
21
componente fundamental de articulação política através do
projeto "UNE-Volante" (realizado nas gestões de Aldo Arantes e
Vinícius Caldeira Brant, no período 1961/63) que leva sua
diretoria a estabelecer contato direto com estudantes das
diversas Universidades brasileiras por meio de uma
participação coletiva nos fóruns de discussão e deliberação do
movimento. Esta perspectiva de participação direta, aliás,
confere à UNE uma legitimidade imediata e possibilita que se
realize com sucesso a "greve por 1/3", um movimento
reivindicativo pela participação paritária nos órgãos de gestão
da Universidade que chega a paralisar "a maior parte das 40
Universidades brasileiras da época (23 federais, 14 particulares
e três estaduais)"21 entre junho e agosto de 1962.
Um outro elemento indicativo do significado
democrático de reforma universitária e social que as
movimentações estudantis desenvolvem a partir do final dos
anos 50, está no projeto político que se estabelece em torno da
questão da cultura. Na verdade, ao se defender a "abertura"
acadêmica vem à tona uma necessidade de revisão da
concepção tradicional de "cultura", associada diretamente à
idéia de "cultura nacional". Os estudantes, neste caso, vão
adotar em contraponto, uma conceitualização especial de
"cultura popular"; conceitualização que, se por um lado se
desdobra das reflexões isebianas, por outro lado, possui um
significado muito específico, fruto dos procedimentos e
preocupações estudantis. O conceito de "cultura popular"
desenvolvido neste momento constitui, antes de tudo, uma
"estratégia política" de discussão e de representação dos
conflitos sociais22.
21
Artur Poerner. O Poder Jovem, obra cit. pag.196
Segundo Renato Ortiz: "enquanto o folclore é interpretado como sendo as
manifestações culturais de cunho tradicional, a noção de 'cultura popular' é definida
22
22
A questão da "cultura popular" pela interpretação do
movimento estudantil, implica concretamente em uma
compreensão de mundo através dos conflitos sociais, e de
forma objetiva, ela traduz uma proposição de intervenção
política através da Universidade. A crença de que os
intelectuais desempenham um papel social significativo (na
medida em que se voltem para esta problemática); de que a
Universidade
congrega
oportunidades
efetivas
de
desenvolvimento nacional; de que a "consciência" política é
capaz de gerar revoluções; são capazes de conferir à concepção
de "cultura" um sentido pragmático, tornando-se urgente a
construção de procedimentos táticos e estratégicos de
transformação social via "atuação cultural"; um projeto, em si
mesmo, democratizador das relações sociais. Neste caso, as
movimentações estudantis - por meio das suas agremiações e
em particular do espaço da UNE - passam a desenvolver uma
leitura de "cultura popular" diretamente associada à luta pela
reforma da Universidade e da sociedade23. Mais do que isto,
alguns projetos e experiências de criação artística chegam,
inclusive, a promover renovações estéticas importantes, como
os trabalhos de matriz brechtiana desenvolvidos por Vianinha
no CPC da UNE24.
Por outro lado, é inegável que as perspectivas
"engajadas" de produção cultural enfrentam problemas e
dificuldades na proporção em que se envolvem com as
em termos exclusivos de transformação. Critica-se a posição do folclorista, que
corresponderia a uma atitude de paternalismo cultural, para enfim implantar as
bases de uma política cultural segundo uma orientação reformista-revolucionária”.
Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo, Ed. Brasiliense, p71
23 Manoel T Berlinck. CPC: Centro Popular de Cultura. Campinas, Ed. Papirus, 1984,
pp. 23/90
24 Iná Camargo. A Hora do Teatro Épico no Brasil. São Paulo:Editora Paz e Terra,
1996, pp. 74/99
23
realizações artísticas25.
Em uma perspectiva crítica semelhante, Antonio Risério
registra em Avant-Garde na Bahia26 todo um conjunto de
tensões que, em seu entender, teria-se desdobrado da ação
dos grupos de esquerda estudantis na UFBa do final dos anos
50; ações estas que ao pretenderem implementar lutas pela
participação política paritária (contra a "alienação" política em
um contexto de extrema radicalização) teriam desarticulado e
comprometido a existência de projetos culturais de extrema
importância levados por intelectuais e artistas vanguardistas
europeus que nesta fase, compunham o corpo docente da
Universidade.
Em paralelo às críticas, o fato é que o curso dos
acontecimentos interrompe a dinâmica participativa e
"reformista" estudantil e o Golpe de 64 consolida um outro
processo de reformas econômicas, políticas e sociais no qual a
instituição universitária e as atividades políticas se configuram
como objetos específicos de controle e intervenção. Conforme
teremos oportunidade de analisar, a estrutura de
representação política do movimento estudantil junto à gestão
da Universidade passa a ser profundamente modificada da
mesma forma que o modelo de ensino superior como um todo,
25
Na interpretação de Renato Ortiz: "Devido à ênfase colocada na
instrumentalização dos bens artísticos, resulta que o elemento estético seja
praticamente banido. Basta analisar-se algumas peças teatrais para se convencer de
que elas operam no fundo com estereótipos que banalizam a vida social: o
estudante, o sacerdote, o operário, o burguês, etc. (..) Não há vida interior dos
personagens, dilui-se a dimensão do indivíduo, e com isso a própria existência, visto
que esta é preterida diante do argumento político colocado a priori como
necessidade interna do texto. A máxima de Carlos Estevam 'fora da arte política não
há arte popular' não somente empobrece a dimensão estética, como distancia o
autor dos interesses populares, posto que todo aspecto não imediatamente político
é eliminado". Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional, op. cit, p.73
26 Antonio Risério. Avant-Garde na Bahia. São Paulo, Instituto Lina Bo Bardi e P.M.
Bardi, 1995, pp24/25
24
as relações de trabalho e a produção e circulação da cultura. Os
elementos de ruptura associados a esta transfomação
interferem drasticamente nas condições e possibilidades de
resistência da sociedade civil e mais especificamente, dos
estudantes, de forma que a partir de 1964 temos a constituição
de um outro cenário de conflitos e projetos políticos.
Desde os primeiros meses do golpe, o Governo Militar
procura intervir e modificar o caráter estrutural da organização
institucional do movimento estudantil com vistas a recriar sob
novas bases e intenções a estrutura de representação
construída na década de 30, e para tanto, começa por reduzir o
espaço de articulação política e a intensificar os seus critérios
punitivos. Em reação, as movimentações estudantis devem
agora responder a outros desafios trazidos pela elaboração e
implantação do projeto tecnocrático e autoritário de
Universidade, pela privatização e rebaixamento qualitativo da
rede de ensino, pela repressão dos movimentos políticos e
culturais em curso, ou ainda, pela massificação da produção da
cultura. Em sentido semelhante, a partir de 1968, é a reforma
tecnocrática desta instituição (associada à implantação do AI-5
e decreto lei nº477) que concentra as tensões e perspectivas de
luta política no espaço acadêmico, enquanto as ações coletivas
no espaço público são severamente punidas.
Os acontecimentos políticos que envolvem este
movimento na fase 1964/1968 diferem, por sua vez, das
situações e percursos de resistência da fase posterior a 1968,
objeto de nossos estudos. Trata-se de "reconstruir" o
movimento em suas perspectivas e possibilidades
institucionais, de lutar por integrar a estrutura de gestão
acadêmica, de interferir nos rumos autoritários e tecnocráticos
do ensino e da produção do saber, de resistir aos desígnios da
proletarização da condição estudantil, de retomar lutas socias
25
mais abrangentes e recompôr projetos de criação política e
cultural.
A HISTORICIDADE
HISTORIOGRÁFICO
DAS
ANÁLISES
E
O
DESAFIO
A concepção de movimento estudantil como o
movimento de uma "classe estudantil" específica se relaciona
com um percurso de acontecimentos, com a produção de uma
auto-imagem pelas mesmas movimentações e com a absorção,
por um conjunto de interpretações teóricas, desta mesma
noção. Entre as referências mais recuadas e significativas que
possuimos está a obra de Renato Bahia, O estudante na
História Nacional27, um estudo expressivo do delineamento do
"estudante" por uma ótica "oficial", um "estudante" dotado de
interesses, comportamentos e ideários nacionalistas, ou ainda,
de um papel histórico que, na prática, se confunde com a
identidade e autonomia do Estado brasileiro28.
Enquanto nos anos 1950 os estudantes são
merecedores de tal destaque, já na década seguinte as análises
apresentam variações conceituais importantes relacionadas
27
Renato Bahia. O estudante na História Nacional. Salvador, Livraria Progresso, 1954
Segundo o autor: " A participação do estudante brasileiro, na vida social e política
do país, têm sido, pois, uma constante de nossa história. Remonta à época colonial,
como vimos, quando, alunos das universidades estrangeiras, êles traziam, ainda
estudantes ou recem-formados, para o organismo indolente da Colônia, o surto
renovador das ideologias bebidas naquêles centros de ensino. Estudantes e recemformados foram, em sua quasi totalidade, os trafegos conspiradores da Inconfidência
Mineira, os organizadores das associações secretas, das academias, oficinas e
aeropagos, onde se forjou o espírito revolucionário de 1817, os propagandistas
entusiastas e colaboradores solicitos da independência nacional". Ibidem, pp.
199/200
28
26
com os acontecimentos políticos dos anos 60. As interpretações
construídas acompanham os processos de "inserção" e também
de "exclusão" das movimentações dos estudantes com relação
aos conflitos e desdobramentos político-sociais do período; de
forma que autores como Álvaro Vieira Pinto29, José Chasin30,
Marialice M.Foracchi31 e Artur Poerner carregam em suas
reflexões uma interpretação específica sobre este agente
social, ora reforçando o significado identitário e acadêmico
tradicional, ora ressaltando aspectos de seu papel político, ora
recriando uma conceitualização de forma a dar conta das
mudanças comportamentais que se presencia.
Os textos de Álvaro Vieira Pinto e José Chasin são
escritos na primeira fase da década e inscrevem a análise nos
quadros de uma "condição estudantil" tomada como a
expressão engajada e intelectualizada dos estudantes - que
acredita-se ser dotada de uma certa "autonomia ideológica", de
um desvinculamento social (em relação às demais classes
sociais) e de uma capacidade intelectiva que o torna capaz de
desempenhar um papel social da maior relevância como
"ideólogo", "mediador", "intérprete" dos conflitos sociais32.
29
Álvaro Borges Vieira Pinto. A Questão da Universidade. São Paulo, Cortez, 1986
José Chasin. “Algumas Considerações a respeito do movimento estudantil”. Revista
Brasiliense, nº38. São Paulo:Brasiliense, 1961
31Marialice Mencarini Foracchi. O Estudante e a Transformação da Sociedade
Brasileira. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977; A Juventude na Sociedade
Moderna. São Paulo, Pioneira/ ed. Universidade de São Paulo, 1972; A Participação
Social dos Excluídos. SP, Hucitec, 1982
32 Nas palavras de Álvaro Vieira Pinto: "Ninguém tenha dúvida, o destino, a forma
futura da Universidade brasileira está sendo decidida neste momento muito mais
num comício de camponeses do Nordeste, do que nas salas de reunião dos
Conselhos de Educação. Eis poque são os estudantes, - e não os professores, - que
assumem o comando da luta social por essa reforma, porque eles constituem o
instrumento capaz de levá-la a efeito, e igualmente são, pela práxis que possuem, a
origem das idéias que devem servir para formular tal reforma. Isto se dá porque os
estudantes, no embate político entre a parte decadente, embora ainda dominante, e
30
27
Segundo Chasin: "É manuseando idéias e delas tornando-se
veículo que o estudante, na qualidade de ser político, põe a
funcionar suas verdadeiras potencialidades de elemento
aprimorador e transfomador da realidade"33
Conforme sugere João Roberto Martis Filho34, estes
estudos dão ênfase a uma "condição estudantil" que, na
prática, corre o risco de descaracterizar as vinculações sociais
destes mesmos agentes, atribuindo-lhes um papel social prévio
e específico de "vanguarda" das lutas sociais mais amplas. Os
acontecimentos políticos de meados da década, no entanto,
dão lugar à elaboração de novas análises conforme podemos
observar nos estudos de Marialice M. Foracchi e Artur Poerner
(escritas no período pós-1964) que agora apresentam
alterações conceituais importantes e sensíveis às
transformações econômicas e sociais mais profundas que a
estrutura da Universidade e do movimento estudantil
vivenciam.
A análise de Marialice Foracchi lançada inicialmente em
O estudante e a Transformação da Sociedade (1965) já
apresenta uma elaboração crítica do significado de "classe"
atribuido ao movimento - para a autora, apenas um elemento
da sua auto-representação política. De forma distinta, a autora
propõe uma reflexão sociológica rigorosa baseada agora, no
conceito marxista de "classe social", conceito que se faz
associado aos pressupostos da chamada "Teoria da
a parte emergente da sociedade, tendem necessariamente a se identificar, como
coletividade, no país atrasado, às forças ascendentes, e, de modo muito especial, em
vista de suas qualificações intelectuais, formam naturalmente nas fileiras da
vanguarda de tais forças. Explica-se, assim, que sejam os estudantes, e não os
docentes, os que se inquietam em promover o movimento que terá por desfecho a
reforma universitária". Álvaro Vieira Pinto. Op. Cit., pp. 13/14
33 José Chasin. Op. cit., p.156
34 João Roberto Martins Filho. Op. Cit., p21
28
Dependência" para compôr o que chama de "categoria social" uma categoria social de estudantes originada e condicionada
em meio à existência das classes fundamentais da sociedade. A
autora. neste caso, repudia a utilização do conceito como
expressão em si mesma de uma "classe" específica.
Em O estudante e a Trasformação da Sociedade, o
movimento estudantil começa a ser analisado como um
segmento social das classes médias brasileiras dotado de um
projeto político, comportamentos e anseios oriundos da sua
"classe" de origem - ou, em suas palavras, de sua "origem de
classe". Segundo a autora, o fato dos estudantes universitários
brasileiros procederem de forma predominante das classes
médias, implica que o projeto social deste movimento se
constitua representativo dos anseios mais amplos das mesmas
classes médias; condição que lhes impõe, de saída, limitações
estruturais às pretensões "revolucionárias" de transformação
social. Nestes termos, em contraponto à auto-imagem de
"classe estudantil", a autora propõe o conceito de "categoria
estudantil" como um conceito expressivo em si mesmo da
condição social dos estudantes, expressão dos seus
descontentamentos, frustrações e radicalismos, bem como dos
seus anseios por ascensão social (pela via profissional) e dos
seus medos diante da proletarização.
Por outro lado, na intenção de responder à presença do
projeto político de transformação social clamado pelos
estudantes deste período, a autora propõe que a
capacidade/potencialidade de intervenção deste movimento
sobre a sociedade deva ser medido pelo nível de "consciência"
que os indivíduos desenvolvem em relação à sua própria
condição social, o que vale dizer que o potencial
"revolucionário" do movimento estudantil deve decorrer da sua
experiência de luta, e mais do que isso, da sua consciência e
29
capacidade de escapar dos condicionamentos que a sociedade
lhe impõe.
Esta perspectiva inovadora de pensar o movimento nos
quadros de uma "categoria social", por sua vez, não encontra
continuidade na interpretação de Artur Poerner, o que não
retira desta obra um outro aspecto de renovação analítica. Em
O Poder Jovem, Artur Poerner procura reavaliar o papel político
que os estudantes desempenham ao longo da história brasileira
a partir de uma compilação de referências que, neste momento
é trabalhada segundo a ótica e o ideal de organização e luta
hegemônicos no final dos anos 60. A importância de O Poder
Jovem, neste caso, está na concepção, seleção e ordenação dos
fatos que em última instância reproduz uma "versão" de
movimento extremamente expressiva do contexto de crise
política que se vivencia no período 64/68.
A motivação original desta obra é datada: trata-se de
defender o caráter democrático e nacionalista do movimento
no instante em que os estudantes se acham colocados no alvo
de uma repressão violenta. Para o autor, recompôr a história
estudantil implica em promover o resgate de referências de um
dos movimentos mais caros à história nacional no mesmo
instante em que enfrenta rupturas e perdas profundas. Por
meio de uma narrativa pormenorizada, o autor procura
recuperar o significado de "resistência" que este movimento
carrega ao longo do tempo, resgatando referências de luta
política fundamentadas em estruturas tradições que agora se
acham em percurso de desmontagem. As queimas de arquivo,
as rupturas de vida institucional, as perseguições, mortes e
exílio de muitos participantes e dirigentes fazem de O Poder
Jovem uma fonte rara de informações. Mas que é o
"estudante" de Artur Poerner? Ele é um personagem integrante
de uma "categoria política" específica, não definido
30
necessariamente como intelectualidade mas como parte de
uma juventude rebelde, nacionalista e consciente que deve ser
enaltecida pelo engajamento histórico que desempenha em
prol da democracia e da resistência civil. Uma "categoria
política" que se apresenta dotada de experiências
paulatinamente mais evoluídas e "conscientes" de luta social.
Para Poerner, a formação da UNE na década de 30 deve
ser entendida (e defendida) como um marco divisor da história
estudantil na medida em que esta entidade configura o
amadurecimento e conquista de um patamar superior de
organização do movimento, oriunda de uma articulação
nacional de lutas (em lugar da fragmentação regional e local
anterior), da conquista de uma regularidade (em lugar de um
caráter esporádico) e de um caráter essencialmente político
(diverso das demais formas organizativas anteriores). Os
ideários democráticos, em igual medida, são por ele
considerados qualidade inerente dos estudantes - frontalmente
distintas das concepções conservadoras, "estranhas" e
"externas" à essência deste movimento social; o que leva O
Poder Jovem eleger a UNE como expressão síntese de todo o
conjunto das movimentações estudantis, ou ainda, expressão
de um movimento que ocupa lugar central na trajetória das
lutas sociais do país. Por tudo isso, a perseguição, difamação e
punição desencadeada pelo Governo Militar sobre os
estudantes implica em um processo mais amplo de ruptura dos
fundamentos democráticos vigentes na sociedade brasileira.
Em nosso entender, a inovação deixada por Poerner se
traduz então na interpretação valorizativa que realiza das
experiências e estruturas políticas do movimento, conferindo
destaque às formas mais centralizadas e nacionais de
movimento ou ainda às organizações de esquerda que a partir
de agora são interpretadas como expressão máxima e sintética
31
da responsabilidade democrática destas movimentações. O
retorno de O Poder Jovem para o interior das movimentações
estudantis dos anos 70, por sua vez, é muito significativo, tanto
como fonte de dados quanto de identidade militante; de forma
que esta obra exerce um papel fundamental no processo de
reconstrução institucional dos anos 70 como instrumento de
resgate e legitimação dos ideários organizados em
recomposição.
Com relação a ambos os estudos, tanto as análises de
Marialice Foracchi quanto a de Artur Poerner marcam de
maneira especial a historiografia das décadas seguintes e
apesar de se constituirem diferentes, suas referências sofrem
associações no bojo de várias reflexões, de forma que os
conceitos de "categoria social" e "categoria política"
possibilitam que as experiências e referências dos anos 60 se
apresentem latentes, ou ainda, se transformem em paradigmas
potentes de movimento. A valorização das atividades políticorepresentativas, se articula à questão dos condicionamentos
sociais para traçar um outro paradigma de engajamento e
consciência política, fundamental aos mecanismos de
"reconstrução" das movimentações estudantis nos anos 70 e
80. E neste caso, apesar dos estudos apresentarem, ao seu
tempo, uma renovação no trato conceitual do tema, na década
seguinte, eles se prestam a referendar uma trajetória política
que procura "remontar" uma fisionomia homogênea de
"classe" estudantil já em tempos de ruptura. Ora, como bem
diz Artur Poerner: "O movimento estudantil, tal como é
entendido até aqui neste trabalho, foi interrompido no Brasil
em 1968, com o AI-5"35
Com o Golpe de 1964, conforme veremos, o governo
militar intervém de forma drástica na estruturação tradicional
35
Artur Poerner. Op. cit., p.306
32
deste movimento promovendo não apenas uma transformação
do caráter das entidades como da estrutura da Universidade.
Neste caso, a interpretação sobre o movimento estudantil que
tende a vê-lo como um movimento social coeso e identitário, se
depara agora com a transformação da sua institucionalidade,
bem como com a emergência de outras formulações e
experimentações identitárias em uma situação que impõe
sérias dificuldades ao trabalho teórico. Na prática, todo o
debate conceitual desenvolvido até então passa a ter que lidar
com transformações que, efetivamente, se apresentam como
aspectos de um "desfecho" deste movimento. De qualquer
maneira, as impressões e dificuldades vividas por estes autores
nos ajudam a "jogar luz" sobre os períodos subsequentes.
No caso de Artur Poerner, na medida em que o seu
estudo constata a ruptura do perfil político institucional do
movimento em 1968, ele nos ajuda a perceber o por que das
práticas organizadas de esquerda não encontrarem mais nos
anos 70 o mesmo lugar político desempenhado até então,
sugerindo-nos indiretamente que é preciso pensar de maneira
diferente a rearticulação deste movimento. Na linha das
colocações de Foracchi, a questão de considerar a mudança de
perfil social dos estudantes como elemento associado à
transformação da Universidade nos permite identificar todo um
percurso de reações e resistências levado pelas próprias classes
médias (dentro e fora da Universidade) - que ao mesmo tempo
em que pressiona pela ampliação da estrutura de ensino
superior (de forma a acomodar suas intenções de ascensão
social) luta para resguardar as condições de inserção
conquistadas até então (como "profissionais qualificados" em
um contexto de transformações das relações de trabalho).
Neste sentido, seus pressupostos teóricos são fundamentais
para uma compreensão mais profunda dos processos de
33
resistência que se instauram entre os estudantes a partir da
ameaça concreta de proletarização trazida pela "Universidade
de massas" dos anos 70. Os seus pressupostos teóricos nos
ajudam ainda a interpretar o por que da juventude (em termos
mais amplos) recusar uma perspectiva de "inserção" no mundo
de trabalho produtivista quando aponta em A Juventude na
Sociedade Moderna (escrito nos início dos anos 70) a presença
de uma outra dimensão de conflitos e resistências alicerçados
agora na contracultura e nas movimentações internacionais de
68 - aspectos fundantes da rejeição à incorporação em uma
Universidade de perfil tecnocrático e autoritário em
desenvolvimento.
Na verdade, se nós possuimos dificuldades em trabalhar
com o fenômeno político do movimento estudantil dos anos
70, estas dificuldades se desdobram antes de tudo da ausência
de análises específicas e da concentração de estudos sobre os
anos 64/68 (que jogam ênfase no papel e lugar das tradições
dos anos 60 enquanto rejeitam o significado das rupturas
estabelecidas a partir de então); ou ainda, da raridade de
estudos sobre outros períodos que nos levam a desconhecer
trajetórias importantes à compreensão do contemporâneo.
Ora, a partir dos anos 70, as concepções militantes deixam de
se dar em território exclusivamente partidário, e mais do que
isso, muitas das proposições políticas se afastam desta
perspectiva para produzir uma multiplicidade de propostas de
organização e ação política.
Para complicar ainda mais o fenômeno de "fraturas" das
movimentações e suas tradições políticas também a estrutura
acadêmica, o lugar e papel da Universidade se acham em
mudança, de forma que a análise das movimentações nos anos
70 nos exige um outro instrumental analítico sensível às
mesmas transformações e desafios vividos pelos estudantes e
34
pela Universidade. As perspectivas de "reconstrução"
institucional esbarram na necessidade de se promover uma
renovação qualitativa do movimento no exato momento em
que a Universidade ganha um perfil "modernizador"
caracterizado pelas estruturas burocráticas e autoritárias cujos
propósitos se traduzem na implantação de um percurso
formativo de perspectiva tecnocrática.
OS ANOS 70
A virulência dos fenômenos e processos de ruptura
institucional, política e cultural que a sociedade brasileira passa
a enfrentar, em particular, no final da década de 60, interfere
de maneira significativa sobre a produção teórica, sobre a vida
acadêmica dos teóricos (em boa parte, "banidos" das
universidades) e ainda, sobre a realidade do "objeto"
movimento estudantil. E neste caso, ao longo do período
ditatorial, o tema movimento estudantil perde o lugar de
relevância, sendo raras as análises produzidas no curso dos
anos 70 (apesar da qualidade dos estudos, como os de Guilhon
Albuquerque). Na década de 80, os questionamentos voltam à
cena de forma lenta, centrados de maneira particular sobre o
período 64/68 e sobre os processos de "desmontagem"
institucional e político-partidário sofrido pelo movimento - com
atenção especial sobre a repressão das lideranças e
organizações de esquerda.
Na ocasião dos vinte anos dos acontecimentos de 1968,
vemos se consolidar esta perspectiva teórica de forte tradição
político-institucional motivada a resgatar a herança políticopartidária (de significado participativo e ideológico) do passado
35
na busca de se contrapôr à "crise" contemporânea. Os estudos,
neste momento, procuram avaliar os problemas, os conflitos e
as utopias dos estudantes do período 1964/68 ampliando-se as
análises sobre as esquerdas e sobre as transformações da
estrutura de ensino.
Se considerarmos o montante dos trabalhos produzidos
sobre o tema nas últimas décadas, poderemos constatar a
predominância e a hegemonia das reflexões sobre os quadros
políticos partidários da fase 64/68 em contraste com a raridade
dos estudos sobre os anos 70 ou sobre períodos anteriores à
criação das Universidade. Ainda no final dos anos 80, o
movimento estudantil é analisado "para trás" (em relação aos
acontecimentos de 1968), avançando-se muito pouco com
relação à década "de transição" para a contemporaniedade, os
anos 70. As exceções consistem em alguns trabalhos e ensaios
jornalísticos, como os de Artur Ribeiro Neto36, Luiz Carlos
Maciel37, Tânia Gonçalves e L.H. Romagnoli38; e nos estudos de
Olgária Mattos39, Eloisa Buarque de Holanda40, Medler Pereira41
, Maria Amélia Mello42 e Rosa Cavalari43 que procuram tratar de
36
Artur Ribeiro Neto. “Um laço que não UNE mais”, Revista Desvios, Rio de Janeiro:
Paz e Terra, nº4, 1985
37 Luiz Carlos Maciel. Negócio Seguinte:, Rio de Janeiro, CODECRI, 1982; Anos 60. São
Porto Alegre, L&PM, 1987; Geração em Transe: memórias do tempo do
tropicalismo.Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1996
38 Tânia Gonçalves e Luiz Henrique Romagnoli. A Volta da UNE: De Ibiúna a Salvador.
São Paulo: Alfa Ômega, Coleção História Imediata, nº5, 1979
39 Olgária Matos. Paris 1968: As Barricadas do Desejo. São Paulo, Brasiliense, 1981
40 Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. CPC, Vanguarda e Desbunde:
1960/70; Heloísa B. Hollanda e Marcos A Gonçalves. Cultura e Participação nos anos
60. Coleção Tudo é História, ed. Brasiliense; Heloísa B. Hollanda e Carlos Alberto M.
Pereira. Patrulhas Ideológicas. São Paulo, Brasiliense, 1980
41 Maria Amélia Mello (org). 20 Anos de Resistência: Alternativas da cultura no
regime militar. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1986
42 Rosa M. F. Cavalari. Os Limites do Movimento Estudantil (1964/1980). Campinas,
tese defendida na Faculdade de Educação da Unnicamp, 1987
43 Artur Ribeiro Neto. Op. Cit., pp. 68/69
36
um conjunto mais amplo de questões, produções e motivações
político-culturais presentes a partir do final dos anos 60, nem
sempre relacionadas com os estudantes. Através destes poucos
estudos, no entanto, podemos dizer que a temática ganha
interdisciplinaridade na medida em que recebe de campos
diferentes de conhecimento, contribuições importantes,
particularmente, acerca da transformação da Universidade, da
juventude, da cultura e das relações políticas que de forma
ampla interferem no desenrolar dos acontecimentos
estudantis.
De qualquer forma, se o tratamento teórico da temática
de 1968 começa a se alargar em fins da década de 80, os
estudos propriamente acadêmicos em torno dos estudantes
continuam alicerçados sobre os pressupostos da vigência (e
crise) de uma história institucional que, a partir de 1968, teria
as suas condições de exercício, identidade e trajetória política
definitivamente comprometidos. A realidade das fraturas
imposta aos estudantes, às esquerdas e à própria Universidade
no curso dos acontecimentos pós-64, e especialmente, a partir
de 1968, de fato, é capaz de comprometer o "olhar" sobre o
presente e sobre o fenômeno de "recriação" de
institucionalidade que desde cedo começa a se reestabelecer
no espaço acadêmico. Por outro lado, o "olhar" sobre as
experiências dos anos 70 através de critérios eminentemente
político-partidários e institucionais da fase anterior não permite
que se identifique as variações de motivação, participação e
articulação coletiva que começam a se fazer presentes; razão
pela qual as análises sobre o período se restringem à trajetória
de "reorganização" das esquerdas e das estruturas
institucionais segundo os moldes e tradições da década
anterior.
Conforme procuraremos comprovar neste estudo - a
37
enfatizar a necessidade de se realizar novas investigações - as
mudanças pelas quais passam as movimentações estudantis
nos anos 70 não significam o encerramento dos seus
propósitos coletivos, mas pelo contrário, a emergência de
respostas e projetos de cunho social que em vários aspectos
começam a se diferenciar em seus ideais de sociedade, política
e cultura, assim como promover uma outra aventura de criação
política. A perda das bases tradicionais ocasionada pela
intervenção repressiva do Estado sobre a sociedade civil e pela
reforma da Universidade dá lugar a uma "reestruturação" ou
"reconstrução" de movimento que desde sua origem se coloca
sensível às alterações vividas pela juventude no plano da
cultura e da politica; alterações que se fazem presentes na
esfera acadêmica na forma de um conjunto diferenciado de
discussões e realizações de caráter estético, particulamente, de
novas experimentações de linguagem.
Mas, como estudar este período? Os anos 70 vão
constituir um período muito específico de acontecimentos
políticos e culturais, juvenis e estudantis; antes de mais nada
marcado por reações à desmontagem da estrutura pública da
educação e pela criação de perspectivas "alternativas" de
formação e inserção social. Neste percurso, os estudantes
abrem espaço para um conjunto variado de experiências
internas de enfrentamento centrado na redefinição dos
currículos, na recusa do caráter técnico e especializado de
conhecimento, na re-politização do espaço acadêmico e
retomada de uma perspectiva social de Universidade; questões
que, neste contexto, vão firmar todo um conjunto de
posicionamentos e, inclusive, novos contornos de identidade
política.
Neste período, o leque de questões, desafios,
problemas e leituras políticas e culturais que se apresentam e
38
se encontram em transformação na Universidade, no universo
do mercado de trabalho ou ainda entre as concepções e
condições de militância político-cultural, dificulta ou ainda
compromete a permanência de uma perspectiva de ação
política institucional nos quadros estabelecidos anteriormente.
Mais do que isto, uma outra condição de "estudante" e
"juventude" se esconde no bojo desta alteração mais profunda
da Universidade, universo profissional, sociedade de mercado e
do próprio Estado (responsável pelo desencadeamento de uma
forte repressão política); alteração que exige dos estudantes,
questionamentos e mecanismos participativos suficientemente
abrangentes para fazer-se integrar à definição dos novos
rumos.
No curso dos anos 70 as experiências políticas não
podem ser as mesmas em função do conjunto de desafios que
os estudantes se vêem obrigados a traduzir e enfrentar. Para o
cientista político J.A.Guilhon de Albuquerque, os aspectos
políticos tradicionais nos quais o movimento estudantil se
alicerça até a implantação do AI-5 e da lei nº5540
(caracterizado por uma dinâmica política de caráter sindical nas
bases e partidária na cúpula), sofrem, a partir de então, uma
profunda transformação. Os estudantes deixam de integrar um
"corpo" de definições e procedimentos militantes na medida
em que são "proibidos" de desenvolver as práticas mais caras à
sua dinâmica identitária de movimento, assim como de
expressar interesses e preocupações divergentes das colocadas
na/para a Universidade. As alterações do campo profissional
trazidas por esta mudança, por sua vez, exigem um repensar
crítico e cotidiano da "qualidade" formativa oferecida; assim
como as limitações à participação acadêmica através da
incorporação pela administração da estrutura institucional
herdada, exigem a recriação de perspectivas de militância e
39
ação coletiva.
No texto "Um Laço que não UNE mais", o cientista
político Artur Ribeiro Neto nos propõe que todo um outro
conjunto de problemas e desafios passa a ser enfrentado no
espaço da Universidade, sendo que esta instituição de fato é
que "oferecia as condições sociais e políticas para este tipo de
política". A transformação da Universidade exigiria uma outra
possibilidade e significado de intervenção coletiva capaz,
inclusive, de gerar uma outra identidade de movimento
sensível aos novos desafios44
Para Ribeiro Neto, a crise do movimento nos anos 70 e
80 se encontra então relacionada com as dificuldades que os
estudantes enfrentam de dar respostas à transformação da
Universidade e da sociedade, ou ainda, com as limitações de
ação das organizações políticas que tendem a repetir como
"farsa" um jogo politico que neste contexto já se acha
descaracterizado, acabando por comprometer a construção de
outras diretrizes que de fato vinham propondo um "novo"
movimento estudantil. Em suas colocações, a repetição de
procedimentos partidários do passado neste contexto social e
político se justifica pelo resgate da hegemonia política exercida
no período político anterior e que agora procura se sobrepôr a
uma outra perspectiva coletiva (que de fato ocupa um papel
importante na renovação das práticas estudantis) 45.
44Segundo
este autor: "O Golpe, para o movimento estudantil, significou a sua
exclusão da participação no poder. E os momentos de luta que atingem seu auge em
68 não significaram uma revisão do estilo populista de ação política, mas apenas a
sua radicalização. Mas o que oferecia as condições sociais e políticas particulares
para este tipo de política por parte dos estudantes era o lugar social e político da
Universidade" Artur Ribeiro Neto. Op. cit, pp. 68/69
45 "A ruptura da idéia de uma aventura coletiva comum, compartilhada entre
estudantes, suas organizações e seu movimento, que está na base das ações de
1977, se fez pela adesão das lideranças a concepções e organizações de
características aristocráticas. Uma nova espécie de reis-filóso-platónicos (..) As
40
Neste mesmo aspecto, o estudo de Olgária Mattos:
Paris 1968: As Barricadas do Desejo (1981) traz uma
contribuição decisiva à avaliação do significado qualitativo da
alternância - e multiplicidade - das ações politicas que desde o
final da década de 60 passa a ocupar a arena política das
movimentações estudantis em dimensão internacional. Neste
estudo, a autora persegue o significado mais profundo da
emergência das diferentes formas e objetos de ação política
que se apresentam (de maneira crítica) às perspectivas de ação
coletiva de fundamentação político-partidária. Em seu
entender, uma multiplicidade de práticas e possibilidades de
resistência e ação coletiva configura o afloramento de
procedimentos (de significação própria) críticos à organicidade,
à institucionalidade tradicional e à hegemonia de concepções
partidárias, questões que tornam possível a ruptura de
concepções e diretrizes até então determinantes da dinâmica
tradicional. Esta multiplicidade, portanto, configura a
emergência de um movimento marcado pela transformação do
significado da política, explícito, entre outros momentos, nos
acontecimentos de maio de 68 francês46.
eleições e assembléias passam a funcionar apenas como espaço de persuasão e de
embate entre as verdades revolucionárias, um campo de sedução política, de
conquistas de novos adeptos (..) A formalização de um corpo com direitos exclusivos
ao saber consubstanciados nas organizações têm como contrapartida a formalização
dos estudantes num outro carpo, o corpo massa, incapaz de refletir as suas
experiências, de estabelecer o seu sentido (..) E agora, ser estudante, que era uma
aventura coletiva de ação e participação política, converte-se apenas no oposto de
ser revolucionário. Ser estudante torna-se igual a ser massa, isto é, um incompetente
político (..) Assim, a conversão das condições de estudante em incompetente
político pelas suas próprias lideranças (..) é um acontecimento decisivo na ruptura da
identidade estudantil"
Ibidem, pp.66/67
46 Olgaria Mattos escreve: "..ninguém pode reivindicar para si este Movimento: ele é
amplamente espontâneo e os grupúsculos nele imersos, trotskistas, maoístas,
guevaristas ou anarquista, não desempenharam a não ser um tênue papel nas
41
Mais do que o afloramento de críticas ao "fazer político"
de bases político-representativas, o que se presencia a partir de
então é a formação de outras propostas de ação política - de
fisionomia autonomista, espontaneísta, guevarista - que muitas
vezes se soma às concepções trotskistas e maoístas presentes,
para afirmar suas diferenças com relação às concepções
políticas mais tradicionais. Conforme sugere o militante
anarquista Daniel Cohn Bendit em O Grande Bazar: "Para um
jovem, ser revolucionário em 68 significava ser, também,
contra o partido comunista"47
Por outro lado, estas proposições "alternativas" de ação
política carregam um repensar importante da questão coletiva
conforme podemos observar junto à concepção "autonomista"
exposta por Cohn Bendit:
"Existe a solução clássica dos partidos, do centralismo
democrático que passa pela constituição de células , pela
eleição de delegados, pela contabilização de votos. A
solução anarquista consiste na federalização de pequenos
grupos; isto leva a fazer uma verdadeira sociologia das
instituições para se saber como democratizar, já que os
grupos são tantos que nem conseguem se federalizar.
Tanto um quanto o outro implicam a destruição de tudo
aquilo que o movimento conseguiu criar: assembléias
gerais, democracia de massa, locais de libertação da
palavra. Assim, quando se é favorável à autonomia dos
movimentos e à sua unificação, coloca-se a questão da
centralização, de uma estrutura, de um espaço que facilite
a transmissão da realidade concreta destes movimentos ,
manifestaçães de massa. As imagens que nos ficaram da primavera de Maio, greves
nas escolas, distribuição de panfletos, proclamações, assembléias, passeatas
silenciosas ou turbulentas,ocupação de auditórios ou de salas de aula, queima de
jornais, testemunham agrupamentos mais entusiastas que "temperados na luta".
Estes novos enrangès não recuam diante da violência e àquela que lhes é feita
respondem pela violência”. Olgária Matos. As Barricadas do Desejo, op. Cit., p.10
47 Daniel Cohn Bendit. O Grande Bazar. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1988, p. 81
42
destes grupos dos quais tantas pessoas querem participar.
Neste novo movimento existe algo mais que a simples
democracia e o direito à palavra, existe também a recusa
da ideologia do trabalho, da família e uma necessidade de
viver a própria vida, uma necessidade de autodeterminação. Todos estes movimentos projetam uma
determinada imagem da sociedade, que têm que ser
integrada na organização”48
No caso das movimentações brasileiras, se a crise
institucional têm origem muitos anos antes por força da
repressão social, esta mesma crise se amplia nos anos 70 em
função de uma ruptura identitária que, entre outros motivos,
se torna articulada à existência de críticas mais contundentes
às ações organizadas - em um claro sinal de alteração e
fragmentação de consensos militantes. O movimento estudantil
dos anos 70, na verdade, se apresenta como um movimento
em mudança em sintonia com uma década que se afirma como
"tempo de diferenças", e neste caso, torna-se difícil trabalhar
com falas exclusivamente partidárias ou com referências
apenas institucionais das movimentações. A documentação rica
e sujestiva deste período nos é indicativa de que a sua
importância e significação se concentra exatamente nesta
diversidade49_.
A presença de diferentes práticas e concepções de
movimento (oriundas de diferentes espaços de militância e
maneiras de tratar a Universidade e a política), por sua vez, é
responsável por um percurso tumultuado e conflituoso de
perspectivas e de afirmações políticas que inclui, entre outras
coisas, a recuperação de uma estrutura institucional de
representação sob moldes tradicionais - associado à
48
Ibidem, p.190
Haupt. "Por que a História do Movimento Operário?" IN Revista Brasileira
de História, ANPUH/M. Zero, 1985, vol5 nº10, pp 208/231
49George
43
recomposição de projetos de orientação político-partidária - ao
lado da emergência de outras formas e experiências políticas e
culturais que vão alterar os elementos identitários do
movimento e integrar uma crise de legitimidade das próprias
entidades "reconstruídas".
A identidade tradicional do movimento estudantil
responsável pela construção de uma auto-imagem de
"vanguarda revolucionária" no passado vai enfrentar agora
uma fragmentação profunda relacionada com a necessidade de
construção de novas perspectivas de luta acadêmica e politica.
No entender de vários grupos organizados, estas experiências
"alternativas" de ação coletiva devem ser recusadas e
"enfrentadas" em pról da reafirmação dos procedimentos
político-representativos do passado, situação que no entender
de Ribeiro Neto, é geradora de um fechamento de caminhos ou
um bloqueio à emergência de novas possibilidades de ação
política50.
Em uma perspectiva distinta, os estudos de Heloísa
Buarque de Holanda, Marcos Antônio Gonçalves e Carlos
Alberto Messeder Pereira51, são importantes para uma
avaliação mais profunda do significado da entrada em cena de
elementos da contracultura - elementos estes que, no contexto
de virada dos anos 60/70, vão desempenhar um papel
importante no redimensionamento das experiências políticas.
50Em
suas palavras: "A reprodução da história dos anos 60, como mito, no final dos
anos 70 e começo de 80 acabou por significar um incrível fechamento para o novo. E
hoje as entidades estudantis são apenas fantasmas desencarnados das entidades e
práticas do passado, são apenas ógãos que repetem infindável e tristemente a
mesma história, alheios e contra a vida e as experiências das pessoas que seriam a
sua substância". Artur Ribeiro Neto. “Um laço que não UNE mais”, Op. Cit., p.70
51 Heloísa. Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op Cit.; Heloísa Buarque de
Holanda e Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60. Op Cit.; Heloísa
Buarque de Holanda e Carlos Alberto M. Pereira. Patrulhas Ideológicas. Op Cit.;
Carlos Alberto Messeder Pereira. Retrato de Época: Poesia Marginal anos 70, Op. cit.
44
Para Heloísa Buarque, em Impressões de Viagem: da vanguarda
ao desbunde, é a partir da crítica às ortodoxias que ocorre uma
aproximação entre gerações distintas de intelectuais e artistas
capaz de promover novas experiências de leitura e de criação
de linguagens políticas e culturais.
De forma complementar, as análises de Luiz Antonio
Cunha52 nos fornecem uma reflexão mais abrangente e crítica
da questão institucional da Universidade, revelando-nos a
presença ao longo do tempo de projetos econômicos e políticos
a interferir na transformação de seu modelo e dinâmica de
funcionamento. Já os estudos da área de sociologia têm trazido
contribuições importantes à análise das transformações
comportamentais da juventude (no aspecto das suas reações à
sociedade industrial) além de fornecer uma conceitualização de
movimento estudantil relevante53. Se no curso dos anos 60 este
movimento tende a ser interpretado como uma "categoria"
específica das classes médias, ou ainda, dos movimentos
juvenis; nos últimos 20 anos os estudos têm reforçado a
compreensão do lugar e papel conferido à Universidade na
sociedade latino-americana, assim como o lugar político que os
estudantes adquirem a partir das relações de representação e
associação formal com o Estado e o espaço público (em
especial, por meio das relações político-partidárias).
Estas dimensões são cruciais à compreensão do cenário
acadêmico e estudantil do pós-68; um cenário que inaugura um
conjunto de práticas políticas e culturais estudantis dotadas de
52
Luiz Antonio Cunha. A Universidade Temporã. RJ: Francisco Alves, 1986; A
Universidade Crítica: o ensino superior na República Populista. RJ, Francisco Alves,
1989; A Universidade Reformanda: O Golpe de 1964 e a modernização do Ensino
Superior. RJ: Francisco Alves, 1988
53 Sobre esta questão, ver "A Juventude como categoria social" de Helena Abramo
em Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo urbano. SP, Editora Página Aberta,
1994, p. 7/53
45
uma qualidade própria, inerente e sensível aos acontecimentos
e mudanças em curso nesta década - tempo em que a política e
a cultura alcançam novas formas de articulação e organização
entre os estudantes.
46
TEMPO DE MUDANÇA
47
CAPÍTULO 1
A TRANSFORMAÇÃO DA UNIVERSIDADE E DO MOVIMENTO
ESTUDANTIL: O DESAFIO DE SER ESTUDANTE
"A ocupação das faculdades, as experiências radicais no
sentido de uma nova concepção da atividade do estudo,
sua fusão imanente com a atividade política, tudo isso
atinge (ainda que negativamente) a condição "normal" do
estudante. No mínimo a diversifica, desmistificando-a
enquanto contingência histórica e, portanto, superável” 54
As interpretações mais recorrentes sobre o movimento
estudantil não costumam considerar como objeto deste
movimento a questão da Universidade, ainda que se reconheça
o quanto a instituição contribui para uma articulação com as
dimensões sociais mais amplas. O movimento estudantil que
têm seu universo acadêmico secundarizado pela análise
historiográfica presta-se na verdade a justificar trajetórias
políticas de cunho vanguardista que frequentemente
encontram sentido de luta em uma dimensão exterior à própria
Universidade.
No entanto, quando o pesquisador se debruça sobre a
documentação estudantil dos anos 70, o que lhe vem à tona é a
presença de um movimento reivindicativo por direitos
acadêmicos que pouco a pouco adquire sentido e consistência
54
Jornal Avesso, USP, outono de 1978, nº1, p1
48
coletiva na proporção em que "politiza" os seus problemas
específicos. É na discussão da Universidade que ressurge um
movimento de discussão da sociedade, munido agora por um
conjunto mais amplo e diversificado de referenciais. A questão
da Universidade, nos anos 70 se constitui, em si mesma, no
objeto da política, e não apenas em um espaço de exercício da
política.
De forma semelhante, o fenômeno de desmontagem
institucional do movimento estudantil também têm sua origem
vinculada, antes de mais nada, à questão da Universidade. A
implementação de novas perspectivas acadêmicas pelo
governo militar exige a despolitização do espaço e da
instituição universitária e impõe restrições aos direitos
participativos estudantis, dentro e fora do universo acadêmico.
Neste caso, é partir de 1964 que vemos se desenvolver
uma primeira etapa de conflitos decisiva tanto para os rumos
do movimento estudantil quanto para o futuro da
Universidade. Momento em que um novo corpo de leis passa a
intervir sobre a estrutura de gestão da Universidade e sobre a
organização política da sociedade civil (em termos mais
amplos) gerando uma outra qualidade de movimentações
estudantis, mais radical pelas rupturas que se vêem forçadas a
enfrentar. Momento, ainda, em que ganha lugar outros
fenômenos de forte impacto sobre os estudantes e a sociedade
em geral, como a redefinição do campo das especializações e
relações de trabalho55, ou o desenvolvimento de uma indústria
55
Como sugere Helena Abramo em Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo
urbano. SP, Editora Página Aberta, 1994, pp. 1/53 , a juventude experimenta nos
anos 70 uma problemática diferenciada de inserção no mercado de trabalho trazida
pela expansão urbana (com maiores exigências de especialização do trabalho) e pela
constituição e expansão de um mercado de consumo (diretamente articulado à
comunicação de massas) . No caso dos estudantes, em especial oriundos de camadas
sociais mais baixas, a qualificação profissional permitida pela expansão da rede
49
cultural que têm desdobramentos importantes sobre a
produção e a circulação dos trabalhos e informações culturais
da sociedade.
Na segunda metade dos anos 60 é a própria
Universidade que se revela alvo de um projeto econômico e
político mais amplo, de forma que um acompanhamento mais
atento da desmontagem da estrutura institucional do
movimento estudantil nos permite identificar aspectos mais
profundos da sucessão de manifestações e conflitos estudantis
que tomam conta do período e que possuem, como uma de
suas metas, recuperar não apenas as condições estruturais de
defesa dos direitos civis, mas antes de tudo, recompôr o caráter
público e democrático da instituição universitária.
Em sentido complementar, com a instauração do
Governo Militar em 1964 também o movimento estudantil se
torna alvo de intervenção e repressão, em especial no tocante
a permanência de sua organização institucional de base
representativa (criada nos anos 30) que pouco a pouco perde o
espaço de articulação política conquistado nas décadas
anteriores e, mais do que isso, passa a enfrentar uma mudança
profunda de caráter institucional - mudança que pode ser
observada ao se analisar as reformulações legais contidas entre
o Decreto nº 19.851 de 11 de Abril de l931 e a Lei 5540/68
(implantação da reforma universitária)56.
Conforme colocamos anteriormente, o decreto nº
19.851 de 1931 dá origem a entidades "oficiais" de
representação estudantil no interior das Universidades - os DAs
e os DCEs - que com o passar dos anos se constituem em
privada de ensino é valorizada como uma nova perspectiva de inserção.
56
Legislação Estudantil: Coletânea de Leis, Decretos, Resoluções e Pareceres.
Ministério da Educação e Cultura, Departamento de Assuntos Estudantis, 1980
50
matéria obrigatória ao próprio reconhecimento e equiparação
dos estabelecimentos de ensino superior (decreto nº 37613 de
19 de Julho de l955). No início dos anos 60, por sua vez, a lei nº
4024 de 20 de Dezembro de l961 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional) reafirma esta obrigatoriedade de
representação discente condicionando-a, agora, à variações
estatutárias de cada Universidade (em especial nos critérios de
representação e voto). Em meados dos anos 60, no entanto, a
Lei nº4464 de 9 de Novembro de l964 (Lei Suplicy) altera estas
atribuições - sem retirar, ainda, seu lugar na estrutura de
ensino. A lei dispôe sobre as novas "finalidades" e dinâmica de
representação, vetando às entidades representativas ações,
manifestações ou propagandas de caráter político-partidário,
além da promoção ou apoio a greves. Esta alteração de
atribuições cria ainda o Diretório Nacional de Estudantes (DNE)
e os Diretórios Estaduais de Estudantes - em substituição a UNE
e UEEs - além de receber do decreto nº55057 de 24 de
novembro novas regras de controle sobre as dotações
orçamentárias das agremiações acadêmicas (a ser exercido
pelas Congregações, Conselhos Universitários e em segunda
instância pelo MEC).
Esta sucessão de medidas, que enfim, descaracteriza o
papel original das entidades estudantis, ganha no ano de 1965
uma nova diretriz na medida em que o Estado amplia seu
controle sobre os regimentos das Universidades - por meio da
ampliação de poder das instâncias acadêmicas, do CFE e do
MEC. Por esta via, o Governo Militar adquire um maior controle
sobre as Reitorias e as Diretorias de Unidade, obrigando-as a
adaptar seus estatutos e regimentos à lei 4464/64. O ano de
1965, portanto, dá início à implantação de medidas que visam
uma alteração mais profunda da estruturação administrativa da
Universidade, condicionando os órgãos de deliberação às
51
instâncias do CFE e MEC. A redução de direitos participativos
estudantis se soma agora às alterações mais profundas da
estrutra de gestão da Universidade.
Diante destas medidas, podemos observar então a
eclosão de inúmeras manifestações estudantis contrárias à "Lei
Suplicy", em defesa da autonomia da Universidade, em recusa
à intervenção na UnB e ao controle que se pretende
estabelecer sobre a vida das entidades e de seus orçamentos57.
As manifestações respondem também à obrigatoriedade
imposta sobre as Reitorias e assume como bandeira política a
defesa das liberdades democráticas. Neste mesmo ano, o XXVII
Congresso da UNE (l965) delibera pela não participação
estudantil nas eleições dos DAs e DCEs "enquadrados" pela Lei
Suplicy, optando pela constituição dos DAs livres - a se formar
fora do espaço acadêmico58.
Como resposta Governamental, várias entidades são
fechadas em todo o país e o decreto nº57634 de 14 de janeiro
de l966 suspende por 6 meses as atividades da UNE (dando
início ao processo de dissolução judicial59). Em contraposição,
um novo surto de passeatas e greves (em várias cidades e
Estados) repudia a implantação das primeiras medidas
governamentais de reforma universitária, secundarizando a
luta em defesa da democracia para denunciar o "caráter
imperialista" da reforma de ensino. Neste contexto, a
resistência às medidas de implantação do ensino pago
(anunciadas pelo governo) converge para um repúdio mais
geral da ditadura e dos projetos militares de reforma social60,
57
João Roberto Martins Filho. Movimento Estudantil e Ditadura Militar: 1964/1968,
op. cit, pp. 87/96; Artur José Porner. O Poder Jovem, op. cit., pp. 257/267
58 História Da UNE Volume 1: depoimentos de ex-dirigentes. Op. Cit. Depoimentos de
Altino Dantas e José Luiz Guedes, pp 31/53
59 Luiz Antônio Cunha. A Universidade Reformanda, op. cit, pp. 57/58
60 João Roberto Maritins Filho. Movimento Estudantil e Ditadura Militar, op.cit.,
52
sendo que o XXVIII Congresso da UNE (l966) em Belo Horizonte,
contrariando a ordem de dissolução judicial radicaliza os
conflitos entre estudantes e governo, optando por um
enfrentamento que, efetivamente, dá ao movimento um papel
de destaque no processo mais amplo de resistência anticastelista.
O Governo Militar em l967 substitui, então, a "Lei
Suplicy" pelo Decreto Lei nº228 que extingue os DEEs e DNE na
pretenção de restringir ainda mais o exercício da representação
acadêmica. Os DAs e DCEs são admitidos com maiores
restrições e controlados (conforme os regimentos) pelas
instâncias internas sob fiscalização da Reitoria. A dissolução das
agremiações (na prática, a opção preferencial do Governo)
prevê a desocupação da sede e a convocação pelo MEC de
representantes discentes isolados em lugar de entidades
acadêmicas. Este ano é marcado também pela intensificação
dos procedimentos repressivos no espaço público
(transcendendo ao controle acadêmico).
Com todas estas medidas de contenção, as passeatas
conseguem ainda se intensificar, concentrando-se na denúncia
sobre os cortes de verbas das Universidades, sobre as prisões,
teor da política educacional do governo e repúdio à nomeação
dos Reitores pelo Governo Militar (entre eles, o próprio Flávio
Suplicy de Lacerda para a Reitoria da UFPa). Neste caso, em um
clima de grande mobilização e repressão, o XXIX Congresso da
UNE (1967) em Vinhedo apresenta um número maior de
delegados em um momento no qual já se presencia um
enfraquecimento estrutural do movimento originado das
dificuldades de debate e eleição de representantes no espaço
acadêmico. O contexto de 1967, na verdade, coloca o
movimento em um impasse político: por um lado, a
p99/102
53
radicalização e disposição para o conflito (perceptível pelo teor
das manifestações) consagra como linha política do Congresso
a luta contra a intervenção na Universidade, pela denúncia dos
acordos MEC-USAID e pelo repúdio da ditadura e do
imperialismo; por outro lado, o enfraquecimento patente das
mobilizações, impõe a defesa (por algumas posições políticas)
da retomada das questões reivindicativas internas como meio
fundamental de ampliar a consciência política dos estudantes61.
Na verdade, se o movimento estudantil se acha
estruturalmente enfraquecido, sua radicalização no espaço
público motiva a adoção de critérios de repressão que mais
uma vez visam à contenção política do movimento no interior
do espaço acadêmico (Decreto 62024 que dá vez ao "Relatório
Meira Mattos"), critérios estes que se traduzem em um
tratamento ainda mais violento às passeatas, invasões e greves
estudantis em 1968, desencadeando uma onda crescente de
reações sociais62.
No ano de 1968, entre a morte do estudante
secundarista Edson Luis em março e a edição do Ato
Institucional nº5 em dezembro, o cenário público passa a
contar com diversas movimentações sociais como as greves
operárias de Minas e São Paulo e as amplas manifestações
urbanas a envolver segmentos das classes médias (há pouco
coniventes com o Golpe de Estado)63.
O XXX Congresso da UNE (1968) é então organizado em
moldes "clandestinos" em um contexto de graves radicalizações
e acirramentos repressivos, pretendendo ao mesmo tempo
61
História da UNE Volume 1: depoimento de ex-dirigentes, op. Cit., pp 49/53
Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero. Da Universidade “Modernizada” à
Universidade Disciplinada: Atcon e Meira Mattos. São Paulo, Cortez Editora, 1991,
pp.19/53
63 Daniel Aarão Reis Filho e Pedro Moraes. 1968: A Paixão de uma Utopia. Rio de
Janeiro, Espaço e Tempo, 1988, p 11
62
54
contar com a maior participação possível de representantes
estudantis64. São cêrca de 700 estudantes que se reúnem em
Ibiúna nas vésperas da decretação do AI-5 e da promulgação da
Lei nº5540/68 (Lei de Reforma da Universidade) para viver a
"queda" deste Congresso e o início de um novo percurso
repressivo que torna viável, em pouco tempo, a
"desestruturação" institucional e pública do movimento
estudantil associado à transformação profunda do projeto de
Universidade.
Entre 1964/68 portanto, o Governo Militar promove a
ruptura de dois elementos estruturais do movimento
estudantil: a interrupção da estrutura e dinâmica políticarepresentativa dos diretórios (nos fóruns acadêmicos) e a
proibição das práticas político-partidárias em seu interior65; o
que motiva as mais intensas reações de defesa no espaço
acadêmico e social. De forma complementar, os diversos
decretos e leis conferem aspecto legal aos mecanismos
repressivos estabelecidos sobre a sociedade civil66.
64História
da UNE Volume 1: Depoimentos de Ex-Dirigentes, op. Cit., 81/90; Daniel
Aarão Reis Filho e Pedro Moraes. 1968: A Paixão de uma Utopia, op.cit., 99/148;
Tânia Gonçalves e Luiz Fernando Romagnoli. A Volta da UNE: De Ibiúna a Salvador.
Op. Cit, pp 11/13.
65Esta situação pode ser observada na seguinte passagem de A. Poerner: "..os
chamados Diretórios Acadêmicos Livres - formados a partir de agosto, depois do 27º
Congresso - tinham sua eficácia algo reduzida, por serem compostos fora das
Universidades, como o CACO-Livre, por exemplo, que se reunia no bar localizado
defronte à Faculdade, apelidado, devido a isso - por analogia ao exílio das lideranças
políticas nacionais -, de Bar Uruguai" O Poder Jovem, op. cit., p.261
66Segundo Artur Poerner: "O Movimento Estudantil, tal como é entendido até aqui
neste trabalho, foi interrompido no Brasil em 1968, como o AI-5. Já sem condições
sequer para se reunirem nos colégios e universidades, e muito menos para saírem
nos colégios e universidades, e muito menos para saírem às ruas em passeata, os
estudantes começaram a se agrupar e a ser arregimentados em organizações de luta
armada. E partiram para uma guerra adulta, única forma de participação política que
o regime militar lhes deixara. E único caminho que eles acreditavam poder conduzilos a libertação do seu povo”. O Poder Jovem, op. Cit, pp 306/307
55
A decretação do AI-5 em dezembro de l968 possibilita a
supressão de direitos civis elementares e o desencadeamento
de um processo repressivo de maior abrangência. No período
Médici, particularmente, este ato institucional é utilizado como
mecanismo de "desmantelamento" das movimentações de
resistência civil, entre elas as organizações partidárias de
esquerda envolvidas com os processos de luta armada. Com
relação ao movimento estudantil, o decreto lei nº477 de l969
estende as medidas repressivas mais gerais para o espaço de
gestão da Universidade, de forma que os estudantes, docentes
e funcionários envolvidos com atividades políticas
"subversivas" são processados pela Lei de Segurança Nacional
ficando sujeitos à expulsão e proibição de novo acesso na
Universidade por 5 anos.
Já a decretação da lei nº5540 ainda em 1968, dá início à
implantação da Reforma Universitária que, antes de mais nada,
altera o caráter, a estrutura e a dinâmica de funcionamento do
universo acadêmico67. As Reitorias passam a ser restritas em
suas atribuições e poder de decisão, condicionadas às diretrizes
e órgãos de deliberação do Ministério da Educação e Cultura e
da própria Presidência da República. Da mesma forma, toda a
administração acadêmica se remodela para acomodar a
estrutura autoritária e burocrática de caráter tecnocrático,
fundamental à implantação e sentido da reforma.
Com a decretação da lei de Reforma Universitária, no
dizer de Luiz Antonio Cunha, ganha lugar pela primeira vez uma
doutrina sistemática para o ensino superior brasileiro; as
faculdades, os institutos e as universidades, públicas e privadas,
passam a receber orientações específicas de reformulação que
prevêem, entre outras coisas, a implantação nos regimentos
internos de procedimentos detalhados sobre a questão
67
Luiz Antônio Cunha. A Universidade Reformanda. Op. cit, pp. 240/316
56
estudantil - da proibição de atos políticos ao veto de
informações da reforma68. No mesmo sentido, cria-se uma
nova estrutura de atribuições e operacionalização da reforma
na qual o Estado desempenha um papel interventor69.
O papel que estes novos decretos e leis possui sobre os
estudantes é profundo. Os novos estatutos e regimentos
definem com precisão o lugar, ou melhor o não-lugar dos
estudantes nas estruturas de poder acadêmico, cabendo às
instâncias de deliberação administrativa a definição de critérios
de funcionamento que abarcam inclusive, o campo pedagógico70
. A implantação dos departamentos - uma antiga reivindicação
estudantil - se presta, nesta reforma de perfil autoritário e
tecnocrático, a potencializar ainda mais o controle
68
Pela nova lei, a representação estudantil passa a ser exercida em proporções
ínfimas por alunos isolados (não pelos diretórios) e sob controle de mecanismos
repressivos internos que interrompem efetivamente a dinâmica de resistência e
rearticulação que até 1968 conseguira se manter viva (em especial, pela ação das
organizações de esquerda).
69A lei nº5540/68, além de instituir a centralização dos órgãos de direção da
Universidade, define seu atrelamento aos órgãos do Estado no que diz respeito à
escolha dos altos cargos executivos (em lugar da atribuição exclusiva dos Conselhos
Universitários), criação de novos colegiados superiores (com predomínio de pessoas
escolhidas diretamente pelo poder executivo), multiplicação de órgãos, comissões e
pareceres (que inibem a realização de mudanças), ou ainda, criação de órgãos
"oficiais" de espionagem e censura que entre outras coisas, promovem triagens e
fornecem subsídios para expurgos e cassações de professores, funcionários e
estudantes (através do uso do decreto lei nº477/69 e do AI-5).
70 A “nova” estrutura de ensino pretende ao mesmo tempo reduzir os direitos
acadêmicos (de estudantes, professores e funcionários), conter as possíveis reações
(em especial, às falhas desta mesma implantação) e controlar o espaço e as
condições de desenvolvimento do conhecimento. No caso estudantil, está vedado
todo e qualquer ato político nos diretórios “permitidos” e no espaço acadêmico,
tolerando-se apenas atividades recreativas e pedagógicas, de forma que a legislação
acadêmica se torne cumprida e não discutida. Quando as atividades nos diretórios
legais ultrapassam os marcos disciplinares (exigidos pela Reitoria e pelas Direções de
Unidade), resta aos dirigentes dissolver o diretório e nomear interventores, o que
acontecia com certa frequência.
57
administrativo sobre o universo acadêmico, e de forma
especial, sobre o corpo docente e discente; de forma que não
apenas as Universidades públicas, mas toda a estrutura de
ensino superior é modificada pela reforma e criação de novas
unidades de ensino adaptadas às regras e aos propósitos
educacionais de perfil tecnocrático71.
As Universidades públicas ainda conseguem resguardar
parte dos seus procedimentos específicos na medida em que
ocorrem reações internas (ainda que comprometidas pelo
sucateamento e intervenções progressivas); diferentemente
das novas faculdades privadas que já nascem estruturadas por
estas diretrizes. Mas as reações e os seus resultados variam de
instituição para instiuição. No caso da UnB, por exemplo, a
longa gestão do Reitor José Carlos de Almeida Azevedo impede
a presença de diretórios estudantis pela maior parte da década;
o que não ocorre em universidades como a UFMG, a UFBa e a
USP que desde o início dos anos 70 possuem DAs e DCEs em
funcionamento.
De qualquer maneira, o contexto pós-1968 é distinto de
qualquer outro período da história acadêmica e o impacto
causado pela implantação do AI-5, da lei nº5540/68 e do
decreto lei nº228/69 é difícil de ser medido. A prisão de
71A
Universidade estruturada até então em Faculdades e/ou Escolas de
administração comum, estatuto único, autonomia didático-científica e regime de
cátedra; têm seu funcionamento modificado pela entrada em cena dos
departamentos, órgãos colegiados, coordenações didáticas de curso, órgãos centrais
de supervisão das atividades de ensino e pesquisa, Conselho de Curadores.. órgãos
diversos que se acham vinculados à administração superior. Os departamentos são
entendidos como unidades de ensino, pesquisa, administração e extensão; unidades
estruturais de ampla dimensão, flexibilidade, integração e máxima economia, a partir
dos quais se agrupam as matérias básicas de um mesmo campo de conhecimento. As
matérias são desenvolvidas por meio de disciplinas, oferecidas aos alunos através de
créditos, em um conjunto por princípio fragmentado e maleável conforme as
condições de cada instituição (respeitando-se os currículos mínimos, definidos em
esfera federal).
58
centenas de lideranças e militantes de todo o país presentes no
Congresso da UNE em Ibiúna permite que os órgãos de
repressão estabeleça um amplo reconhecimento e que no uso
de suas atribuições dê início a prisões, torturas e inclusive
mortes de militantes e estudantes. Por outro lado, a "queda"
de Ibiúna configura uma ruptura não apenas da condição
institucional deste movimento, mas da transmissão do seu
projeto e perspectiva de atuação política. Os arquivos dos
Centros Acadêmicos não deixam dúvida de que a partir de
então se estabelece um "vazio" acerca dos acontecimentos do
pré-68; um "vazio" que se estende a períodos mais recuados
como a "apagar" a trajetória de lutas políticas e sociais que teve
a Universidade como objeto central das reivindicações e
projetos de mudança.
Através destes mecanismos de ruptura, então, é que
percebemos a força desta reforma em implantação; uma
reforma que é capaz de transformar, ao longo dos anos, as
universidades públicas em espaços burocráticos e autoritários
de transmissão do conhecimento72. De forma paulatina, vão se
estabelecendo medidas internas que alteram a dinâmica e o
sentido da vida acadêmica através da contenção dos recursos,
do estabelecimento/reedição de medidas punitivas; de sua
articulação com uma estrutura de informação e repressão
(integrada à comunidade de informações), ou ainda, por meio
da ampliação e diversificação de uma estrutura administrativa
cujas atribuições se estendem para o universo da produção do
conhecimento73. Os departamentos e unidades se "fecham" à
72
Laura Veiga. “Reforma Universitária na Década de 60: Origens e Implicações
Político-Institucionais” IN Ciência e Cultura: Suplemento SBPC, volume 37, nº7, 1985,
pp.86/97
73 Maria de Lourdes de A Fávero. A Universidade Brasileira em Busca de sua
identidade. Petrópolis, Ed. Vozes, 1977, pp. 54/82; João Batista Araújo e Oliveira. "A
Burocratização da Universidade" in Ciência e Cultura: Suplemento. SBPC, volume 37,
59
participação discente (e em boa medida docente); as
informações deixam de circular; estabelecem-se vínculos entre
universidades públicas e empresas e pouco a pouco a questão
da privatização se configura como um processo irreversível. De
maneira progressiva, a dinâmica burocrática consolida uma
nova prática acadêmica "amoldada" às perspectivas
tecnocráticas que reforça os vínculos entre os trabalhos
acadêmicos e os interesses empresariais74.
Por outro lado, estas alterações também enfrentam
dificuldades de implantação decorrentes das opções e
percursos de reestruturação. A perspectiva de privatizar a rede
de ensino superior, por exemplo, implica em diversos
problemas, a começar pela pretensão de se criar novas
unidades de ensino a partir de uma relação custo-benefício que
não comporta a estruturação de Universidades. Neste caso, a
privatização e expansão do ensino têm que se dar através da
sobreposição de instituições isoladas - de faculdades - em
relação às Universidades (que no início dos anos 80 conta com
nº7, 1985, pp.118/132
74 No interior desta “menor fração da estrutura universitária a reunir disciplinas
afins”, a burocracia universitária ocupa um lugar fundamental, organizada em
escalões hierárquicos com atribuições setoriais e superiores conforme a locação e
distribuição dos seus agentes funcionais na estrutura interna de poder; sendo que,
entre os princípios que orientam estas funções, está o respeito à centralização de
comando, a rigidez das normas estatutárias e a organização horizontalizada da
divisão do trabalho. De forma complementar, a “nova” Universidade toma como
princípio uma dissociação de funções entre administração e coordenação didática
que permite a sobreposição e a super-representação das atividades administrativas
em relação às funções docente e científica. No dia a dia acadêmico, cabe à
administração superior o controle dos Conselhos Universitários e Curador que são as
instâncias centrais de toda uma hierarquia de órgãos estruturados sobre os
Departamentos, Comissões e Coordenações Didáticas de Curso, Centros, Institutos,
Colegiados, Escolas e Faculdades, Conselhos de Ensino e Pesquisa – em uma
estrutura variável conforme o grau de complexidade assumida pela Instituição. O
“lugar” docente e estudantil, neste caso, é inexistente se não se fizer associado aos
cargos hierárquicos.
60
apenas 7% dos estabelecimentos de ensino)75, o que por si
mesma estabelece heterogeneidades e tensões. De maneira
correlata, o crescimento das unidades isoladas e privatizadas se
concentra nas regiões econômicas de maior demanda e menor
custo de instalação, o que vale dizer que se instituem redes
paralelas de ensino: por um lado, de Universidades e escolas
públicas (com um maior número de matrículas na região norte
e nordeste), e por outro, de escolas isoladas e particulares
centradas na região sudeste (São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro) 76:.
Em termos qualitativos, esta expansão é geradora de
distorções, inclusive em relação ao modelo de Universidade
adotado; a Universidade pública migra de um modelo europeu
de geração de pesquisa e ciência para um modelo norte
americano que por diversas razões não consegue efetivamente
se implantar configurando um modelo acadêmico de caráter
híbrido que vai se expôr a um forte desgaste ao longo da
década77.
Também no campo das opções profissionais acontecem
75
Willian Saad Hossne. "Organização e administração de Universidades Federais :
Fundação Universidade Federal de São Carlos". Ciência e Cultura: Suplemento.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Volume nº 37, nº7, Universidade
Brasileira: Organização e Problemas, São Paulo julho de 1985, p.58
76 Segundo Carlos Benedito Martins"Nas últimas décadas, o ensino superior
brasileiro passou por consideráveis mudanças. Mencionemos a este propósito,
inicialmente, que ele expandiu de forma significativa a sua capacidade de absorver
as demandas de acesso que se faziam em sua volta. O seu contingente, que não
atingiu mais do que cem mil estudantes no início dos anos sessenta, aproximava-se
da cifra de um milhão e meio de alunos no início da presente década. No contexto
desta recente expansão surgiram centenas de novos estabelecimentos que passaram
a organizar-se como faculdades isoladas, em adotarem, portanto, uma estrutura
universitária". Carlos Benedito Martins. “O novo ensino superior privado no Brasil
(1964-1980)” IN Carlos Benedito Martins (org). Ensino Superior Brasileiro:
Transformações e Perspectivas. São Paulo, Brasiliense, 1989, p11
77 Luiz Antônio Cunha. A Universidade Reformanda. Op. cit., p.12/20
61
distúrbios sérios relacionados tanto com os interesses
corporativos (que de forma concreta reagem às alterações
desencadeadas no mercado de trabalho) quanto à questão
efetiva da demanda e possibilidade de inserção. O Estado,
neste caso, é forçado a intervir diretamente sobre a reserva de
mercado de certas categorias profissionais e a optar por uma
maior rigidez das possibilidades formativas78, em um percurso
de mudanças, no entanto, que também apresenta tensão. Na
medida em que o ensino de graduação passa a se constituir
uma atribuição majoritária do setor particular, os segmentos
privatistas adquirem maior poder de intervenção e controle da
estrutura, entrando em choque com o Estado79.
O modelo privado do ensino superior brasileiro composto de instituições hegemonicamente isoladas
(faculdades) nas áreas de humanas à exatas - é
complementado, enfim, pelos cursos de pós-graduação
oferecidos nas universidades públicas (concebidas, apesar de
tudo, como centro de produção de pesquisa científica); e neste
caso, a transformação do ensino superior entre os anos anos
60/70 se dá marcada não apenas pela expansão privada, mas
por uma cisão entre as instituições geradoras de conhecimento
(mantidas pelo setor público) e as instituições
profissionalizantes sem este fim80.
78
Raulino Tramontin e Ronald Braga. “O Ensino Superior Particular no Brasil: Traços
de um Perfil” IN Ciência e Cultura: Suplemento. SBPC, vol. Nº37, 1985, pp 60/85
79Em 1980 as faculdades privadas já possuem 63,3% do total das matrículas do país
(concentradas na região sul e sudeste) centradas em áreas de menor custo, como as
ciências humanas (74,54%) e letras (65,85%), mas também em áreas consideradas
nobres e de alto custo operacional, como saúde (43,32%) e ciências exatas e
tecnológicas (57,24%).
80Segundo Raulino Tramontin e Ronald Braga, da Secretaria de Planejamento e
Secretaria de Ensino Superior do MEC neste período (1980): "Neste nível, reside, sem
dúvida, uma divisão do trabalho educacional que marcou a expansão do ensino
superior após a reforma de 1968. Enquanto as unidades federais desenvolvem, nesse
62
Na medida em que este quadro de ensino superior se
desenvolve podemos observar a mudança que a nova
estruturação implica: trata-se, na verdade, de criar instituições
de maior autonomia (com relação aos Conselhos Estaduais e
Federais de Educação) e de maior maleabilidade (de tipo, porte
e características institucionais) com vistas a atender a demanda
social para o mercado de trabalho - o que nos ajuda a
compreender a rede de habilitações que se cria81. Em relação
ao corpo docente, os levantamentos do MEC do final dos anos
70 registram que a ampla maioria dos docentes são horistas
com mínima titulação e baixas médias de permanência nas
escolas82 integrados em uma estrutura de ensino que, no início
da década de 80, é composta predominantemente de
faculdades isoladas de médio porte (de 4 a 13 cursos)
concentradas na região sudeste do país - em relação aos 23%
de instiuições de grande porte (13 ou mais cursos) com muito
poucas Universidades83.
Mas, como se estabelece esta estrutura? Uma
remodelação educacional deste porte têm origem com a
aprovação da LDB em 1961, uma lei que "relaxa" os requisitos
de criação de novos cursos retirando do Governo Federal as
período, um esforço para construir e equipar seus campus e consolidar a pósgraduação, as IES particulares procurariam expandir os cursos de graduação e obter
posição significativa a esse nível” Raulino Tramontin e Ronald Braga. Op. Cit., p63
81Em 1981, são 1.421.263 alunos matriculados em Universidades (28%), federações e
Faculdades integradas (18%) e Faculdades Isoladas (53,1%), nas áreas de Ciências
Humanas (63%), exatas e tecnologia (23%), biologia e saúde (8,4%), letras, ciências
agrárias e artes (5,6%), concentrando-se 61% das matrículas nos estabelecimentos
particulares da região sudeste.
82 Estes docentes se acham “alocados” em uma estrutura administrativa que registra
para o setor privado, 18 alunos por docente (e 1 funcionário para 48 alunos) e para o
setor público, 8,4 alunos por docente (1 funcionário técnico administrativo para 9
alunos) – cabendo às Universidades Públicas arcar com 89% dos cursos de pósgraduação (em relação aos 11% dos setores particulares)
83 Raulino Tramontin e Ronald Braga. Op. cit p 65
63
atribuições do setor para conferir às próprias Universidades,
Conselhos Estaduais e Federal da Educação as novas
orientações. Conforme sugere Luiz Antonio Cunha, em Escola
Pública, Escola Particular e a Democratização do Ensino84, os
grupos educacionais privados há muito pressionam o Estado
pela abertura de frentes de investimento no setor, e agora
através dos Conselhos de Educação conquistam de fato o
acesso aos órgãos de direção. No período 1964/68, por sua vez,
têm lugar a elaboração da nova política tecnocrática de ensino
superior na forma da lei nº5540 que dá início efetivo à
implantação das novas diretrizes. A partir de então, o governo
autoriza (em caráter excepcional) a criação de
estabelecimentos isolados orientando sua instalação segundo
os distritos geoeducacionais definidos pelo MEC. O interesse
pela criação de faculdades é tamanho que já em 1969 são
necessários novos decretos para regulamentar a questão da
demanda de forma a adequar a abertura de novas instituições
às exigências de mercado de trabalho regional e nacional. Este
problema se repete no início dos anos 70 quando é necessário
expedir novas portarias para regulamentar o oferecimento de
vagas85.
O Conselho Federal de Educação (que conta com a
presença dos setores privatistas) autoriza e reconhece estes
cursos isolados independentemente da orientação do MEC
(que têm preferências pela criação de Universidades) o que
garante ao setor privado condições de expansão em
84
Luiz Antônio Cunha. “O Lugar da Escola Particular Superior” in Escola Pública,
Escola Particular e a Democratização do Ensino, org por L.A.Cunha, São Paulo, Cortez
Editora, 1986, pp 134/139; Luiz Antonio Cunha. “Universidade: Ensino Público ou
Liberdade de Ensino” in Ciência e Cultura: Suplemento, SBPC, volume 37, nº7, 1985,
pp 222/226
85Maria de Lourdes Fávero. A Universidade Brasileira em Busca de sua Identidade.
Op. cit, p.71
64
detrimento do setor público limitado nesta participação86. De
forma complementar, a própria demanda pelo acesso ao
ensino superior atua como um elemento regulador da
expansão e abre outros espaços para a educação privada como
no caso dos "cursinhos" que sem autorização oficial procuram
trabalhar nos limites estabelecidos entre o ensino básico e os
critérios do vestibular classificatório (a funcionar como uma
avaliação da formação recebida até o 2º grau).
A expansão do ensino superior é tamanha que entre
1972/74 surgem novas exigências para a aprovação de cursos
trazidas pela saturação de certas áreas do mercado de
trabalho, ao mesmo tempo que a formação de "recursos
humanos" para cada "distrito geoeducacional" leva o MEC a
adotar um maior controle sobre a expansão qualitativa das
unidades de ensino procurando estimular o desenvolvimento
da pesquisa e da extensão, enquanto tenta conter a criação de
novas profissões (quando as já existentes são suficientes), rever
os currículos mínimos e os planos de curso. Neste caso, o ano
de 1977 aparece como um período de reorientação do
processo de implantação da reforma em função dos critérios e
medidas que se adota - reorientação que atinge uma fisionomia
mais radical em 1982, quando a abertura de novas instituições
é condicionada às necessidades sociais e à uma "efetiva
disponibilidade de meios para atender à instalação, à
manutenção e ao funcionamento dos cursos"87
UMA NOVA "NATUREZA" DE ENSINO
"A Reforma considera a Universidade como a forma, por
exelência, do ensino superior, admitindo a faculdade
86
Raulino Tramontin e Ronald Braga. Op. Cit., pp 69/72
Raulino Tramontin e Ronald Braga. "O Ensino Superior Particular no Brasil: Traços
de um Perfil". Op. cit., p.72
65
isolada como exceção. Universidade polivalente,
multifuncional, baseada na indissociação do ensino e da
pesquisa, mas que pretende abrigar, ao mesmo tempo, a
formação técnico-profissional, inclusive de nível
intermediário, e as mais altas formas do saber. Concepção
de Universidade, síntese da concepção idealista e da
concepção funcional” 88
A Universidade Brasileira, desde a sua criação, carrega
um papel estratégico de desenvolvimento econômico, social e
político através de um múltiplo papel de qualificação
profissional, promoção de integração e expansão da cultura e
da técnica. Ao longo do tempo, no entanto, a instituição
universitária começa a experimentar um processo mais
profundo de discussão crítica motivada pelo desenvolvimento
urbano-industrial e pelos diferentes projetos sociais em curso,
sendo que desde 1945, segundo Luiz Antônio Cunha, ganha
lugar um debate mais complexo em torno da questão da
"modenização" desta instituição (nos quadros do modelo
econômico adotado), procurando-se repensar a finalidade, a
estrutura e as leituras da sociedade.
No
período
de
vigência
do
nacionaldesenvolvimentismo, as discussões e procedimentos de
"reforma" da Universidade procuram flexibilizar a rigidez
acadêmica, superar a carência de recursos e transpôr os limites
colocados à produção do conhecimento no país, de forma a
construir uma autonomia científica e tecnológica condizente
com as pretensões de desenvolvimento econômico autônomo.
Podemos observar estas preocupações na criação da UnB no
início dos anos 60 que procura adotar uma mescla de modelos
educacionais procedentes de diferentes experiências
universitárias (inclusive a norte-americana) com vistas a
87
88
Leonardo Prota. Um Novo Modelo de Universidade. São Paulo, Convívio, 1987, p47
66
67
cumprir seus propósitos nacionalistas89.
No entanto, a Universidade desde o início da década de
60 se transforma em um palco mais amplo de discussões por
mudanças sociais e a questão da "modernização" acadêmica
ganha concepções divergentes - de um modelo de Universidade
liberal ao delineamento de um projeto de Universidade
empresa - que elegem a "reforma" acadêmica como um
aspecto crucial e estratégico de alteração do Estado e da
sociedade. "Modernizar" a instituição implica reforçar a
perspectiva de desenvolvimento autônomo do país ou
consolidar uma outra perspectiva de desenvolvimento
"associado" em curso 90.
O golpe de 1964, neste caso, traz desdobramentos
muito significativos para os destinos da reforma da
Universidade na medida em que por seu intermédio os
debates começam a ser alterados através de um afastamento
progressivo das "alternativas" de democratização interna e
social. As Universidades, quando necessário, são invadidas
pelos contingentes policiais que realizam prisões e depredações
em associação à destituição de diretorias e criação de
"comissões gerais de investigação interna" com o poder de
demitir/expurgar professores, funcionários e estudantes. Este
processo atinge inclusive os fóruns de educação, entre eles, o
próprio CFE. A UnB, instituição considerada modelo do período
imediatamente anterior, pode ser tomada como exemplo da
completa descaracterização que sofre a estrutura original de
Universidade - em associação ao esvaziamento dos projetos de
ensino em debate. Segundo Vinícius Caldeira Brant: "até 64,
quem levantava a bandeira da modernização da Universidade
eram os estudantes. Depois de 64, começou a haver um
modelo, inclusive o MEC/USAID entra muito nisso, de tentativa
de modernização da Universidade por parte diretamente do
governo, das classes dominantes91. Para Cunha: "A refutação
do engajamento da Universidade, em nome de uma posição
liberal significava, no fundo, o engajamento implícito contra
tudo o que soasse como ideário de esquerda” 92
A partir de então, ganham lugar as diretrizes que
entendem a "modernização" do ensino superior como a
aproximação da lógica de funcionamento (e finalidade) da
empresa capitalista; perspectivas que já vinham sendo
colocadas pela "Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional"
e pelo "Plano Nacional de Educação" na primeira fase da
década mas que são reforçadas de forma a orientar a
Universidade a assumir, segundo Cunha:" uma organização e
avaliação em função da produtividade, da 'organização racional
do trabalho' e das linhas de comando, conceitos essenciais às
doutrinas de Frederick Taylor e de Henry Fayol"93
Na segunda metade da década de 60, portanto, a
"modernização" acadêmica que começa a institucionalizada se
traduz na incorporação de medidas de planejamento e
integração procedentes da primeira fase da década - oriundas
da participação do Brasil no Plano Decenal de Educação da
Aliança para o Progresso, da consolidação de instrumentos
como o Conselho Federal de Educação (criado em 1962) e da
elaboração do Plano Nacional de Educação (de 1963) - medidas
capazes de fornecer nos anos subsequentes, justiticativas
suficientes para a presença dos acordos MEC-USAID que se
constituem, na prática, instrumentos de implantação das
mesmas diretrizes.
89
92
91Vinicius
Darcy Ribeiro. A Universidade Necessária. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1982
90 Álvaro Vieira Pinto. A Questão da Universidade. São Paulo, Cortez, 1986, p15
Caldeira Brant IN A Volta da UNE, Op. Cit., p. 86
Luiz Antonio Cunha. A Universidade Reformanda. Op. Cit., p115
93 Ibidem, p. 19
68
O conceito de "modernização" da Universidade que
agora se torna hegemônico têm ainda como pressuposto básico
inserir o ensino superior na dinâmica maior de produção
definida pelo capital monopolista, o que implica construir e
consolidar seu entrosamento (em termos de eficácia,
financiamento e prioridades formativas)94 com o universo
empresarial além de se estruturar o ensino segundo os
padrões centralizados de modernização/controle95.
Por outro lado, obter hegemonia não significa
conquistar legitimidade, em especial no interior das Faculdades
e Universidades públicas e confessionais (com outras tradições)
onde se encontram processos de resistência à transformação
das relações de conhecimento e da inserção social/profissional
do ensino superior como um todo. Esta situação leva a que a
reforma tecnocrática se veja forçada a reelaborar fundamentos
burocráticos, tecnocráticos e empresariais na tentativa de
conter os anseios e formas de resistência presentes no espaço
acadêmico, ou ainda, "aprimorar" as estruturas repressivas
com o objetivo de restringir direitos e exercícios em sua nova
estrutura de gestão96.
De forma particular, temos a presença de regras
repressivas distribuidas pelas várias esferas internas da
94
As reformas previstas para as unidades de ensino devem respeitar 3 níveis de
orientação: a racionalização de sua organização administrativa e acadêmica; a
otimização dos recursos e a “democratização” do acesso – no sentido de atender e
orientar a demanda educacional para os setores profissionais considerados
prioritários ao desenvolvimento do país.
95Marilena Chauí. "A Democracia como conquista" IN Folhetim, 1/11/81, nº250, p.6
96 Com relação aos estudantes, vemos ao longo do período 1964/1979 se constituir
um conjunto de normas e diretrizes relativas à política estudantil, reuniões e
congressos, regime disciplinar, identidade estudantil, educação moral e cívica,
desportos universitários e financiamento escolar; conjunto que procura responder à
contenção dos problemas e conflitos surgidos no dia a dia da implantação desta
reforma (ou ainda, das situações políticas vividas no espaço público)
69
burocracia universitária e articuladas de maneira externa pelo
MEC, regras por sua vez, que encontram meios de
aprimoramento através de um sistema sutil e profundo de
"acompanhamento" das ações estudantis e docentes realizado
das Assessorias de Segurança e Informação (ASI) - órgãos de
extensão da "comunidade de informações" nas Universidades
públicas (criados no período compreendido entre dezembro de
1968 e outubro de 1969)97 - com o papel de coletar, identificar,
informar e orientar os procedimentos de controle e repressão
sobre as ações políticas estudantis, docentes e administrativas
no espaço acadêmico, prestando-se a estabelecer um "diálogo"
interno entre os vários departamentos, direções, reitorias e
ministérios.
A análise de documentos específicos da presença desta
"comunidade de informações" no espaço acadêmico (com
maiores atribuições a partir de 1972)98 é elucidativa dos
97
Segundo Maria Helena Moreira Alves: "O Congresso Nacional permaneceu fechado
de dezembro de 1968 a 30 de outubro de 1969, sendo também fechadas sete
assembléias estaduais e municipais. Neste período, o controle do Executivo mantevese firmemente nas mãos dos grupos que privilegiavam a Segurança Interna, isto é, os
membros do Aparato Repressivo. Durante o recesso forçado do Congresso, o
Executivo promulgou 13 atos institucionais, 40 atos complementares e 20 decretosleis. Destinavam-se especificamente a institucionalizar o controle de instituições da
sociedade civil. Criaram-se controles específicos para a imprensa, com
estabelecimento de censura prévia, para universidades e outras instituições
educativas, assim como para a participação política em geral". Estado e Oposição no
Brasil (1964-1984). Op. Cit. p. 142
98 Segundo Maria Helena Moreira Alves: “Diretamente vinculado ao SNI são as
Divisões de Segurança e Informação (DSIs), que funcionam em todos os ministérios.
Encarregam-se de controlar o aparato burocrático interno dos ministérios e as áreas
psicossociais específicas de que se ocupam (...) A DSI do Ministério da Educação, por
exemplo, compila relatórios sobre a vida pregressa de candidatos à burocracia
ministerioal e a cargos administrativos e letivos nas universidades federais e outras
instituições de ensino (...) Também se vinculam diretamente ao SNI as Assessorias de
Segurança e Informação (ASIs), que operam em todos os ministérios civis, empresas,
órgãos e autarquias de Estado, assim como em companhias sob contrato com o
governo federal” in Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Op. Cit, p
70
procedimentos que se acham articulados à implantação da
reforma tecnocrática e podem ser observados através de
diferentes níveis de "captação" e organização de dados99. As
informações, recolhidas a princípio pelas Guardas dos Campus
são enviadas para a Assessoria Especial de Segurança e
Informação100, a AESI, locada na Reitoria da Universidade, a
partir do que se estabelece contato com as direções dos cursos
e se envia informações selecionadas para a Divisão de
Segurança e Informação, no MEC (regimento da AESI da UFPb
em anexo). Na lógica destes documentos internos, o que torna
necessário conhecer e acompanhar toda e qualquer
panfletagem, assembléia, movimento de denúncia, etc. é a
presença de uma dinâmica "subversiva" em curso na
Universidade e que a qualquer custo se deve interromper,
sendo necesssário adotar "medidas preventivas visando evitar
agitação no meio estudantil".
A documentação registra, entre outras coisas, as
regulamentações específicas adotadas sobre as ações
estudantis como a
"Regulamentação de Publicações
Estudantis" (promulgada em 1967 e encaminhada em 4 de
99Na
UnB, pudemos consultar os arquivos da guarda especial do campus, primeiro
estágio de coleta de informações realizado pelos guardas em meio às situações
cotidianas, registrando-se qualquer acontecimento considerado "suspeito". Os
relatórios trazem o acompanhamento sistemático dos "encontros" nos quartos da
moradia universitária e no restaurante universitário (possíveis "reuniões" de caráter
subversivo), dos preparativos e atividades culturais, das assembléias e debates a
partir do que vão surgindo nomes de "agitadores" mais constantes, a indicação dos
espaços mais visados para atividades políticas e culturais, ou ainda, o teor das
posturas políticas assumidas. Estes relatórios são frequentemente acompanhados
pelos documentos originais estudantis.
100 Com relação à AESI, tivemos acesso à documentação do Intituto de Ciências
Humanas da UFPb; um acervo intermediário de coleta, avaliação, repase e
comunicação no qual se presencia o diálogo desta assessoria com a direção do curso
e a Reitoria em torno de acontecimentos políticos, informações e promulgações de
decretos e medidas, solicitação de investigações, expedição de autorizações, etc.
71
maio de 1973) que considera como atividade clandestina e
"ilegal" toda e qualquer publicação realizada pelos diretórios e
grupos estudantis que não se encontre devidamente autorizada
pela administração, dando cobertura institucional à apreensão
de jornais e mimeógrafos e ao enquadramento dos estudantes
responsáveis. Neste caso, a ocorrência de fatos como o
"sumiço" de dois mimeógrafos da Faculdade de Medicina e da
Escola de Agronomia do Nordeste em 1969 configura a
presença do "plano anti-revolucionário e subversivo" na
Universidade e estimula a adoção de medidas administrativas
mais radicais como a organização do "Serviço Central de
Mecanografia, subordinado à Chefia do Gabinete do Reitor"
que define que: "a partir desta data nenhum diretório
Acadêmico deverá deter ou usar diretamente qualquer
mimeógrafo, encaminhando diretamente ao chefe do gabinete
tôda e qualquer solicitação de confecção de apostilas ou outros
material a ser reproduzido, sempre nos interesses didáticos e
culturais"101
Na associação de medidas repressivas com a
implantação da reforma, o fato é que a nova estrutura
administrativa é dotada de uma maleabilidade impressionante
sendo capaz de prevêr situações e alterar regras através da
posse e articulação das informações. Neste sentido, a
sobreposição dos órgãos de informação sobre as unidades
administrativas permite que se obtenha dados de qualquer
atividade desenvolvida no espaço acadêmico, cabendo às
direções um papel policial e o dever de prestar contas e
responder por todo e qualquer ato de irregularidade em suas
unidades. Com relação aos docentes, qualquer falha a nível de
produtividade ou reclamações de ordem política ou moral
(feitas por alunos) são registradas e acompanhadas, o que
101
Ofício nº 5, Gb/69
72
73
compromete seu exercício profissional e pessoal.
De maneira correlata, ocorre também um "fechamento"
do território acadêmico para qualquer influência "nociva" que
inclui a contratação de docentes "suspeitos", o retorno de
alunos punidos com o decreto lei nº 477, a circulação de
publicações, manifestos, correspondências e informações de
outras universidades, ou a realização de Encontros de Área que
desde 1970 são acompanhados, gerenciados e muitas vezes
proibidos (em especial, a partir de 1974) pelo MEC. Em um
documento do Ministro Jarbas Passarinho: "Reconheço a
delicadeza do assunto, dado que não pretendemos impor
silêncio aos estudantes, mas é preciso notar que, à falta de
motivação para o movimento de massa, as esquerdas
pretendem, através da atuação aparentemente irrepreensível,
dos Diretórios Acadêmicos, chegar às reuniões de ambito
nacional onde, a par dos assuntos estritamente estudantis, se
desenvolver a articulação de novas lideranças voltadas para a
subversão. Natural é que essa manobra cause apreensões e
vital é, para nós, que os propósitos esquerdistas sejam
firmemente neutralizados “102
A preocupação administrativa com o teor e
popularidade das "atividades culturais" desenvolvida pelos
estudantes é exclarecedora destes critérios restritivos com que
se trata o espaço acadêmico. Neste caso, a instauração da "Lei
da Imprensa" em meados da década dá lugar à implantação da
censura prévia (realizada diretamente pela polícia federal)
sobre a produção cultural estudantil, ocasião em que os
contingentes policiais passam a frequentar os campus
universitários em concomitância à ação dos órgãos de
repressão e administração acadêmica. Em documento circular
da Divisão de Segurança do MEC:
102
Aviso reservado nº873/73/MEC de 31 de Julho de 1973
"1. O movimento comunista internacional, conscio da
influência exercida através das diferentes formas de Arte,
de há muito vem recorrendo às manifestações artísticas
para continuar estendendo sobre o mundo sua ação
maléfica; 2) Ultimamente, no Brasil, vem alimentando o
Movimento Estudantil,
de cujos objetivos podemos
destacar, entre outros, a utilização de todos os meios de
expressão artística, para aliciar os estudantes incautos a
favor da subversão organizada. Constitui uma das etapas
iniciais de "catequização" marxista da classe estudantil.
Vale-se do teatro, do cinema, da imprensa, da música, da
pintura e dos respectivos artistas (cine-clubes, grupos de
teatro, setores da imprensa, shows de artistas,etc); 3)
Convém salientar que nem todas as manifestações
artísticas, na área dos estudantes, está configurada nesses
termos ideológicos. Entretanto, é certo que muitos
incidentes de ordem artística (ou 'cultural', na expressão
comum dos interessados) obedecem a um planejamento
comunista, muito embora as aparencias pareçam
inofensivas, ou louváveis. Em 1971, 1972 e 1973,
ocorreram diversas concretizações do esquema comunista,
referido no item 2 acima, em algumas Universidades
brasileiras. Geralmente foram resultados da iniciativa de
diretórios ou "entidades" estudantis ilegais. Costumam
justificar-se sob a capa de 'atividades culturais'. Houve
casos, inclusive, em que a renda arrecadada nos
espetáculos públicos era destinada a organizações
subversivas. Como exemplo de artistas a serviço da
subversão na área estudantil, de uma forma ou de outra,
citamos, entre outros, Chico Buarque de Holanda, Nara
Leão, Luiz Gonzaga Júnior, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Chico Buarque, em 1972, realizou mais de cem
apresentações para público universitário"103
O "fechamento" universitário para tudo o que se
103
Informação Circular 01/74, aesi/ufpb, 11/2/74
74
considere "subversivo", incluindo aqui a circulação de jornais
"clandestinos" como, por exemplo, o "Gol a Gol" do DCE da
UFMG, a realização de atos de solidariedade na ocasião das
greves (como na ECA e UFBa, em 1975), ou mesmo a presença
do "Dicionário de Ouro" da Revista Coquetel de palavras
cruzadas (por conter palavras impróprias); estabelece um clima
de revolta e de tensão que se marca por toda sorte de
repreensões, punições, cerceamentos e contrangimentos,
inclusive de brigas e perseguições internas entre docentes e
alunos que se valem muitas vezes da presença destes
mecanismos para coibir a ação dos seus "inimigos".
Este mesmo clima de tensão contribui para alargar a
dinâmica competitiva e coercitiva originalmente colocada pela
reforma tecnocrática, abrindo condições efetivas para o
estabelecimento dos fundamentos produtivistas e empresariais
de conhecimento e técnica, ensino e pesquisa.
75
participativas estudantis. Por mais que se pretenda a presença
de estudantes nos fóruns de poder das faculdades e
universidades privadas (em constituição) o lugar é restrito e
condicional
Com uma reforma institucional colocada em tais termos,
passa-se então a ferir princípios essenciais à vida acadêmica
como a troca de informações, o acesso às diferentes esferas de
conhecimento e a liberdade do aprender, aspectos que se
traduzem na criação de cursos seriados sem condição de livreopção, restritos à formação profissional e desprovida de
qualquer atividade de pesquisa - em especial nos Institutos
Isolados e escolas privadas em proliferação. Este é o tempo,
segundo Reginaldo Prandi, no qual:
"A nova Universidade para o novo capital começa a
produzir gerações e gerações de novos profissionais; uma
mercadoria desvalorizada por ser produzida a custos mais
baixos, custos esses rebaixados pela apropriação do ensino
pela empresa capitalista que retira da Universidade a
dispendiosa prática da pesquisa prática e aplicada; uma
mercadoria tão abundante que a oferta suplanta a
procura. A desqualificação profissional - cujo nível
rebaixado não representa nenhum obstáculo para o
capitalismo imperialista - e as leis do mercado
serenamente se integram" 104
O DESAFIO DE SER ESTUDANTE: AS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS
DE UMA TRANSFORMAÇÃO ESTRUTURAL
Através de uma estrutura administrativa "reinventada"
e incorporada à dinâmica de poder cujo corpo principal está
deslocado do mesmo espaço acadêmico (as Reitorias são
controladas pelo MEC e pela presidência da República) torna-se
posssível uma interferência mais direta dos grupos econômico
(associados ao regime militar) à reforma das instituições
públicas. No caso das faculdades e universidades privadas, as
orientações tecnocráticas são incorporadas desde sua origem
ao processo de constituição das unidades, dando lugar à
formação de uma estrutura avessa às perspectivas críticas e
Os estudantes, por sua vez, devem enfrentar neste
contexto os conflitos e as contradições de uma década na qual
ingressar em uma Universidade (pública ou privada) já não
garante uma melhor inserção e qualificação profissional, mas
pelo contrário, configura um processo de proletarização social
no qual a questão da qualidade formativa se transforma em um
objeto central de luta política. A "desconfiança" que os
104
Reginaldo Prandi. Os Favoritos Degradados. Op. Cit., p74
76
estudantes apresentam com relação ao significado real dos
discursos oficiais sobre a qualificação técnica, diversificação e
ampliação das perspectivas profissional oferecidas por esta
"nova" universidade, ao longo de toda a década de 70, pode ser
confirmada já no final da década de 70, quando Reginaldo
Prandi observa a situação que os formandos enfrentam ao
tentar penetrar em um mercado de trabalho saturado (em
diversos setores) de profissionais de 3º grau dotados de um
baixo nível de remuneração e qualificação. Segundo o autor:
"Já são figuras correntes do anedotário estudantil o
taxista-historiador, a telefonista-psicóloga, o garçonarquiteto, o vendedor-economista, o berman-médico etc.
Se casos com estas personagens são contados com certo
humor e irreverência, não deixa de ser verdadeiro,
entretanto, que o fantasma do desemprego ou da
ocupação estranha à formação universitária já corrói a
anteriormente sólida base dos projetos de vida individuais
e familiares das classes médias urbanas órfãs do "milagre
brasileiro"105
Mas reagir a esta estrutura de ensino não é uma tarefa
simples na medida em que a proliferação de faculdades
privadas de baixos custos encontra uma certa legitimidade
social ao possibilitar a entrada, pela primeira vez, de um
contingente de trabalhadores que buscam no ensino superior
uma melhor oportunidade de qualificação profissional, ainda
que limitada pela lógica do mercado de trabalho em expansão.
E neste caso, o espaço da Universidade, até então congregador
e articulador de lutas políticas que associam a produção do
conhecimento ao processo mais abrangente de democratização
social, começa a se fragmentar para compôr estruturas
105
Idem Ibidem, p. 15
77
isoladas, autoritárias e despolitizadas de educação que
dificultam, efetivamente, os percursos mais profundos de
democratização das relações de ensino e a construção de
"alternativas" formativas.
Por outro lado, esta fragmentação não impede a
emergência de conflitos e de processos de resistência que
procuram restabelecer na vida acadêmica outros propósitos, de
forma que as maiores reações de descontentamento e
rearticulação política se dão em torno da problemática
formativa e dos limites que a reforma impõe à inserção
profissional e social dos estudantes - transformados em
"estudantes-trabalhadores". Com a crise do "milagre
econômico", por sua vez, a situação se agrava e as reações
adquirem maior intensidade e vigor conforme podemos
acompanhar pelas inúmeras movimentações que ocorrem (em
especial, nas universidades públicas) em relação aos cortes de
verba, sucateamento da infra-estrutura, imposição do caráter
autoritário e técnico de ensino, reprovações em massa e
intensificação dos critérios de jubilamento. Nas faculdades
privadas, são as mensalidades e a baixa qualidade do ensino
que motivam os maiores processos de luta política.
Pouco a pouco, as reivindicações estudantis conhecidas
como "lutas específicas" estabelecem as bases de um
movimento de forte legitimidade, e mais do que isso, permitem
a gestação de novas forma organizativas fundamentais à
recomposição de uma perspectiva coletiva de intervenção nos
desígnios da Universidade em reforma. Estas possibilidades de
"reconstrução" institucional, por sua vez, se originam da
associação de atividades políticas e culturais que visam a
construção de uma perspectiva "alternativa" de formação,
trabalho e vida no espaço da própria Universidade. No entanto,
na medida em que os estudantes perdem o lugar e o papel
78
representativo nas estruturas de poder da Universidade e se
vêem obrigados a defender um lugar social através da luta pela
qualificação profissional, o movimento ganha uma fisionomia
mais efêmera, fragmentária e variada. No mesmo sentido, as
movimentações são forçadas a criar, em um misto de temor e
fragilidade, as suas novas condições de luta política.
A trajetória dos diretórios acadêmicos pode ser tomada,
neste caso, como referência do processo maior de
transformação institucional do movimento nos anos 70 já que,
por seu intermédio, podemos observar a alteração significativa
dos propósitos e das estruturas políticas que se encontram
presentes. Na prática, os diretórios retornam à vida política na
medida em que são transformados em espaços agregadores de
diferenças, em instrumentos coletivos de articulação das
diferentes motivações e conflitos existentes no espaço
acadêmico. E neste caso, o diretório acadêmico ocupa um lugar
importante por que permite a elaboração de um corpo mais
articulado de leituras e de experiências capazes de promover,
inclusive, um "alargamento" de práticas políticas gestado a
partir da "negação" desta lógica produtivista, burocrática e
autoritária de Universidade.
Por outro lado, este percurso de rearticulações é
conflituoso e caracterizado pelas revisões, disputas e lutas por
hegemonia em meio ao qual a perspectiva de "recriação" das
entidades consiste em apenas uma das formas organizativas de
movimento que se apresentam neste contexto, sendo preciso
considerar que não apenas as entidades, mas outras
experiências políticas e culturais estudantis, ocupam também o
espaço da Universidade nos anos 70 e participam deste
processo de reconstrução política.
79
A QUESTÃO POLÍTICA DA QUALIDADE DO ENSINO
"Após um ano de "Universidade" já se pode ver mais
claramente a mentira que é essa instituição que
julgávamos ser o eldorado, o ambiente adulto, culto e até
mesmo inteligente. Não sei onde está mais impregnado o
mal universitário, se no meio estudantil ou se nos órgãos
de direção. Se por um lado a gente vê uma
Superintendência Acadêmica a adotar um regime de muita
ordem e pouco progresso, trancada dentro de si, vemos por
outro lado uma total alienação da maioria dos estudantes
que estão muito mais preocupados em fazer um maior
número de créditos e receber o diploma que lhe garante
uma situação sócio-econômica do que pelo menos se
interessar em saber o significado de cada disciplina de seu
curso e a importância de sua carreira na vida sócioprofissional"106
Nós podemos acompanhar a recomposição das
movimentações estudantis observando mais de perto a
implantação da reforma em uma Universidade específica como
no caso da Universidade Federal da Bahia, uma das mais
tradicionais e talvez por isso, uma das mais resistentes aos
percursos de mudança. A situação vivida no interior desta
Universidade no início dos anos 70 esclarece aspectos
importantes da relação que se estabelece entre a "vivência"
dos problemas (a partir das situações provocadas pela reforma)
e a reestrututração propriamente política do movimento.
Segundo o Jornal do Conselho, criado por estudantes de
diversas entidades da UFBa em 1972:
"A UFBa está decadente, o nível de ensino piora dia a dia
(..) Neste ano o problema continua e se torna gravíssimo.
106
Jornal “Informe-se” do DA de Administração da UFBa, abril de 1972
80
Agora o calouro e o "excedente interno" são jogados numa
competição desigual que sobretudo os divide e correm o
risco de serem postos para fora da Universidade, se não
forem classificados. Portanto, a luta continua. As
experiências que tivemos em 71 serão úteis agora. Além
disso, já existe um esforço conjunto dos DAs no sentido de
colocar a reforma universit´ria e mais especificamente do
calouro como a principal preocupação do DCE que se
reestrutura"107
O processo de reforma têm início com a aplicação do
decreto federal nos primeiros momentos da nova década, de
maneira concomitante com a redução das verbas para a
Educação (que alcança o índice de 5,8% do orçamento)108. A
implantação dos departamentos (iniciada com o decreto lei
nº252 de 28/2/67) é agora complementada pelo
estabelecimento de uma nova dinâmica de funcionamento
acadêmico que administra de forma "racionalizada" a
distribuição das vagas, matriculando os alunos em disciplinas e
cursos disponíveis (não necessariamente os escolhidos) através
do "Ciclo Básico". Por esta via, um maior contingente de alunos
é aceito na Universidade (sem aumento de vagas) para
"disputar" internamente o seu acesso ao curso em uma
dinâmica limitada pelas regras produtivas e pelos prazos
apertados de cumprimento das disciplinas. A repetição
inevitável de muitos alunos cria os "excedentes" internos
expostos agora aos critérios de jubilamento, de forma que a
cada ano um número considerável de estudantes perde a vaga.
A dinâmica é progressiva: aumentam-se os alunos,
intensifica-se a competitividade, aumenta-se o número de
reprovados (excedentes) e em seguida, de jubilados; um
107Jornal
108
do Conselho, UFBa, 1972
Boletim do DEA (DA de Arquitetura) da UFBa, 1972
81
processo tenso que motiva a administração a recriar (ou
ajustar) cotidianamente os seus instrumentos de controle de
produtividade, como a deliberação pela Câmara de Graduação
da UFBa pelo fim da repetição no ciclo básico, afunilando ainda
mais a competição entre calouros e "excedentes" além do
aumento dos jubilamentos.
Esta dinâmica funcional é também agravada pelas
carências infra-estruturais e pelas falhas administrativas que
dificultam o desenvolvimento dos estudos e reduzem as
chances de permanência dos estudantes na Universidade.
Neste caso, o despreparo de aulas práticas, a falta de
equipamentos, a ausência de critérios uniformes de avaliação,
os desacertos entre exigências pedagógicas e carências infraestruturais aumentam de forma imediata as chances de
repetência e jubilamento; ou ainda, os cortes progressivos de
verba pública que reduzem os subsídios de alimentação,
transporte e moradia impõem a restrição definitiva de
estudantes de menor poder aquisitivo, obrigados a buscar
trabalho. De forma complementar, o clima de competitividade
que se instaura pela carência de vagas é ampliado pela urgência
do cumprimento das disciplinas "disponíveis" (em respeito aos
prazos apertados de conclusão do curso) o que torna a
permanência no espaço acadêmico (particularmente, na
Universidade pública) uma tarefa ainda mais árdua do que a
conquista propriamente dita de uma vaga de acesso.
O estudante é compreendido pela administração como
um indivíduo "em especialização" que deve cumprir as
obrigações de estudo conforme o sistema de créditos e
matérias que "quantifica" o seu conhecimento e
aproveitamento (dentro de uma relação custo/benefício),
permitindo-lhe ou não permanecer nos quadros produtivos da
Universidade. Em contraposição, o que podemos observar é a
82
formação de um conjunto diversificado de movimentações que
paulatinamente passa a demarcar um terrítório de lutas
políticas acadêmicas.
De forma progressiva, têm início movimentos coletivos
por alteração currícular, por subsídios de alimentação,
transporte e moradia, de repúdio e resistência à privatização do
ensino e imposição do caráter técnico aos estudos diante dos
quais a administração universitária se vê obrigada a lidar com
reações e proposições que de fao promovem a construção de
"alternativas" formativas, ou ainda, a reconstituição de
experiências e estruturas políticas, ora mais articulada, ora
mais centralizadas eminentemente estudantis. A trajetória
institucional dos diretórios é elucidativa deste percurso de
reações e recomposições, sendo que muitas das agremiações
do período pós-68 não chegam a ser fechadas, procurando-se
interferir desde os primeiros momentos da década de 70 nas
estruturas de gestão acadêmica109.
De fato, a necessidade de integrar o campo das decisões
políticas da Universidade motiva muitos estudantes a participar
109
Segundo o artigo "Retrospectiva" do Jornal do Conselho, da UFBa de 1972: "A
implantação da reforma da UFBa serviu para mostrar que ela não veio para atender
aos nossos interesses culturais e profissionais, além de não atender aos nossos
interessses e de não desenvolver uma mentalidade científica, não se adapta a nossa
realidade educacionl. No ano passado, devido a esta situação geral, os calouros por
mais de uma vez levaram seus problemas às autoridades universitárias pelas mais
diversas formas desde amplas discussões em assembléias, até em memoriais levados
diretamente ao reitor pelos conselhos de representatnte de calouros, contendo
diversas reivindicações, das mais imediatas como a unificação dos programas e
critérios de avaliação das matérias nucleares, às mais sérias: anulação da seleção
específica e aumento de vagas nos cursos mais procurados. Os DAs também usaram
forma semelhante numa tentativa de abrir a discussão sobre os problemas
existentes dentro da UFBa, e que se refletiam em cada escola (..) A resposta aos
memoriais foi um taxativo não dado através da imprensa. Foram tentadas outras
maneiras de encontrar solução para a situação que se agrava (..) Ficou provado que
os únicos interessados e capazes de resolver nossos problemas somos nós mesmos"
83
dos órgãos de direção desta instituição por meio da
recomposição de estruturas representativas proibidas, mas
antes tudo, da superação do isolamento imposto aos
"representantes discentes" - que se vêem forçados a ocupar
espaços possíveis em busca de conhecer a reforma acadêmica condição preliminar para se fazer "reconhecer" como
instrumento coletivo de participação. Por outro lado, o
movimento estudantil não se restringe a este posicionamento,
havendo grupos políticos que se posicionam contra esta
participação nos órgãos de gestão110.
O ressurgimento dos diretórios, por outro lado, partilha
espaço com a constituição de outras formas de ação política e
cultural no espaço acadêmico, o que significa dizer que o
diretório ganha vitalidade e dinâmica na medida que se articula
com discussões e experimentações mais abrangentes,
transformando-se em um espaço mais aberto e comprometido
com a criação de um "ambiente estudantil" alternativo de
mobilizações e renovações.
Nos anos 70, portanto, o diretório se recompõe como
instrumento político na medida em que promove um
relacionamento dinâmico e "alternativo" entre os estudantes, a
administração e as atividades docentes, procurando
transportar para dentro deste espaço agremiativo (tantas vezes
simbólico, pela ausência de estrutura) a constituição de uma
outra vida acadêmica - que mistura jogos de ping pong, grupos
de teatro, bandas musicais, jornais e experiências de autogestão nas cantinas com a construção propriamente dita de
novos currículos, atividades extra-acadêmicas e fóruns de
discussão e deliberação política 111.
110
Como os grupos trotskistas, conforme veremos adiante.
Na retomada de certas atividades recreativas e culturais no interior do diretório,
econtramos a presença de tendências políticas ligadas ao PCB que as entendem
111
84
O espaço da "entidade" renasce como um lugar de
"articulação" de perspectivas "alternativas" de vivência
acadêmica a partir do qual o desempenho do papel de
"representação", propriamente dito, se justifica pela
necessidade de enfrentar a estrutura burocrática e autoritária
de gestão acadêmica. A criação de "entidades" estudantis com
estes propósitos, vai além da sua oficialização ou do papel de
agregação de representantes permitidos para se afirmar como
partilha de uma vida acadêmica dotada de mecanismos
próprios de intervenção formativa e social e que rejeita a
burocratização das relações coletivas.
Na verdade, a dinâmica da vida acadêmica ainda se
encontra dotada de uma vitalidade cultural e política
surpreendente, mesmo com todo o pêso da administração
autoritária, e esta qualidade torna possível o desenvolvimento
neste espaço de muitas atividades culturais "alternativas" na
forma de grupos de teatro, grupos literários, experiências
jornalísticas, cine-clubes, corais, grupos de estudos - que muitas
vezes "passam ao largo" dos diretórios na busca de se criar
novas possibilidades de estudo, troca de referências e
realizações artísticas. A reestruturação do movimento
estudantil nos anos 70, neste sentido, se acha marcada por este
caráter mais variado de propósitos cujo perfil se caracteriza
pela construção de mecanismos não burocráticos e não
autoritários de participação e gestão coletiva.
como elemento tático de aproximação dos estudantes do diretório.
85
A REAÇÃO À PERDA DA CONDIÇÃO DE "ESTUDANTE" COMO
ELEMENTO REARTICULADOR DE UMA IDENTIDADE POLÍTICA
De qualquer forma, a situação é grave e tensa, e a perda
de direitos tradicionais como a gratuidade, a assistência em
restaurantes, transporte e moradia ou o trato mais livre e
politizado do espaço acadêmico (com reflexos importantes
sobre a produção do conhecimento) configura, de fato, uma
"crise" do modelo de Universidade pública de até então,
trazendo sérios desdobramentos para as perspectivas
profissionais e políticas dos estudantes no percurso de sua
formação. A presença de mecanismos repressivos dentro e fora
da Universidade constrange o desenvolvimento de discussões e
movimentações mais abertas, ainda que estes mecanismos não
consigam impedir que no curso do tempo ganhassem forma
Antes de tudo, a preocupação dos estudantes em
permanecer na Universidade impõe como tarefa urgente o
conhecer a reforma, necessidade que motiva um duplo
movimento de "resistir" e "reconhecer", de "rejeitar" e
"entender o que e o por que", com desdobramentos diretos
sobre o aprimoramento das leituras (que aprendem com as
experiências) e das práticas (que aprendem com as leituras).
Segundo o Boletim 2 do DEA (DA de Arquitetura) da UFBa: "o
caso é que cada dia surge uma nova interpretação da legislação
da Universidade. Sem que nem mesmo os professores saibam
(quanto mais nós) elas surgem e são aplicadas arbitrariamente.
E um fato interessante, normalmente com prejuízo para nós,
alunos".
A organização dos "Encontros de Área" desde os
primeiros momentos da nova década registra a qualidade deste
percurso político que confere a fóruns coletivos (compostos
86
pelos diretórios sobreviventes e reestruturados) o papel
fundamental de recolher informações, discutir, trocar
experiências de resistência e promover articulações mais
amplas entre os cursos acerca das condições e dos problemas
específicos que cada área de ensino enfrenta - em especial,
com relação à formação e inserção profissional. Através destes
encontros, os estudantes conseguem ter uma maior visibilidade
da reforma além de obter orientações políticas a partir das
experiências vividas no cotidiano de cada faculdade e
Universidade específica. Este procedimento de articulação
política, por sua vez, vai se somar a um percurso semelhante a
ocorrer no interior de cada Universidade levado pela
associação de diretórios de faculdades diferentes que também
pretendem construir um movimento de perfil reivindicativo
específico. Neste caso, apesar do clima de constrangimento,
ganha lugar um percurso original de organização e articulação
política fundamentado no reconhecimento e na resistência à
reforma tecnocrática. Em documento do DCE da UFBa, de 1973,
podemos ler:
"as experiências vividas no ano passado, principalmente
com a luta do ciclo básico, nos ensinou a buscar sempre,
através de uma análise geral da situação do país, as
verdadeiras causas dos problemas que enfrentamos,
mesmo que estes se apresentem, aparentemente isolados
de todo um contexto. Somente assim veremos que a
redução de vagas não é um fato tão ocasional como possa
parecer".
A possibilidade de produzir outras leituras e respostas
práticas (de maneira concomitante) às diretrizes excludentes
do regime militar e da reforma do ensino têm parte do seu
sucesso baseado na dinâmica rápida de circulação das
informações, assim como na criação de novas linguagens
87
participativas nos diretórios que associam às mesmas
avaliações e diagnósticos uma dinâmica democrática de trocas
de informações, experiências e procedimentos fundamentais à
"reconstrução" coletiva do movimento. Através desta dinâmica
participativa, as movimentações mais pontuais ganham
articulação e passam a se integrar em projetos mais amplos
como de defesa da Universidade pública, o que torna possível
em poucos anos a gestação de um certo "contra-discurso" da
reforma capaz de, em vários aspectos, ensaiar uma avaliação
mais crítica da natureza do Estado autoritário, além de
promover movimentações significativas em prol da
democratização da sociedade.
Os documentos produzidos nos Encontros de Área dos
primeiros anos da década já identificam com precisão as
diretrizes de caráter empresarial e tecnocrático que se acham
presentes na reforma do ensino, e mais do que isso, visualizam
de maneira crítica o significado político do discurso "técnico"
utilizado pelo Governo Militar no momento em que procura
promover transformações econômicas e sociais mais
profundas. Em diversos relatórios, podemos acompanhar a
constatação da ausência da pesquisa e da produção do
conhecimento nos currículos de graduação (dos mais diferentes
cursos) como um aspecto crucial desta reforma
"desqualificadora" e despolitizadora dos percursos formativos,
assim como acompanhar uma avaliação crítica do problema de
vagas, do financiamento e gestão administrativa dos cursos - o
que nos permite considerar que muitos dos conflitos estudantis
que se instauram nos primeiros anos da década nascem de uma
percepção profunda das mudanças acadêmicas em curso. No
Relatório do Iº Encontro Nacional de Estudantes de Economia,
realizado em Salvador em 1972, encontramos as seguintes
afirmações:
88
89
secundário e reafirmada na Universidade”
"Podemos verificar que a nova estrutura proposta está em
nítida correspondência com as necessidades geradas pelas
modificações havidas na estrutura sócio-econômica do
país. A nova estrutura universitária sugere maior nº de
vagas, menores custos por capital, maior produtividade no
sistema de graduação e também sugere pontos
extremamente negativos e perigosos para o
desenvolvimento da nossa Universidade (..) A R.U, ao
orientar-se para um determinado tipo de ensino
universitário demonstra claramente o interêsse de formar
profissionais que atendam às necessidades do modelo de
desenvolvimento econômico adotado. Por outro lado
demonstra também uma decisão de não possibilitar a
formação de um espírito crítico e inovador, que pudesse
promover i investigações científicas. De fato há uma
tendência acentuada em transformar a Universidade em
empresa a partir do momento em que ela se preocupa em
formar seus alunos mais rapidamente a custos mais baixos,
características essencialmente comercial ou empresarial" 112
Também no "relatório Final" do Iº Encontro Nacional de
Estudantes de Administração, de 1974, encontramos as
seguintes colocações:
"Temos hoje uma Universidade que, engajada em uma
política imediatista para formar profissionais, a curto
prazo, para o mercado renega o incentivo à pesquisa e ao
desenvolvimento crítico da realidade que representa,
baseando-se em modelos estruturais prontos e importados
para o seu funcionamento (..) Altamente influenciados pelo
enfoque da Administração Clássica (Taylor, Fayol, etc) que
enfatiza o lucro econômico e desconsidera a relação da
organização com o meio ambiente, os currículos de
Administração apresentam-se alheios à realidade social (..)
Empregando uma metodologia desatualizada comaulas
teórico-expositivas, afastadas da realidade brasileira,
apegados à história da Administração, desmotivados pelo
baixo nível salarial, os professores tem revelado uma falta
de consciência de seu papel de comunicar conhecimentos
que permitam ao estudante ter uma visão crítica da
sociedade e das organizações"114
Podemos ler no documento intitulado "Conclusão" do Iº
Seminário Nacional de Engenharia, de 1973:
Um estudo dos currículos da área tecnológica revela a
existência de disciplinas voltadas unica e diretamente para
o atendimento das necessidades técnicas do ciclo
profissional. Na verdade a expressão é exatamente esta:
"disciplinas voltadas para', o que não significa que
realmente elas cumpram essa tarefa. Ou seja, uma parte
do principal objetivo, 'dar ao estudante uma visão
humanista', fica inteiramente anulada pela rigidez dos
curriculos e pela concentração quase exclusiva, em
disciplinas técnicas. E a visão científica? Na verdade o que
existe é uma 'visão' técnica, adquirida durante o primário,
112Iº
Encontro Nacional de Estudantes de Economia. Salvador, 23 a 28 de Outubro de
1972. Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBa, pp.6/8
113
Ou ainda, no documento "Conclusão" do Encontro dos
Estudantes de Física, realizado em 1975:
"..a política educacional visa, sobretudo, favorecer os
interesses do capitalismo, atendendo às exigências do
mercado de trabalho e enquadrar a educação dentro dos
novos critérios de segurança nacional. É a partir deste
contexto, que se pode cmpreender as novas diretrizes da
113
Iº Seminário Nacional de Engenharia. Conclusão. São Paulo, novembro de 1973,
promoção dos CAs de Engenharia de São Paulo, p3
114Iº Encontro Nacional de Estudantes de Administração. Salcador, 27/10 a 01/11/74.
Relatório Final. Promoção: Diretório Acadêmico da Escola de Administração da UFBa,
p.3/9
90
91
política educacional: a conceituação da universidade como
empresa, a valorização da iniciativa privada nos setores
ligados ao ensino, com a consequente desvalorização da
função educativa do Estado, a substituição do ideais da
gratuidade do ensino superior pelo da lucratividade, a
ênfase dada à formação tecnológica em detrimento da
humanística, a subordinação dos ideais de liberdade de
expressão e de cátedra ao novo ideal de segurança
nacional” 115
Nos documentos dos Encontros de Área encontramos
também, de maneira generalizada, considerações sobre o papel
que a administração possui - e exerce - no curso da
implantação e cumprimento das diretrizes tecnocráticas; seu
papel político entre as instâncias de poder acadêmico e a
importância que têm como elemento "desmobilizador" das
ações estudantis. Segundo o relatório do Iº Encontro Nacional
de Estudantes de Economia (1972):
"Por volta de 67 o Ministério da Educação e cultura
encomendou vários estudos sôbre a Universidade, dos
quais se destaca o célebre relatório ATCON, que pode ser
considerado o documento que dá "As luzes" para a
concepção geral da R.U. que vem sendo implantada. O Sr.
Atcon (pedagogo norte americano) partindo da premissa
do grande aumento das vagas na Universidade, chega à
conclusão que deve-se encontrar uma estrutura
universitária que proporcione: - Abaixar os custos por aluno
na Universidade, seja por aproveitamento da capacidade
ociosa, seja pela utilização mais eficaz dos recursos
existentes, - Uma maior flexibilidade que facilite a
integração das grandes áreas de conhecimento necessários
ao estudante moderno (departamentalização, unidades
profissionais e não profissionais, institutos centrais, etc.)
(..)Parece-nos que as adaptações feitas e já previstas pelo
115
Encontro dos Estudantes de Física. Conclusão. Belo Horizonte, julho de 1975, p.5
Sr. Atcon em seu relatório, não vieram retirar da R.U. o sêlo
de sua concepção original. Ocorre, entretanto, que o nível
administrativo ao lado da estrutura formal estabelecida
em regimentos e estatutos, coexiste uma estrutura
informal que verdadeiramente opera. esta estrutura
informal, construida expontâneamente (sic) da luta da
nova e antiga estruturas, assume características distintas
de acôrdo com as circustâncias e correlação de fôrças em
cada unidade. Em algumas, a direção da escola combina
com os antigos prerrogativos inexistindo praticamente o
colegiado de curso, noutras o colegiado de curso é ativo
mas os departamentos não desempenham as suas funções,
noutras ainda as secretarias da escola combinam em
ampla atividade permanecendo assim como as verdadeiras
secretarias de curso"116
Os departamentos, definidos como unidade de
"administração" da Universidade, integram, no olhar estudantil,
as bases de uma estrutura centralizada de poder que consegue
com frequência pulverizar as pressões nas unidades através da
proliferação de comissões e conselhos de poder restrito. Os
docentes "alocados" nestes departamentos (em geral como
"horistas") têm muitas vezes participação e interferência
limitada, o que indica que são as deliberações funcionais (e
políticas) da administração que determinam a dinâmica do
universo pedagógico, a cessão e uso dos espaços, a circulação
das informações e acima de tudo, as deliberações internas dos
cursos. No documento "1º S.N.E: Contribuição do Grêmio
Polítécnico" (1973), encontramos as teses deste diretório para
o Iº Seminário Nacional de Engenharia, entre as quais podemos
destacar a seguinte passagem:
Hoje em dia torna-se cada vez mais comum o fato de
decisões que nos afetamenquanto estudantes, cidadãos ou
116Iº
Encontro Nacional de Estudantes de Economia. Op. Cit. p5/9
92
maioria da população, serem tomadas sem que sejamos
chamados a participar. Enquanto estudantes essas
decisões são tomadas em vários níveis, sem que sejamos
ouvidos. Ao nível da política educacional do governo, por
exemplo, a Reforma Universitária, já elaborada sem
participação alguma de estudantes e da maioria dos
professores, vem sendo implantada no mesmo estilo
autoritário. Por um lado esta Reforma influi na nossa
formação profissional através da filosofia que orienta,
voltada, no dizer das próprias autoridades de ensino, às
necessidades imediatas das empresas. Por outro lado, a
aplicação da reforma de cima para baixo, com
desconhecimento de toda uma realidade, trouxe-nos uma
série de problemas ainda não resolvidos, tipo pré-requisito,
curso semestral, sistema de créditos, etc.(..) Mesmo ao
nível Universidade e das Escolas são tomadas uma série de
decisões das quais estamos também marginalizados. A
determinação dos currículos, a fixação de critérios de
aprovação, métodos de aula, etc., ou mesmo a escolha dos
dirigentes universitários, bastante elitizada, carecem de
uma participação estudantil “ 117
Segundo o Encontro dos Estudantes de Física (1975):
"..o poder decisório dos estudantes é quase nulo. Uma
participação que não permite a discussão ampla e livre até
as últimas consequências, das causas mais profundas dos
problemas que vivemos contribui nõ para a sua real
solução e sim para soluções imediatistas e reformistas, que
contribuem apenas para o aumento da eficiência do
sistema imposto"118
No entanto, o enfrentamento desta "burocracia"
acadêmica é difícil na medida em que o acesso aos fóruns e às
117
Iº S.N.E.: Contribuição do Grêmio Politécnico 1973. Grêmio Politécnico/USP, 1973,
p1
118Encontro dos Estudantes de Física. Op. Cit., p.13
93
suas deliberações é ínfimo, o que significa permanecer exposto
às regras e condições de vida acadêmica, determinados por
esta instância. A leitura crítica da reforma, neste caso, vai ser
interpretada como condição fundamental e preliminar à
articulação das respostas cotidianas e à acumulação de
soluções de enfrentamento das regras administrativas.
Podemos ler no Jornal do DAFA (DA Arquitetura) da UFRGS, de
1973, um relato dos resultados do II Encontro Nacional de
Escolas de Arquitetura (ENEA), realizado em 1972:
"Tendo sido constatada a falta de força representativa dos
estudantes, deve-se criar ou reforçar a representação
existente por meios legais, através de um trabalho que vise
despertar a tomada de consciência frente à real estrutura
da universidade brasileira. Dentro disto, é proposto: - um
conhecimento mais profundo por parte dos estudantes da
reforma universitária e suas manifestações. - tornar mais
ampla, ativa e direta a participação do aluno na condução
do curso, incrementando a representação nos órgãos
colegiados da escola. - promover a integração e a luta
comum das outras unidades pelos objetivos comuns. - criar
atividades ligadas a cineclubes, jornais, palestras, grupos
de estudo para a criação de um clima de trabalho e
estudo"
Esta deliberação pela constituição de grupos e
atividades de estudo acerca da Reforma da Universidade (e de
sua estrutura de implantação) é generalizada a partir de 1972
entre os diversos movimentos de área e se confunde, inclusive,
com a definição de procedimentos coletivos de
"enfrentamento" da mesma situação de exclusão política. Com
o passar dos anos, as estratégias de luta política conseguem
ampliar a participação e o envolvimento dos estudantes nos
fóruns consentidos e mais do que isso, a promover uma
radicalização dos conflitos a partir de questões corriqueiras
94
dando início a um processo mais intensivo de greves e de
manifestações coletivas. De forma complementar a confluência
e intensidade destas movimentações permite que os
estudantes passem a buscar apoio no espaço público em um
momento no qual as perspectivas trazidas pelas lideranças
organizadas já apontam para uma luta por transformações mais
profundas da sociedade e do Estado autoritário. A intensidade
destas dinâmicas, por sua vez, diferenciam as movimentações
da primeira e da segunda fase da década - sempre
fundamentadas nos conflitos acadêmicos e na busca de apoio
em defesa da Universidade.
Campus da USP em construção: prédios das faculdades de Física e Arquitetura nos
primeiros anos da década de 1970
A "RECONSTRUÇÃO" DO MOVIMENTO ESTUDANTIL
"Entre l970 e 1976, a UnB foi toda construída organizada e
institucionalizada; nesse período foram feitas mais de 75%
das construções; mais de 75% dos equipamentos e
materiais bibliográficos datam dessa mesma época em que
também se reconheceram todos os cursos e foram
contratados mais de 75% do pessoal hoje existente. Nesse
período a UnB não possuía diretório e não conheceu
nenhum problema discilplinar. A partir da data em que
95
teve de cria-lo, a UnB não conheceu mais tranquilidade. A
própria greve do ano passado foi coordenada pelo
Diretório”119
Se nós observarmos em termos mais abrangentes a
década de 70, poderemos detectar a presença de momentos e
projetos diferentes de articulação política a definir o percurso
mais amplo dos acontecimentos. Na prática, são propostas e
procedimentos organizativos distintos que imprimem uma
coloração especial às dinâmicas de transformação deste
percurso. Em termos mais abrangentes, podemos distinguir
duas fases diferentes de articulação marcadas ainda pela
existência de dimensões específicas de motivação que
frequentemente se associam e interferem na construção do
movimento. Entre 1970/1975, fase imediatamente posterior à
decretação da "insolvência" das estruturas institucionais
estudantis pela repressão generalizada às militâncias e
alteração profunda da dinâmica de funcionamento acadêmico,
vemos se desenvolver um conjunto de movimentações de
resistência que têm como ponto central de motivação e
articulação as condições de ensino. Neste momento, é o
enfrentamento de situações críticas relacionadas com a
qualidade formativa o que motiva uma recomposição política
através da articulação de atividades cotidianas - que inclue a
definição de estratégias de resistência e interferência junto à
estrutura de gestão da reforma tecnocrática. Os jornaizinhos,
folhetos e panfletos produzidos em grande quantidade pelos
diretórios desta fase trazem referências de diversas
mobilizações em várias universidades que nos permite,
inclusive, recompôr um quadro de acontecimentos e
119
José Carlos de Almeida Azevedo. “Escolas para Contestar” in A Defesa Nacional.
Revista de Assuntos Militares e Estudos de Problemas Brasileiros. Rio de Janeiro,
ano 65, nº 677, 1978, p42
96
articulações (ver cronologia em anexo). De forma semelhante,
os documentos recolhidos nos Encontros de Área nos permitem
detectar aspectos importantes que este movimento adquire a
partir da discussão da reforma universitária.
Entre 1975/80, por sua vez, as movimentações estudantis
ganham um outro perfil na medida em que se consolidam
fóruns de deliberação e organização mais centralizados e
fundamentados em bases político-representativas herdadas
(ainda proibidas). Neste período, então, a "reconstrução" das
instituições do movimento se traduz na recomposição de
estruturas hierárquicas que possue como espaço de
articulação os "DCEs livres", primeiro passo para a
reorganização das UEEs (a partir de 1977) e da UNE, em 1979.
Em ambos os períodos, as organizações clandestinas de
esquerda se encontram presentes e desempenham um papel
importante de recomposição política. Conforme procuraremos
observar, muitas organizações já possuem uma trajetória
anterior de lutas, embora neste período, sua herança política se
encontre em revisão120. De qualquer forma, desde o início da
década temos referências da atuação de militâncias
organizadas nos diretórios, sendo que a partir de 1973 já
identificamos a formação de "chapas" políticas em diversas
Universidades. Entre 73 e 75, ocorre a formação de
agrupamentos mais numerosos e dotados de uma perspectiva
mais abrangente de atuação organizada no movimento em
recomposição, o que possibilita, pouco a pouco, que as
militâncias deixem a clandestinidade para assumir um lugar
mais visível como "tendências" políticas (como a Refazendo, a
Caminhando, a Liberdade e Luta, entre outras na USP).
120Daniel
Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá (org). Imagens da Revolução:
Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 19611971. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, 1985, p.7/22; Daniel Aarão Reis Filho. A
97
Enquanto tendências políticas, por sua vez, as
organizações clandestinas vão estender e sobrepôr uma
atuação vanguardista à dinâmica mais elástica e coletiva das
agremiações e experimentações coletivas da primeira fase,
reorientando o exercício político do movimento segundo a
compreensão e dinâmica da relação vanguarda/massa vigente
entre estas mesmas organizações.
Na prática, o que ganha forma é uma atuação política
(re)orientada por níveis de "consciência política" e por
instâncias hierárquicas de "massas avançadas", direção de
tendências e vanguardas clandestinas, com profundas
repercussões sobre a dinâmica participativa do movimento
estudantil dos primeiros anos. Neste caso, o fortalecimento das
organizações clandestinas por meio da constituição de
tendências políticas - processo que se confunde com a
trajetória
mais
ampla
de
rearticulações
políticas
experimentadas pelo movimento nesta fase - é promotor da
"reconstrução" de agremiações e fóruns de caráter mais
centralizado e hierárquico de movimento (em especial, as
entidades gerais) no bojo das quais as tendências organizadas
procuram ocupar suas "direções" com a perspectiva de "dirigir"
e "canalizar" as motivações estudantis para projetos e
proposições que consideram urgentes e "consequentes".
Revolução Faltou ao Encontro: Os Comunistas no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990;
Marcelo Ridenti. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo, Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1993, p26/72, 256/276; Antonio Ozai da Silva.
História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas). São Paulo, Proposta
Editorial
98
Em sentido complementar, tanto os diretórios quanto
os fóruns mais amplos de movimento têm seus mecanismos
internos de gestão "verticalizados", dando lugar à
"reconstrução" de uma hierarquia de instâncias e entidades
que procura centralizar as deliberações coletivas. Trata-se, a
partir de então, de conferir ao movimento, diretrizes
centralizadas e "corretas" de luta política, em um contexto,
inclusive, de agravamento das condições de ensino (nas
universidades públicas e privadas) e de afloramento de uma
crise econômica responsável pela eclosão de greves e
manifestações de rua de outros setores sociais. Nestas duas
fases de reestruturação, por sua vez, encontramos dinâmicas
diferentes de discussão e articulação política. Na primeira fase,
os chamados "Movimentos de Área" assumem o papel mais
significativo, tendo suas bases estruturadas nos DAs e CAs de
um mesmo ramo profissional que anualmente se reúnem em
Congressos regionais e nacionais para criar e articular
procedimentos políticos com base em projetos específicos de
intervenção educacional. Por esta via, encontramos uma
perspectiva de articulação política que poderíamos considerar
como horizontal. Durante os encontros, os representantes
estudantis de diversas faculdades compõem comissões e
assembléias que se voltam a discutir e trocar experiências
relacionadas com a melhoria do ensino e das
condições/perspectivas de inserção profissional. Na finalização
de cada congresso, o conjunto das deliberações retorna às
Faculdades e passa a articular (e fortalecer) os mecanismos de
enfrentamento dos problemas acadêmicos. Em alguns casos,
estes fóruns dão origem à instituições civis de caráter nacional
como a FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia do
Brasil) e a DENEM (Diretório Nacional dos Estudantes de
Medicina); que procuram intervir nas condições de ensino e
99
inserção profissional destes setores.
Em sentido paralelo, temos a partir da segunda fase da
década a consolidação de um projeto verticalizado de
"reorganização" institucional do movimento que prevê a
reestruturação das entidades civis destruídas, as UEEs e a UNE.
Esta perspectiva vertical carrega como projeto a recomposição
de um movimento de bases político-representativas e dinâmica
partidária que confere às tendências um papel hegemônico de
organização política.
Por esta via, pretende-se resgatar o lugar de
intervenção social do movimento estudantil na sociedade mais
ampla a partir do que se promove a criação de novos fóruns e
instâncias de movimento: os Encontros Nacionais de
Estudantes (ENEs), os Conselhos de Entidades Gerais (CONEGs),
a Comissão Pró-UNE.
Estes processos de articulação política são
concomitantes e possuem como ponto de contato os próprios
diretórios acadêmicos que desempenham um papel
fundamental em ambos os processos - ainda que por caminhos
e perspectivas de luta política diferentes. Cada um destes
"caminhos" possui finalidades políticas próprias conforme
podemos observar junto ao projeto de "reorganização" vertical
das entidades que almeja a recomposição de uma estrutura de
direção para o movimento como um todo; distinto das
perspectiva dos Encontros por Área que visam a conquista de
uma articulação entre reivindicações específicas e imediatas,
circunscritas às problemáticas concretas dos ramos de ensino e
suas realidades profissionais.
100
A distinção destes percursos, aliás, é tão marcante que no
discurso político de algumas tendências chegamos a encontrar
a afirmação de que o movimento estudantil se encontra cindido
internamente em dois campos de luta: o de "lutas gerais" e de
"lutas específicas", situação que na ótica organizada, configura
uma dispersão e imaturidade política dos estudantes, ou ainda,
a rejeição - em nome de interesses "específicos" - do
cumprimento do papel histórico deste movimento.
De qualquer maneira, próximos ou não, a riqueza destes
percursos e de seus cruzamentos e associações é marcada por
uma surpreendente variedade de experiências e criações
coletivas na forma de greves, manifestações, passeatas,
assembléias, invasões, recomposição de entidades acadêmicas
e civis proibidas, entre outras, que no entanto, tende a perder
força na medida em que os elementos identitários deste
movimento se dispersam em meio ao fenômeno mais profundo
de transformação da Universidade, ou ainda, no bojo dos
conflitos internos que também se instauram entre estas
esferas. Neste caso, apesar da dinâmica e da qualidade destes
percursos em suas lutas e resistências, este momento é
marcado por uma fragilidade intrínseca relacionada
diretamente com a gravidade e profundidade das questões em
pauta.
A PRIMEIRA FASE DA DÉCADA: 1970/1975
Se nós observarmos com maior atenção a primeira fase
da década de 70 poderemos constatar que é nela que se
"ensaia" a construção de um contra-discurso da reforma da
Universidade e que por baixo do aparente contexto de "vazio"
101
político se esconde uma luta pela recriação da dinâmica
democrática do movimento estudantil fundamentada na
participação coletiva e na releitura crítica dos proceitos
burocráticos e autoritários de formação acadêmica pretendidos
pela Reforma da Universidade. Apesar de não se poder
encontrar neste período a emergência de mobilizações e de
processos de radicalização política do porte dos
acontecimentos de 64/68 ou 75/80, é neste momento que o
projeto de Universidade se torna mais uma vez objeto central
de um percurso crítico e coletivo de reflexões e
aprimoramentos.
Antes de mais nada, é preciso considerar o quanto o
Diretório Acadêmico volta a se constituir parte de uma
movimentação mais ampla de construção de "alternativas" de
vida acadêmica como um instrumento de participação
estudantil nos problemas e soluções da Universidade; ou ainda,
um espaço importante de luta pela permanência e
aprimoramento dos estudantes na Universidade. O diretório se
transforma em um mecanismo de acesso às informações da
reforma acadêmica e quando possível, em um instrumento de
participação que repudia esta "despolitização" do ensino em
nome da ditadura da "técnica". Conforme podemos observar
em um fragmento do Boletim do DEA (DA Arquitetura da UFBa)
de 1972:
"As experiências nos mostram que cada vez mais é preciso
que o estudante participe das decisões que são tomadas
para a sua formação. É preciso que se fortaleçam os
órgãos que podem levar, de uma maneira organizada,
nossas reivindicações. Problemas únicos que exigem
posições únicas. Os Diretórios estão encaminhando a
reestruturação do Diretório Central dos estudantes. Seus
estatutos já estão na Reitoria para ser aprovado. Temos
direito também a dois representantes no Conselho
102
Universitário - o que é um número pequeno diante da
grande população universitária que somos” 121
O resgate do ideal participativo, por si só, vem em
resposta aos mecanismos autoritários de gestão que imperam
neste espaço de ensino e na sociedade em termos mais amplos,
de forma que através dos diretórios procura-se reagir a
problemas concretos e graves como a carência dos materiais e
das verbas, ao controle do espaço e das informações ou a toda
sorte de dificuldades que compromete a permanência e o
futuro destes estudantes, dentro e fora do espaço acadêmico.
No Boletim 2 do DEA da UFBa de 1972 podemos ler:
"A Universidade têm leis muito drásticas para expulsão,
por irregularidade nas matrículas, que nós desconhecemos
totalmente. Mais uma vez se confirma: os alunos, os
principais interessados, são os últimos a saber das coisas
deliberadas nas instâncias superiores, no entanto, os
primeiros a sofrer as consequências das deliberações
tomadas sem a nossa participação"
Mas como recuperar uma dinâmica associativa em um
contexto tão constrangedor e competitivo? A revitalização
destes diretórios como instância coletiva começa exatamente
através da recomposição de um ambiente lúdico e alternativo
marcado pela organização de festas, pelo desenvolvimento de
atividades artísticas e pela articulação de grupos de estudos
sensíveis às questões colocadas no cotidiano das salas de aula.
O diretório, na verdade, ganha vida e significado na medida em
que se afasta do caráter meramente administrativo imposto
pela reforma para assumir um lugar de "entidade": um espaço
especial que com todas as carências e restrições se transforma,
121
Boletim do DEA, DA de Arquitetura da UFBa, setembro de 1972
103
pouco a pouco, em um ambiente coletivo, afirmador de ações
políticas e da necessidade de se enfrentar os problemas em
nome de se constituir perspectivas alternativas para esta
mesma vida acadêmica na Universidade. Podemos ler na carta
programa do DA do ICEX/UFMG:
"concebido como um meio de oferecer aos alunos a
possibilidade de escolherem e criarem livremente, fora dos
esquemas pré estabelecidos. Se alguns de vocês estão
lembrados, este era também o programa da diretoria
eleita em 72. A novidade reside no fato de acharmos que
não se pode oferecer como opção a um sistema pré
estabelecido um esquema pré estabelecido; mas sim uma
real possibilidade de trabalho livre o mais possível de
qualquer bitolamento. Esquecer que o DA faz e adotar : Os
alunos fazem"
No jornal Informe-se do DA de Administração da UFBa,
de 1972, encontramos um relatório de atividades da gestão
1971/1972 que exclarece o quanto o projeto de "reconstituir" o
diretório se associa com o esforço coletivo de remontar uma
condição de intervenção nos fóruns acadêmicos, ou ainda, de
criar uma perspectiva de vida cotidiana e de trabalho
contraposto à lógica de desqualificação e empobrecimento
imposta pelos percursos de formação. O relatório fala em
"administração coletiva" da cantina, na importância da sala de
pingue pongue, do jornalzinho, do mural e dos filmes que
levantar recursos próprios para a criação de um espaço comum
de vivência e de discussão política em prol da melhoria do
curso e da construção de mecanismos mais críticos de
interferência no mercado de trabalho. Entre as preocupações
deste relatório encontramos ainda uma discussão sobre a
"desumanização" do exercício profissional pretendido pela
lógica produtivista e autoritária do mundo acadêmico que os
104
leva a afirmar:
Assistimos à maior programação já vista, dos nosso
desejos, dos nossos costumes, do nosso pensamento"122
Neste caso, se para a administração acadêmica os
diretórios são componentes da sua estrutura funcional - como
uma agremiação de caráter associativo e recreativo regida por
normas estatutárias específicas e articulada à dinâmica
tecnocrática mais abrangente em implantação -; para os
estudantes, eles aparecem como um mecanismo de
"enfrentamento" desta mesma lógica administrativa, como um
mecanismo de associação de esforços cotidianos capaz de
intervir nos mecanismos de gestão, nas condições de estudo e
uso do espaço acadêmico. O diretório, portanto, se configura
como um instrumento político na medida em que se identifica
com os problemas efetivos da formação e inserção profissional
colocados no interior da Universidade, ou ainda, em que se
configura como um espaço de discussão crítica e luta política
pela sobrevivência "qualitativa" desta instituição, formação e
inserção dos estudantes na sociedade. A defesa de uma
dinâmica e significado representativo para o diretório, por sua
vez, vem como decorrência deste projeto maior de resgate das
condições de qualificação. No fragmento do Jornal do DEA"
(DA Arquitetura da UFBa) de l972, podemos ler:
"Quem é mais antigo nesta escola ainda deve estar
lembrado da matrícula de 71. pra poder resolver o mangue
generalizado, pela primeira vez em alguns anos, foram
eleitos representantes de turma. Foi como uma
consequência de todas essas coisas que ainda nesse ano
surgiu o diretório. Ano passado uma turma de 28 alunos
122
"Atrás do Espelho" in Informe-se, DA Administração da UFBa, 1972
105
ficou ameaçada de atrazar-se no seu curso por faltarem
professores (..) A partir de uma mobilização de turma, da
escola e uma atuação coordenada com a representação
estudantil foi possível superar o problema (..) de nada
adianta ter um representante de departamento por
exemplo ; se ele simplesmente assiste as reuniões e vai
embora não tendo uma ligação maior com os estudantes
ligados a esse departamento. Porisso, neste ano, a partir
de todas as críticas e se baseando em algumas sugestões, é
hora de mudar. Agora vamos ter eleições aqui na escola;
precisamos dar o sentido real a este cargo, seja na escolha
dos acandidatos, na elaboração de um esquema de
trabalho e na confiança do voto, participando com eles no
desenvolvimento de um programa que a gente deve
elaborar"
De forma complementar, trata-se de recuperar o papel
político do diretório diante dos órgãos de gestão da
Universidade, o que é possível através de uma rearticulação
dos representantes estudantis oficiais de curso (eleitos de
forma "isolada") com o percurso de recomposição coletiva da
"entidade" (proibida de exercer atividades políticorepresentativas). A princípio, os alunos que se acham
encarregados pela Universidade de expressar os interesses do
"corpo discente" começam a repassar as informações colhidas
nos órgãos de gestão para um maior número de estudantes
através do diretório, o que lhes permite desempenhar um
papel coletivo de "representantes", ao mesmo tempo em que
os diretórios readquirem o papel, ao menos, de "promotor" da
representação. Com o tempo, ambas as atividades se
confundem e o diretório consegue "puxar" novamente para si o
papel de representação "oficial" dos estudantes diante da
Universidade. O percurso de recolhimento de informações
pelos representantes oficiais e seu repasse através do diretório
pode observar neste fragmento no jornal "Suíte", do DA de
106
107
representantes levam aos conselhos opiniões que não são
suas, pessoais, mas sim opiniões discutidas pelos alunos"
Ciências Humanas da PUC-RJ, em l973:
"Com o objetivo de informar as resoluções e propostas
feitas durante a reunião, relatamos a seguir os assuntos
abordados, bem como as votações feitas após os debates"
A participação nos órgãos colegiados da Universidade,
por sua vez, é objeto de sérias controvérsias entre os
posicionamentos políticos estudantis. Por um lado, a
participação é defendida (na primeira fase da década) como
oportunidade de se conhecer a instituição e se obter acesso às
informações necessárias ao enfrentamento dos problemas
cotidianos. Por outro lado, ela é recusada como princípio,
rejeitando-se a partilha de estruturas tão coercitivas e
tenocráticas. A defesa da participação, por sua vez, estimula a
"eleição" de representantes oficiais, assim como a formação de
conselhos de representantes estudantis nos mais diversos
cursos, conseguindo-se em alguns casos extrair algum proveito
desta atuação na medida em que se fortalece o significado e o
lugar que os representantes e diretórios ocupam na estrutura
de gestão da Universidade.
Como expressão deste posicionamento pró-participação
nos órgãos de gestão da Universidade em reforma, podemos
observar o jornal "O Pícaro" (do DA da ECA/USP em 1971,
integrado por militantes do PCB) em seu discurso sobre o
Colegiado - um fórum representativo permitido nesta
Universidade, e que neste caso, se pretenderia "incorporado"
pelo diretório estudantil:
"O colegiado é um organismo, ligado ao DA do qual fazem
parte: representantes de classe (na proporção de um para
30 alunos), representantes dos conselhos departamentais
(..) representantes no conselho interdepartamental e 2
membros da diretoria do DA (..) Desta forma, nossos
Em termos mais amplos, a proposição de construir
instrumentos de participação e representação na "contra-mão"
da estrutura rígida e despolitizadora dos fóruns acadêmicos seja por meio de uma participação estratégica ou da mais
profunda recusa destes fóruns - é capaz de acumular
informações, ampliar a percepção dos limites e desafios
presentes nas Faculdades, e ainda, tornar possível a articulação
de soluções e respostas rápidas aos problemas cotidianos
trazidos pela reforma e pelas transformações que começam a
ocorrer no universo do trabalho123. Tais procedimentos, então,
permitem que se produza uma outra qualidade de análise
acerca da estrutura de poder da Universidade, conforme
podemos observar nestas considerações do Jornal "Gol a Gol"
do DCE da UFMG, em l973:
"Uma das características da Reforma Universitária que se
implanta atualmente na Universidade Federal de Minas
Gerais (...) é a sua imposição de cima para baixo. Por causa
disso, para torna-la possível, houve então necessidade de
centralizar cada vez mais as decisões dentro da
Universidade. Estabelecer-se órgãos administrativos gerais
cujas decisões têm aplicação em todas as unidades. A
administração superior é enfeixada quase inteiramente
pela reitoria e pelos órgãos auxiliares a ela ligados (..) Em
123
São das experiências vividas que se retiram novos ensinamentos e orientações:
condição que demarca um conjunto de características comuns aos movimentos ao
longo da década. Segundo documento do DCE da UFBa, de 1973: “as experiências
vividas no ano passado, principalmente com a luta do ciclo básico, nos ensinou a
buscar sempre, através de uma análise geral da situação do paias, as verdadeiras
causas dos problemas que enfrentamos, mesmo que estes se apresentem,
aparentemente isolados de todo um contexto. Somente assim veremos que a
redução de vagas não é um fato tão ocasional como possa parecer!”
108
função de tudo isso, a figura do reitor adquire cada vez
mais uma importância determinante, tornando-se detentor
de parcelas cada vez maiores de autoridade. Seja através
da escolha direta de funcionários para as seções
administrativas de uma Universidade onde a burocracia
assume crescente papel, seja através da nomeação dos
membros dos diversos Conselhos na área de ensino e
pesquisa, seja através da sua atuação pessoal na
presidência dos diversos órgãos, o fato é que sua influência
se exerce em praticamente todos os níveis"124
Por outro lado, as possibilidades de "reconstrução" da
estrutura de representação discente, vão exigir não apenas um
combate cotidiano à carência de informações e às imposições
de regras funcionais (competitivas e excludentes), como o
enfrentamento de um clima de tensão e repressão política que
atinge proporções dramáticas no espaço acadêmico e social,
punindo as atividades de resgate do caráter representativo do
diretório, desde 1972, com prisões e inclusive com mortes
(como no caso de Alexandre Vanucchi Leme, da geologia da
USP e do presidente do DCE da PUC RJ em 1973)125. Este
124
Jornal "Gol a Gol se pegá no pé é Dibra" do DCE da UFMG, nº5, 1973
Podemos ler em documento do Grêmio Politécnico deste período: “No final de
março de 1973, um acontecimento extremo veio causar profundo impacto na vida
estudantil de São Paulo: a morte de Alexandre Vanucchi Leme, aluno do 4º ano de
Geologia da USP. Como muitos outros, Alexandre fora preso de modo arbitrário: sem
identificação da autoridade coatora, sem oderm de prisão do juiz competente, sendo
conduzido para local ignorado. Enfim, uma prisão com todas as características que
configuram um verdadeiro seqüestro. Era um fato entre muitos, que já começam a se
trornar rotineiros na difícil situação que vivemos. Mas a rotina foi quebrada por um
desdobramento inesperado: Alexandre foi morto. Como? Onde? Os Órgãos de
segurança distribuíram à imprensa a ‘verão oficial’, que foi extensamente noticiada
pelo jornal ‘Folha da Tarde’. Segundo esta vesrão, Alexandre morrera atropelado ao
tentar fugir quando era conduzido pela polícia a um encontro com um companheiro,
o qual, pelo que poderia siubentender-se, ele teria delatado. Assim estava montada a
estória, com riqueza de detalhes. Uma estória que pré-julgava. Alexandre, rotulandoo terrorista, como se com isto de pretendesse justificar as incríveis arbitrariedades
125
109
contexto repressivo, aliás, vai trazer um novo elemento à luta
estudantil na medida em que fortalece os posicionamentos
políticos mais radicais à realidade repressiva e tecnocrática da
Universidade - responsabilizada diretamente pelos crimes
cometidos contra os estudantes, professores e funcionários.
Pouco a pouco, veremos se constituir movimentos de
denúncia das "verdades oficiais" que interpenetram a
sociedade e a Universidade, com a intenção de se afirmar
direitos fundamentais - como o da liberdade de expressão126passo importante para a constituição de um movimnto mais
amplo de luta pela democracia (ponto de contato entre as lutas
estudantis e as lutas sociais mais amplas). No mesmo percurso,
veremos também se estabelecer uma diferença mais nítida
entre os posicionamentos centrados na problemática
propriamente acadêmica (mais restritas ao âmbito das
perspectivas de formação e inserção profissional impostas pela
das quais ele foi vítima. Mas a versão oficial, de forma alguma, conseguiu convencer
os estudantes e parcela da população que teve conhecimento do ocorrido. Um
sentimento de indignação tomou conta da USP e extravasou-se para fora dela.
Iniciou-se um amplo movimento de contestação política, no qual os estudantes
contaram com o apoio da Igreja, dos professores, parlamentares, artistas, jornalistas
e outros setores da população. Na USP, foram realizadas assembléias em várias
escolas e, em todas elas, foi unânime o repúdio ao ocorrido. O Conselho Universitário
pediu oficialmente esclarecimentos ao Secretário de Segurança, o que equivalia,
implicitamente, a duvidar da versão fornecida poelas autoridades. O processo
culminou com a realização de uma missa na Catedral Metropolitana de São Paulo,
com a presença do Cardeal-Arcebispo de São Paulo, na qual compareceram cerca de
5000 pessoas. Desde 1968 era a primeira grande manifestação pública de repúdio
explícito a uma situação que propicia atos arbitrários desse tipo. Uma mobilização
tão ampla e vigorosa diante da morte de um colega acusado de ‘atos de terrorismo’
significou uma tomada de posição, de conteúdo político superior por parte da opinião
democrática”. Iº S.N.E.: Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, pp 4/5
126Ainda em 1973 foi organizado na USP a "Semana de Reflexões sobre os Direitos
Humanos" por vários Centros e Diretórios Acadêmicos de São Paulo (USP, PUC,
faculdades isoladas), com a presença de intelectuais, membros da igreja, elementos
do movimento operário, da OAB e parlamentares. Iº SNE Contribuição do Grêmio
Politécnico. Op. Cit., p.8
110
Universidade) e as proposições que reforçam uma atuação
independente dos estudantes diante da instituição e em prol
de, em lugar da inserção, promoção de mudanças profundas da
ordem social.
Estas concepções e proposições distintas de luta, aliás,
vão originar com o tempo uma distição de nomenclatura para a
"entidade" estudantil: o Centro Acadêmico (CA) passa a se
associar ao projeto de atuação independente (com relação à
estrutura de gestão acadêmica) e o Diretório Acadêmico (DA), a
configurar a perspectiva (também de luta, em vários aspectos)
de participação nos fóruns de gestão da Universidade; fóruns,
aliás, que proibem, em qualquer um dos casos, o exercício da
representação entre os estudantes.
Neste caso específico, a perspectiva não linear (nas
proposições e caminhos) de restabelecer um papel político
para o diretório, independentemente dos posicionamentos
contidos em seu interior, procura construir nas condições mais
adversas, uma rede informal de atividades e de instrumentos
de deliberação que permita aos estudantes interferir nos rumos
da Universidade. Através dos representantes de sala se
recolhem posicionamentos de alunos que, por sua vez, são
encaminhados para esferas mais altas de representação na
forma de comissões, ou ainda, através da organização de
assembléias. Este processo adquire maior intensidade no
período 71/74, quando as entidades "reconstruídas" em seu
significado político se caracterizam como fóruns de obtenção,
transmissão de informações, decisão e intervenção sobre os
órgãos de gestão das Universidades (ainda que por meios
indiretos) fundamentados na participação coletiva 127.
Desde l971, na verdade, temos notícia das primeiras
127
Conforme podemos ver na Carta Programa para o DA do ICEX da UFMG em 1975,
p.13
111
movimentações de esfera acadêmica geradas pelos
descontentamentos em torno do ciclo básico, jubilamento,
restaurante, moradia, transporte e matrícula; um conjunto de
mobilizações que nos auxilia a "remontar" o significado político
dos diretórios e dos centros acadêmicos e a detectar a
formação de novas experiências de organização coletiva. De
fato, a recomposição dos diretórios acadêmicos (DAs) e centros
acadêmicos (CAs) como espaços políticos se originam, de
formas diferentes, desta articulação entre representantes
discentes oficiais (permitidos na estrutura administrativa), salas
de aula e movimentações "específicas" - que começam a tomar
conta do cenário acadêmico -, de forma que os
descontentamentos com os problemas gerados pela
implantação da reforma impulsionam a construção e a
recuperação de formas de organização política. Encontraremos
na USP, nesta ocasião, uma das primeiras tentativas de diálogo
com as instâncias hierárquicas de ensino através de uma "Carta
Aberta ao MEC" assinada por 18 entidades estudantis que
repudiam a permanência do decreto nº477 nas universidades
brasileiras. No caso da USP, o ano de 1971 marca ainda a
criação do Conselho de Presidentes de Centros Acadêmicos e a
remontagem do DCE "oficial" a partir da presença de
movimentações como o "boicote ao restaurante" (em recusa à
duplicação dos preços da alimentação subsidiada)128.
Na UFBa, as questões do ciclo básico129, jubilamento e
128Temos
notícia da "sobrevivência" de algumas diretorias de entidades civis, como
no caso da UEE-SP e UNE que na virada das décadas de 60 e 70 procuram
estabelecer contato com outros diretórios sobreviventes, sem grande sucesso. De
qualquer forma, as breves referências dos anos imediatamente próximos à estes
acontecimentos contrastam com a intensificação das movimentações estudantis nos
três anos seguintes.
129 O ano de 1972 marca um conflito generalizado em torno do ciclo básico. No RGS,
encontramos documentos que o ridicularizam; na Bahia, surge um movimento
específico que organiza, entre outras coisas, um boicote à realização do chamado
112
excedente interno impulsionam todo um conjunto de
movimentações de repúdio e permitem o estabelecimento de
laços entre representantes discentes "oficiais" e os DAs
sobreviventes; situação que leva, inclusive, à tentativa de
impetração de um mandato de segurança contra esta
Universidade. Ao longo dos anos, presencia-se também a
intensificação das atividades culturais e a criação de uma
entidade cultural estudantil, o CUCA, que desde sua origem se
presta a articular DAs e DCE às atividades artísticas presentes
na UFBa. No caso desta Universidade, os debates e as
movimentações contra o excedente interno, os problemas de
matrículas, entre outros, permitem que se geste articulações
importantíssimas entre os representantes discentes, os DAs e
as atividades/agrupamentos culturais.
De forma mais abrangente, as discussões em torno da
reforma universitária presente entre estas movimentações
"específicas" e as articulações dos DAs ganham a partir de 1972
uma grande intensificação por meio da organização dos
primeiros Encontros de Área. Neste ano, são organizados
congressos (de caráter nacional) nas áreas de Arquitetura
(desde l971), Direito, Engenharia, Sociologia, Comunicações,
Medicina (desde l968), Economia e Veterinária; além de
Encontros Regionais de DAs e DCEs do Rio Grande do Sul; do
Seminário de Reforma Universitária promovido pela
“provão”, recolhendo cerca de 600 assinaturas. Segundo o documento Jornal do
Conselho, criado nesta ocasião: “Com o movimento, a população da cidade ficou
sabendo os erros e as irregularidades do “reino” da universidade, que até então
desconhecia, e o estudante voltou, ainda muito timidamente, a tomar o papel social
que lhe pertence por necessidade: defesa de direitos cada vez menos respeitados, pro
pessoal que entra na UFBa em 73 êsse assumir atitudes significa arrancar a máscara
festiva de sonho realizado, e se ligar o mais rápido possível na sua situação dentro da
universidade e no mundo em volta, procurando ser o que todo universitário deveria:
consciente do que está acontecendo em volta, do papel social que lhe cabe como
elementos renovador e de espírito crítico, e cosciente do trabalho que deve realizar”
113
Engenharia/UFBa e de vários encontros regionais e estaduais
preparatórios. Estes encontros de grande abrangência
(organizados pelos DAs) evoluem para uma troca intensiva de
referências e experiências de mobilização e participação, de
forma que ainda em l972 surgem as primeiras campanhas
integradas "contra o Jubilamento" e "pelo Ensino Gratuito". De
forma correlata, temos a organização de um movimento
político importante, o "Plebiscito sobre o Ensino Pago"
realizado na USP em novembro130 que registra uma recusa
generalizada dos alunos pela implantação do ensino pago nas
universidades públicas ao mesmo tempo em que dá origem a
uma discussão mais abrangente da problemática da
privatização do ensino superior.
Em l973 é a vez da multiplicação dos simpósios,
encontros regionais, estaduais e nacionais de área, associados
130
"No final de 72 uma ameaça pairava sobre os estudantes brasileiros: a
implantação do Ensino Pago. Diante desta situação, o Conselho de Centros
Acadêmicos da USP tomou a iniciativa de elaborar um Caderno que fornecesse
elementos para a discussão do assunto. Os CAs já tinham uma posição tomada,
ainda que precariamente, contra o Ensino Pago. Necessário saber se esta posição
realmente refletia a opinião do conjunto dos estudantes. A partir dos elementos
fornecidos pelo caderno iniciou-se um processo de debates em muitas classes, sendo
realizado também uma palestra com boa participação. Todo esse processo culminou
com a realização de um plebiscito ao nível de USP, cujo objetivo foi colher o ponto de
vista dos estudantes. Os resultados não poderiam ser mais eloquentes: em cerca de
10000 alunos pesquisados 95% manifestaram-se contra o Ensino Pago. Ficava
demonstrada, num processo democrático e bem fundamentado, a oposição da
maioria dos estudantes aos projetos governamentais de abolir a gratuidade do
Ensino Público. Este fato alcançou considerável repercussão na imprensa,
sensibilizando considerável parcela da opinião pública, o que deixava o MEC em
situação bastante embaraçosa(..) Esses acontecimentos levaram o Ministro da
Educação, Jarbas Passarinho a fazer uma declaração bastante original à imprensa na
qual qualificou a campanha promovida (..) como uma 'aliança de ricos com
comunistas' Este fato dava uma qualidde nova à situação: os estudantes (..)
constatavam que, assim agindo, estavam afrontando as decisões 'inatacáveis' do
governo. Ser contra o ensino pago, ou mesmo, apenas discutir o assunto era
subversão". Iº SNE Contribuição do Grêmio Politécnico. Op. Cit., p.2/3
114
agora a uma participação mais efetiva das experimentação
culturais, com desdobramentos significativos para a
organização política e cultural do movimento estudantil. Neste
ano podemos identificar a constituição de vários grupos de
teatro no interior dos cursos e Universidades com o propósito
de impulsionar debates e iniciativas associativas; ou mais do
que isso, conferir ao espaço acadêmico uma outra dinâmica de
trocas e articulações "alternativa" de vida universitária.
Neste contexto, portanto, o que ganha lugar é a
articulação de uma perspectiva político-cultural de resistência
que almeja criar novas formas de convívio e solidariedade
avessas ao caráter técnico, competitivo e repressivo imposto
pela estrutura administrativa (por meio de regimentos e
estatutos), de forma que se multiplicam jornais, "happenings" e
a vida das comissões de "entidade" que procuram intervir
concretamente na remodelação imediata da vida acadêmica.
Em resposta a estas atividades, também de maneira
imediata, são reeditadas ou criadas regulamentações de
caráter federal e/ou acadêmico que têm como propósito
controlar os Encontros de Área, as publicações e o
funcionamento das agremiações e promoções de caráter
cultural; mecanismos que ampliam os instrumentos de censura
passando a interferir e controlar atividades até então
desconsideradas como "políticas". A Universidade, enquanto
tal, amplia o seu controle com relação ao uso do espaço
acadêmico - ainda que, muitas vezes, deixe "escapar"
discussões e movimentações específicas de grande importância
para a gestação de novas formas de movimento. Já em 1973,
temos notícias do fechamento de vários DAs, da suspensão e
prisão de vários alunos e professores (na PUC-RJ, UFPe e UFF),
ou ainda, conforme colocamos, da morte do estudante de
geologia Alexandre Vanucci Leme, da USP.
115
No ano de 1974, são as "lutas" por melhoria das
condições de ensino que promovem as maiores articulações
políticas: "lutas" por melhoria dos restaurantes universitários,
por reformulações curriculares, contra taxas de matrícula e
serviços; lutas em caráter de urgência que pressionam pela
resolução de problemas graves sendo que, neste contexto, a
novidade está em que as movimentações contam com uma
maior participação estudantil fundamentada nas discussões de
sala de aula, nas vinculações com atividades culturais e nas
deliberações de assembléia. Este é o momento em que a
questão da "participação" adquire uma fisionomia mais
consistente, associada à luta pelos direitos de acesso aos
órgãos de gestão da Universidade. Podemos observar, por
exemplo, o "movimento de boicote à comissão oficial de
reformulação curricular da Faculdade de Psicologia da UFMG"
levado por cêrca de 400 alunos que recusam uma reformulação
pedagógica sem a participação discente (com base em um
movimento que alicerçado nas discussões de sala de aula, em
boletins, na criação de comissões e realização de assembléias).
Na UFBa, representantes discentes "oficiais" conseguem
rebaixar pré-requisitos de algumas disciplinas, substituir
matérias optativas não oferecidas, realizar concursos de
monitorias - em um ról de conquistas inéditas para as
mobilizações discentes. Como decorrência, estas conquistas
levam à elaboração de um plano de trabalho para o conselho
de representantes com o propósito de reaparelhar bibliotecas,
lutar por concursos docentes, por novas monitorias e revisões
curriculares.
Neste período, já encontramos também a criação de
agremiações em parceria com a comunidade como o Centro de
Estudos da Saúde ligado aos estudantes da UFMG.
Mas as motivações pela participação vão além da
116
eleição de representantes, integração em comissões e
obtenção de um lugar na estrutura de gestão da Universidade,
sendo que em meio às formas organizativas presentes neste
movimento encontramos perspectivas de ação coletiva que
superam uma dinâmica "oficial" de vida acadêmica. Na
verdade, o caráter difuso de muitas experiências revela sinais
de um percurso que extrapola significações mais tradicionais
do exercício político para afirmar a construção de outras
perspectivas de relação de convívio de caráter afetivo, criativo
e artístico. É curioso, por exemplo, observar a frequência com
que as publicações estudantis apresentam textos culturais
dotados de perspectivas existencias e discussões mais
abrangentes sobre o trabalho, a família, a música, o teatro, o
cinema, os comportamentos e os projetos mais subjetivos de
transformação social; preocupações que podem ser
exemplificadas por publicações como o "Patata" dos alunos da
UFBa, de l972:
"Será que nós (cabeludos e barbudos e sujos) somos
mesmo diferentes de nossos pais? Será que estamos
mudando mesmo ? Será que o Mel Scacher é muito
diferente do acompanhamento de uma orquestra de Bing
Crosby? Será que Jonh Kay têm mais vibrações que Tony
Benneth? Que nós somos mais prá frente que a geração de
45? E finalmente, será que conseguiremos, ouvindo apenas
música, pôr este mundo girando novamente para o lado
certo do eixo? “ 131
As questões e percursos políticos que envolvem/que
circundam o diretório, neste sentido, são variadas e muitas
vezes contraditórias. Por um lado, trata-se de restituir/resgatar
um lugar estudantil nas estruturas de gestão da Universidade
131
Jornal Patata dos alunos da UFBa, março de 1972
117
em nome de se defender uma perspectiva "alternativa" de
formação e inserção profissional; por outro, trata-se de negar
esta estrutura para afirmar uma outra possibilidade de vida e
participação estudantil no próprio espaço acadêmico. Esta
oscilação é constante e ela se configura através de projetos
políticos diferentes: ora o diretório se aproxima da lógica
acadêmica (ainda que para se defender dela), ora é promotor
de um afastamento mais profundo para a construção de
alternativas mais radicais (sejam organizadas, sejam mais
"contra-culturais). No aspecto dos posicionamentos
organizados, existem grupos favoráveis a uma maior
aproximação e grupos cuja proposição é a de ruptura de
qualquer perspectiva de diálogo.
De qualquer maneira, a questão é que esta instância
apenas reflete/configura a presença de discussões e
experiências diferentes entre os estudantes; o que, no entanto,
gera uma situação especial na medida em que, ao se pretender
constituir uma instância de articulação entre as diferenças,
necessita-se desenvolver uma nova prática de sociabilidade.
Neste caso, na medida em que os interesses/leituras
diversificadas convergem para um mesmo espaço, o que de
fato ganha lugar é uma experiência particular e importante de
partilha política; uma "partilha" que por suas próprias
características, deve se fazer mais flexível em termos de
concepção - capaz de fazer aflorar perspectivas mais articuladas
ou mais fragmentadas de ação política, a depender dos
contextos e da legitimidade destes movimentos. De qualquer
forma, todas as vezes que se transcende ao espaço do
diretório, os demais posicionamentos políticos procuram trazer
de volta o que está se afastando, aprimorando-se as
perspectivas de sociabilidade. No jornal Saúva produzido pelo
CUCA (Centro de Cultura e Arte) e pelo DCE da UFBa, em l972,
118
podemos observar os sinais desta articulação significativa que
em termos mais amplos passa-se a se estabelecer entre a
cultura e a política:
"continuamos lutando, aprendida a lição da unidade. os
excedentes precisam de nosso apoio. os problemas, de uma
tomada de posição. toma forma a atividade artística na
ufba com vários grupos, e trabalhos experimentais a serem
mostrados na Semana de Cultura popular. olho na mostra
de som universitário. precisamos abrir os olhos e ver as
coisas que estão sendo feitas à nossa volta. como diz o
poeta 'inútil dormir que a dor não passa'. vamos pra rua
beber a tempestade "
A preocupação com relação às questões culturais, aliás,
ocupa um lugar tão importante entre os estudantes deste
período que as promoções deste âmbito assumem um lugar de
destaque como instrumento de articulação política, passandose a utilizar com frequência as linguagens e temáticas culturais
como um meio para se promover atividades coletivas - de
debates a atos políticos de enfrentamento. Já em 1972
encontramos eventos abrangentes como a comemoração dos
50 anos da Semana de Arte Moderna que acontece de forma
concomitante em diversas universidades do país. No Jornal do
Conselho, da UFBa, de 1972 podemos ler:
"O CUCA, no ano passado, foi uma das maneiras de ligar as
pessoas à arte. Agora ele vai novamente uni-las nas
comemorações da SAM"
As atividades artísticas, por sua vez, ao se configurarem
como experiências de linguagem política, trazem para o âmbito
da discussão acadêmica uma interpretação sensível a outros
desafios que se enfrentam neste momento e que dizem
119
respeito de maneira mais abrangente às problemáticas da
cultura. Podemos ler em Ciso, da UFBa de 1973:
"A partir da necessidade de dizer as coisas de uma forma
mais ampla, surge o teatro como uma forma que dá maior
possibilidade de crítica através de contatos diretos entre
participante e público. Daí o TUBA. Que visa promover a
união em torno de uma atividade fora do currículo, que
permite obter uma visão mais ampla da vida. Para o TUBA,
o mais importante é a participação positiva dos estudantes
na elaboração dos trabalhos, não apenas apresentar os
trabalhos juntos. Já existem vários grupos formados
trabalhando os textos e outros em fase de formação. Se
você está afim de participar é só entrar em contato com
algum grupo"
Mas, na medida em que a convivência entre propósitos
diversificados (no interior de uma mesma "entidade") promove
alterações de leitura acerca dos "objetos" da política aproximando-se das problemáticas da cultura - esta mesma
convivência se torna conflituosa, gerando um percurso de
tensão mais profundo e constante no qual as concepções,
formas de ação, de participação e representação política
tendem a se distinguir com maior clareza. A depender dos
cursos e das Universidades, ou ainda, dos grupos políticos
clandestinos presentes nas agremiações, ganha forma
proposições específicas que vão de formulações e concepções
mais contraculturais à uma ação político-partidária mais
consolidada, com reflexos diretos sobre as experiências
desenvolvidas nestes mesmos centros acadêmicos. Em
documento da UnB de 1975 podemos ler:
"Hoje, em l975, temos uma variação muito grande de
organização estudantil nos estados brasileiros. Em São
Paulo conseguiram resistir e persistir os Centros
120
Acadêmicos
completamente
desvinculados
da
administração da Universidade, com verba arrecadada
diretamente dos alunos. Lá lutam por um órgão estadual
que congregue todos os CAs, um órgão mais estável e ativo
que o atual CCA (..) Em Belo Horizonte, Recife e Rio Grande
do Sul os DAs unidos por um DCE, que apesar de terem
verbas da administração universitária, levam toda uma
atividade estudantil independente. No Rio lutam como nós
para conseguir um DU, em Curitiba acabam de conseguir
um. Em todos estes lugares se desenvolvem atividades
diretamente ligadas aos estudantes, como a defesa do
nível de ensino que motivou greve em Botucatú, Bragança
Paulista, Santos e gora na comunicações de São Paulo (..)
Ultimamente, com grande intensidade se notam iniciativas
de reunificação nacional como o Comitê organizador do
Seminário de Engenharia, a Federação Nacional dos
estudantes de agronomia, os encontros nacionais (como o
encontro nacional de estudantes de arquitetura) e
discussões em torno da associação nacional de estudantes
de economia e federação nacional dos estudantes de
medicina"132
OS ENCONTROS DE ÁREA
Afora o significado variado das experiências políticas
que se acercam e se interpenetram no espaço dos diretórios
acadêmicos, os relatórios dos Encontros Nacionais por Área nos
revelam a qualidade política que se adquire nesta
reestruturação aparentemente "caótica" de movimento. Se
desde os primeiros momentos da nova década encontramos
registros de diretórios em "reconstrução" nas Universidades (e
inclusive de DCEs com a pretensão de articular os diretórios de
132
"Volante para Discussão do Estatuto", UnB, 15/5/75
121
uma mesma Universidade), encontramos também registros de
uma articulação mais abrangente de agremiações pertencentes
à mesma área de formação: os Congressos ou Encontros de
Área. Em cada uma destas "articulações" de centros e
diretórios acadêmicos "por área" nos deparamos com uma
organização específica, variável segundo a problemática e
trajetória de cada curso envolvidos. Temos por exemplo,
referências da organização de um Encontro Nacional de
Ciências Sociais nos primeiros momentos da década de 70, sem
notícias de continuidade. O mesmo ocorre com relação à
História e neste caso, é importante observar que a implantação
dos cursos de Estudos Sociais desloca e fragiliza o eixo de
organização neste setor do movimento (que passa a enfrentar
uma desestruturação mais profunda em seus próprios cursos).
De forma mais abrangente, os diversos cursos articulados
originalmente pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras
(dotados de diretórios de extrema vitalidade política até 1968)
vivem no início dos anos 70 uma trajetória de fragmentação e
"remontagem" em Faculdades isoladas que se tornam agora
premidas pelas alterações das regras de docência nos 1º e 2º
graus, ou ainda, pela cisão que se estabelece entre bacharelado
e licenciatura (medidas que efetivamente transformam o
campo de exercício profissional e as perspectivas formativas
dos estudantes destas áreas).
Já com relação aos cursos de Engenharia, Medicina,
Direito, Administração e Arquitetura, os Encontros de Área são
mais fortes, o que nos leva a considerar que talvez as
alterações funcionais não cheguem a comprometer
profundamente suas perspectivas de inserção, nem
"desmontar" suas unidades de formação em meio às reformas
administrativas. Podemos observar, por exemplo, o quanto a
trajetória organizativa dos estudantes de Engenharia e
122
Medicina são exemplares no sentido de consolidar seus fóruns
deliberativos e intervir de maneira mais articulada no espaço
acadêmico e no mercado de trabalho. Em documento intitulado
"Informe da primeira reunião conjunta das comissões
organizativas dos Encontros de Área", de 1976, podemos
atestar esta qualidade conquistada pelo movimento de área de
Engenharia:
"A primeira posição, majoritária no dia 17, manifestou-se
assinalando que os vários Encontros de Estudantes que
começaram a surgir a partir de 1970 (Medicina,
Arquitetura, Ciências Sociais, Comunicações, etc), tiveram,
alguns, importante papel na reorganização dos trabalhos
nas suas respectivas áreas (..) A mais rica experiência de
Encontros se deu na área de Engenharia, onde foi possível
a capitalização dos sucessos obtidos pelos Seminários
realizados a partir de 1970, conformando, inclusive, a
criação da Comisão Organizadora de Seminários de
Engenharia (COSE), órgão destinado a promover os
Encontros de Área" 133
No aspecto das estruturas organizativas, os encontros
apresentam também especificidades como as "comissões
executivas" compostas por um grupo de diretórios que a cada
novo congresso assume as responsabilidades administrativas
de organização, divulgação e registro. A organização muda de
endereço a cada ano de forma a democratizar o acesso dos
estudantes de várias regiões - ou ainda, a democratizar os
133
“Informe da primeira reunião conjunta das comissões organizativas dos Encontros
de Área”, Campinas, 1976, p62. Esta reunião contou com a presença de
representantes das áreas de Ciências Sociais, Química e das Comissões
Organizadoras dos Encontros dos Estudantes de Física, Economia, Engenharia. Este
documento ao referir-se à “primeira posição”, registra a presença de grupos
defensores da bandeira “pelas liberdades democráticas”, em distinção aos grupos
que empenham a bandeira de “combate à Política Educacional do Governo”.
123
registros destes eventos que ficam à disposição dos diretórios.
A análise da estrutura organizativa destes encontros nos
sugere, neste caso, o quanto a Universidade se encontra
"fechada" e refratária à presença dos próprios estudantes: a
necessidade de deslocar os debates continuamente registra o
fato de que sem este esforço de fazer circular informações e
arquivos, os cursos se tornam "prisioneiros" e circuscritos aos
seus próprios problemas, de forma que a flexibilidade e a
dinâmica organizativa destas comissões procura envolver os
mais diferentes alunos e realidades universitárias regionais e
profissionais em uma discussão comum.
Como fóruns coletivos, estes encontros possuem
também caráter deliberativo com relação à definição das linhas
de atuação política que devem ser travadas pelo conjunto dos
diretórios, sendo que seus propósitos políticos se
fundamentam necessariamente na problemática das condições
formativas (currículos, estágios, docência, infra-estrutura, etc) a
partir das quais se propõem alternativas de intervenção social e
profissional. A política estudantil dos Encontros de Área, neste
caso, tem a Universidade como objeto; em torno dela se
discute, em função dela se delibera e luta.
Na prática, a questão central destes eventos consiste
exatamente em identificar a Universidade da qual se faz parte:
sua reforma, legislação, procedimentos permitidos, papel
social, etc. a partir do que se averigua o significado das
mudanças em relação às perspectivas e possibilidades de
formação e inserção no mercado de trabalho e na sociedade.
Estas discussões sobre a inserção carregam em muitos
aspectos, elementos das discussões politizadas da década
anterior como por exemplo, o entendimento do "estudante"
como um indivíduo que, em seu futuro exercício profissional,
deva se marcar como um indivíduo político; aspecto que
124
confere desde os primeiros anos da década uma qualidade
surpreendente aos debates, às leituras e às avaliações da
formação e "qualificação" técnica proposta pelo projeto
tecnocrático de saber.
De forma geral, a dinâmica de discussão e intervenção
alcançada pela associação de diretórios e encontros regionais e
nacionais por área é de tal importância que o Governo Federal
em conjunto com as administrações universitárias procura
intervir e condicionar estas atividades através de decretos
específicos (decreto-lei nº 69053/71 e portaria nº 283/72) que
a princípio orientam as Universidades a negar espaço, para em
seguida proibir a existência destes eventos. Os encontros
também preocupam pelo "reforço" que promovem dos
diretórios acadêmicos "sobreviventes"/em "reconstrução" e
pelo cruzamento que estabelecem entre as lutas pelos direitos
acadêmicos, pelo controle da inserção profissional e pela
construção de alternativas de "vivência" acadêmica. Em ofício
enviado pelo Reitor da Universidade Federal da Paraíba para o
Diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes desta
Universidade, em 16 de Outubro de 1975, podemos ler:
"Esta Reitoria recebeu dos Escalões Superiores o que se
segue no texto: 1. Ultimamente, estudantes dos mais
variados
cursos
vêm
promovendo
ENCONTROS
(Congressos, Simpósios, Seminários e outras formas de
reunião) regionais ou nacionais, sem que a legislação
vigente sobre o assunto venha sendo obedecida. 2 Frequentemente, estes ENCONTROS acabam servindo aos
interesses da subversão, quando já não são por ela
organizados. 3 - Assim, é fundamental e indispensável à
realização desses conclaves o cumprimento da legislação
que disciplina a matéria: - Lei nº5540, de 28 de novembro
de 1968, - Dec-Lei nº228, de 28 de fevereiro de 1967, Decreto nº69053, de 11 de agosto de 1971, - Portaria
nº283/MEC, de 10 de abril de 1972, - Portaria nº25/MEC,
125
de 17 de janeiro de 1968, - Aviso reservado nº873/73/MEC
(anexo). 4 - Incumbe à direção dos órgãos educacionais
envidar esforços no sentido de orientar os estudantes sobre
o assunto bem como diligenciar para que as
recomendações da legislação retro referida sejam
cumpridas,
particularmente
quanto
aos
prazos
estabelecidos. 5 - A "política do fato consumado"
(inobservância dos prazos ou das própiras recomendações
prescritas na legislação) traz prejuízos de ordem
administrativa, e, consequentemente, as repercussões no
meio estudantil podem ser caracterizadas como
desfavoráveis à política educacional"134
Entre l971 e l974, temos notícias da realização dos
Encontros de Arquitetura, Direito, Engenharia, Sociologia,
Administração, Comunicações, Medicina, Economia e
Veterinária. Nestes Congressos, o sistema de ensino como um
todo recebe análises pormenorizadas acerca de suas condições
de funcionamento, suas dificuldades e problemas relacionadas
com o ciclo básico, sistema de créditos, sistemas de aulas,
currículos e equipamentos, sendo que a questão da produção
do conhecimento e sua relação com as perspectivas
profissionais merece um destaque especial nas avaliações e
definição de estratégias e táticas de ação política reivindicativa.
De forma clara, podemos acompanhar as deliberações do Iº
Seminário Nacional de Engenharia, de 1973, no que diz respeito
ao ítem de discussão "Do papel da representação e algumas
propostas":
"É necessário a realização de estudos que tenham por
objetivo dar um diagnóstico, o mais completo possível,
sobre a realidade atual do sistema de ensino e tentar,
através da correta avaliação deste diagnóstico, prever
fatos decorrentes da evolução deste sistema, se
134Ofício
nº 22/75 - GAB
126
preparando para eles. Isto só será possível na medida em
que os estudantes estejam organizados e unidos em torno
de sua entidade representativa. 2. Devemos promover o
desenvolvimento coletivo das turmas. É preciso evitar que,
na solução de problemas específicos, as turmas se isolem
uma das outras procurando para tanto chegar sempre à
extensão real desses problemas. 3. Devemos desenvolver
trabalhos que unifiquem professores e alunos na defesa de
interesses comuns. 4. Devemos lutar contra os critérios de
ineligibilidade para os candidatos à representação oficial 5.
No I SNE através de informes de várias regiões constatouse a existência de uma série de restrições dentro da
Universidade (fechamentos de alguns diretórios, censura
prévia para outros, etc.). O I SNE tomou posição contra as
restrições, especilamente o Decreto-Lei 477 e a exigência
de atestado ideológico na contratação de professores para
as Universidades. 6. Devido à falta de uma constnte troca
de informações entre os CAs e DAs e à importância de um
trabalho conjunto, foi aprovado pelo I SNE um boletim
informativo dos DAs e CAs de engenharia “ 135
Entre 1974 e 1978 os registros destes eventos diminuem
ao mesmo tempo que ganha lugar outras formas e propósitos
de articulação política no espírito de se "buscar novas formas
de organização e mobilização, esgotando todos os recursos
possíveis e abandonando as alternativas que se tornaram
inoperantes"136. De qualquer forma, a diminuição dos
Encontros parece se relacionar diretamente com o
recrudescimento da legislação repressiva que passa dificultar quando não proibir e reprimir - estes eventos. Podemos ler na
"Conclusão" do Encontro dos Estudantes de Física, de 1975:
127
duas entidades representativas de estudantes de todo o
Brasil, contrário à existência da portaria nº25 de 17.01.68
do MEC que pode a curto prazo impedir a realização dos
seminários de Engenharia e Economia e a longo prazo
impedir a livre organização dos estudantes de todas as
área” 137
Em sentido complementar, o agravamento das
condições de funcionamento acadêmico (em especial nas
universidades públicas) e a intensificação dos mecanismos de
repressão aos diretórios e atividades culturais impulsionam
uma maior radicalização entre as posturas organizadas que
passam a defender um "enfrentamento" mais radical da
administração. Este é o momento de criação de entidades
"desconectadas" dos órgãos acadêmicos - a começar pelo "DCE
livre" da USP; do fortalecimento das organizações de esquerda
na foma de "tendências políticas", e ainda, da eclosão de
greves, ocupações e denúncias que procuram escapar ao
controle acadêmico para atingir o espaço público - por meio de
passeatas, manifestações, "dias nacionais de luta e protesto".
Estas movimentações e procedimentos promovem, então, uma
outra base de articulação que elege um novo tipo de encontro
nacional: o Encontro Nacional de Estudantes, composto de DAs
e DCEs das diferentes universidades e faculdades. Os ENEs,
como são chamados, surgem em 1976 quando os projetos
organizados presentes no movimento procuram restabelecer
vínculos mais abrangentes entre as lutas estudantis e as
movimentações sociais pela democratização do país.
"..foi aprovado um manifesto, asssinado por quarenta e
135
I Seminário Nacional de Engenharia. Conclusão. CÃS de Engenharia de São Paulo,
novembro de 1973, pp18/19
136I Encontro Nacional de Estudantes de Administração. 1974 Op. Cit., p. 7
137
Encontro dos Estudantes de Física. Conclusão. Op. Cit., p1
128
A "RECONSTRUÇÃO" ORGANIZADA DO MOVIMENTO NA
SEGUNDA FASE DOS ANOS 1970
Desde os primeiros anos da década encontramos
registros do complexo processo de rearticulação de
experiências no qual o exercício político, em si mesmo, se
refere ora à "reconstrução" de instâncias voltadas a influir nas
decisões universitárias, ora a promover experiências culturais
que com frequência registram um "repensar" da política, ora a
orientar as mobilizações para perspectivas mais amplas de
defesa dos direitos humanos e denúncias de repressão. Na
verdade, a mudança de caráter das agremiações e experiências
de movimento abre espaço para a formação de caminhos e
procedimentos políticos diferentes de "reconstrução" do
movimento, fundamentados em leituras distintas de
Universidade, de exercício profissional e de ação política. A
"reconstrução" do movimento estudantil, neste sentido,
implica na convivência de projetos diferentes que devem se
"acomodar" em um mesmo espaço para construir
procedimentos mais amplos de luta política, sendo que esta
convivência nem sempre é pacífica e a força das suas diferenças
é capaz de ampliar ainda mais a tensão interna deste
movimento. De qualquer forma, a presença da repressão
política (promovida pelo Estado) institui um duplo mecanismo
de vida institucional do movimento: um clandestino, outro
"oficial".
A face "oficial" destas movimentações diz respeito à sua
dinâmica "visível" de discussão, participação e articulação que a
depender do espaço, curso e Universidade alcança resultados
originais. A face "clandestina", de forma distinta, se relaciona
com a presença de uma dinâmica paralela (e fechada) de
discussões, definições e orientações de rumos dos
129
acontecimentos coletivos, desconhecida pelo maior número de
estudantes. Nesta dimensão clandestina, a perspectiva de
"reconstruir" o movimento se traduz na recuperação de um
funcionamento político-representativo de diretório como uma
condição para se fazer retornar o papel social desempenhado
pelo movimento no passado. Trata-se de restituir uma direção
ao movimento capaz de gerir a vida política dos diretórios e
mais do que isso, se fazer reconhecer pelas "massas" estudantis
(a serem "repolitizadas" no sentido de readquirirem consciênca
política de compromisso social). A presença de uma
"vanguarda" clandestina a dirigir as "massas" estudantis em um
contexto de "reconstrução" coletiva do movimento, neste
sentido, amplia as divergências em torno da questão da
participação política - que a depender dos projetos de
"reconstrução" em questão adquire um significado diferente.
Na lógica das militâncias clandestinas, a implantação de
uma linha de atuação política organizada implica em
redirecionar e homogeneizar o leque de formas de
participação em prol da consolidação de uma estrutura mais
centralizada de gestão, capaz de recolocar a questão da ação
coletiva nos quadros da relação vanguarda/massa. Na lógica
"oficial" dos diretórios, a depender dos grupos políticos
envolvidos e das dinâmicas participativas estabelecidas, tratase, pelo contrário, de exercitar procedimentos mais diretos e
abertos de participação coletiva, em especial, de se impulsionar
fóruns mais amplos e de se intensificar a prática das
assembléias138.
Ora, em ambas as dimensões encontramos projetos
138Para
podermos identificar estes processos, é interessante comparar os textos dos
jornaizinhos "oficiais" dos diretórios com a documentação interna das tendências momento em que as organizações defendem sua atuação enquanto vanguarda,
definem sua "linhas de massas", seus procedimentos de "acumulo de forças", etc.
130
diferentes de gestão e participação política; situação que dá
lugar em pouco tempo a sérios conflitos de interesse. Nós
podemos acompanhar de perto este percurso através de uma
leitura mais atenta dos documentos estudantis que a partir de
l973 começam a apresentar alterações em seus discursos,
particularmente em torno do significado do caráter
representativo das entidades. No "Jornal Programa 73/74",
por exemplo, produzido na UFMG na ocasião das eleições para
o DCE desta Universidade, já são visíveis as divergências com
relação ao estabelecimento de um projeto organizativo que se
faça capaz de resgatar o papel e dinâmica política do
movimento do passado - utilizando-se, neste caso, do
procedimento de descaracterizar as experiências das gestões
anteriores
como
responsáveis
pelo
"esvaziamento
participativo" presente no diretório. Podemos ler:
“...a maior parte dos diretórios gastou longo tempo de
gestão tentando um trabalho de estruturação interna - ou
porque passaram a existir a partir daquele ano
(Letras,Geociências) ou porque o processo de
desorganização havia chegado a tal extremo que durante a
gestão 72/73 o próprio trabalho de reestruturação se
inviabilizaria, advindo daí um esvaziamento ainda maior da
entidade (..) falta de clareza quanto ao papel da entidade
aparecia em muitos casos agravado pela inexistência das
pessoas o que impossibilitou o desenvolvimento de um
trabalho conjunto dentro da própria entidade"
Segundo este documento, são os procedimentos
"espontaneístas" em curso o que, de fato, afasta esta entidade
do cumprimento de seu verdadeiro papel político, questão que
nos sugere que o recuperar de um significado "consequente"
de movimento exige anular certas alternativas organizativas
que se acham em curso:
131
"Outro problema (...) a infiltração de formas estritamente
espontaneístas de atuação, as quais privilegiam
agudamente o indivíduo 'em si' (individualismo) e,
portanto, não podem ser consequentes com o objetivo de
aumento da participação efetiva"
Em termos mais abrangentes, desde o final de 1972
podemos presenciar a afirmação de um projeto político que
entende a coordenação das atividades do diretório como uma
proposta de redefinição de rumos políticos no sentido de se
homogeneizar os procedimentos organizativos internos e de se
"reconstruir" os DCEs como instâncias mais centralizadas de
direção. Dentro desta lógica, entre 1973/74 procura-se
envolver as chamadas "práticas culturais" para uma dinâmica
mais centralizada de organização através da criação de "centros
culturais" vinculados às entidades. Em dezembro de 1973, o
boletim do CUCA da UFBa, registra este processo:
"Diante da necessidade de dinamizar as atividades
culturais na Universidade, visando incentivar um clima de
debate e criação que contribuem para a nossa formação
cultural, o CUCA - Centro Universitário de Cultura e Arte - e
o DCE - diretório central dos estudantes, dentre outros
trabalhos, formaram, em diversas escolas, grupos de
teatro” 139
As atividades culturais começam a receber um
"tratamento especial" através da organização no diretório de
um setor específico para as atividades deste tipo, as "comissões
culturais" que de maneira mais abrangente procuram
incorporar à estrutura de poder desta agremiação as diversas
atividades cineclubistas, teatrais, literárias que se acham
presentes no espaço acadêmico. A partir de então,
139
Panfleto do CUCA/DCE da UFBa, dezembro de 1973
132
encontramos referências de cineclubes dos DAs, ou ainda, de
projetos culturais específicos como a "Estante da Cultura" do
DA FACE (Ciências Econômicas/UFMG) que ainda em l973
organiza uma sociedade de leitores vinculada à ação dos
representantes de classe. No percurso destas articulações a
perspectiva de aprofundar as relações entre as questões
políticas e culturais almeja resgatar o sentido politizado de
cultura construído na década anterior.
De forma correlata, esta perspectiva de centralização e
organização das atividades se estende também para a esfera da
execução das tarefas a partir de procedimentos e instâncias
que se façam capazes de "orientar" as lutas, "englobar" e
"organizar" o trabalho dos centros acadêmicos. Podemos
observar na USP, por exemplo, as origens de uma estrutura de
organização mais centralizada na ocasião dos protestos contra
o assassinato do estudante Alexandre Vanucchi Leme, em
1973; momento em que são criadas três comissões
organizativas - de propaganda, organização e preparação de
documentos - com o propósito de construir "organismos
permanentes, embriões de novas organizações" forjadoras de
estratégias políticas específicas para esta Universidade.
Segundo o Boletim do CEUPES (Ciências Sociais/USP),
esta organização que pretende redefinir o movimento da USP
deve ser:
"..composta dos representantes das 3 comissões
enumeradas acima. As decisões em última instância serão
tomadas em reuniões abertas e acima delas, em
assembléias, amplamente convocadas. Cabe ressaltar que
a participação nas Comissões formadas está aberta a
todos. Os interessados devem procurar as entidades
enquanto as Comissões não vão às classes"
Estas comissões que se associam à prática das chamadas
"reuniões abertas" de fato possibilitam o estabelecimento de
133
instâncias mais centralizadas de ação política legitimadas pelo
discurso da recomposição da representação estudantil; um
procedimento que têm em vista estabelecer parâmetros mais
homogêneos de atuação coletiva para o conjunto das
entidades. Este processo, por sua vez, faz com que a "entidade"
a partir de l974, adquira uma interpretação mais homogênea
de papel e significado político como um organismo
representativo, coordenador dos esforços do conjunto dos
estudantes e responsável pelo desenvolvimento de uma
consciência crítica destes mesmos indivíduos. De forma
articulada, passa-se agora a exigir a elaboração e apresentação
de programas de trabalho (cartas políticas) para se poder
"dirigir" a entidade, o que pressupõe a "depuração" de
posicionamentos políticos mais claros e um forte incentivo à
constituição de grupos organizados. Na "Carta ao
Generalíssimo", carta programa para o DCE da UFMG de l974,
podemos observar a proposição de recriação das "chapas
eleitorais" como um mecanismo de organização caro ao
passado; um instrumento que teria proporcionado até 1968:
"...de certa maneira a intensidade do debate político que se
realizava na Universidade. Os estudantes escolhiam seus
representantes através do voto direto em programas de
trabalho e de ação apresentados pelas chapas, programas
que refletiam as posições e a maneira como as chapas
entendiam o papel dos estudantes naquele momento
histórico. Assim, as chapas representavam o apoio da
maioria dos estudantes"
A formação de "chapas" permite então que os grupos
organizados se apresentem e que reclamem por
posicionamentos coesos e definidos dos estudantes, assim
como que apresentem suas propostas de rumo e dinâmica
política de movimento com vistas a uma interpretação política
134
(e uma proposta de engajamento) mais abrangente; passo
importante para a consolidação da nova dinâmica de
organização e "reconstrução" do movimento que vai ter
repercussões sobre o entendimento dos problemas da
Universidade - em lugar do que se considera uma visão
"imediatista" de Universidade e luta política. Trata-se,
portanto, de "organizar" os estudantes na defesa de seus
interesses "canalizando" para a entidade todas as atividades
que se façam presentes na Universidade, ao mesmo tempo em
que se fortalece este instrumento de ação política
representativa.
A eleição das primeiras chapas de perfil "organizado" dá
origem em pouco tempo, à formação de "tendências" políticas
no espaço acadêmico; percurso no entanto que é marcado por
extrema violência política por parte do Estado e da
Universidade, como podemos observar no caso da USP em que
a formação de um organismo como o Comité de Defesa dos
Presos Políticos não consegue se manter em funcionamento
por mais de um semestre; ou no caso da UnB - uma
Universidade em que os "vigilantes" (guardas de patrimônio)
não deixam os estudantes em paz nem mesmo nas festas e nas
filas de restaurante - e que pune com rigor qualquer ação
organizada, seja na forma de publicações de jornais, seja
através da constituição de conselhos de representantes.
De qualquer forma, o ideal de "organizar" os estudantes
leva a que as militâncias a partir de 1974 valorizem as
calouradas, os debates sobre a reforma, as montagens de peças
teatrais, os ciclos de cinema, shows, produção de jornais e
revistas como potentes instrumentos de legitimação dos
diretórios e organização das "massas", entendendo-as como
atividades agregadoras "consequentes" na proporção em que
assumem discursos mais radicais de participação política. Por
135
sua vez, a ação organizada procura imprimir nas experiências
de caráter informal um significado político que legitime suas
propostas. No "Jornaleco", do DA de Economia da UFBa do
início de l975 podemos ler:
"A existência de todos estes problemas, fizeram com que os
estudantes em l971 reabrissem as entidades, fechadas em
68 e retomassem as discussões naquela época
interrompidos. No entanto, se o Diretório se limita apenas
a registrar os acontecimentos do dia a dia, deixará de
cumprir seu principal objetivo que é organizar os
estudantes em torno de seus problemas. Quem participa?
De nada adianta o DA isoladamente tomar tal ou qual
decisão se elas não vierem refletir as preocupações de
todos. Sendo assim, não se poderá levar nenhum trabalho
à frente sem melhorar o nível de ensino? Por que não se
extinguir o jubilamento? Será que a formação de grupos de
teatro, som,etc. com o mesmo objetivo do DA, não só viria
a fortalece-los? Lembre-se: o DA não é uma força que
basta-se a si só"
Pouco a pouco, o projeto organizado de "reconstrução"
do diretório - que pretende o fortalecimento de seu poder de
agregação participativa - imprime um significado político de
autonomia desta agremiação e movimento com relação à
Universidade, o que se traduz na adoção de um discurso mais
radical e no desempenho de uma "atuação independente" que
carrega como proposição a ruptura deste movimento dos
fóruns acadêmicos e a criação de uma estrutura desvinculada
estudantil da administração da Universidade. Na prática,
propõe-se a construção de um movimento autônomo que vise
a adoção de uma perspectiva mais ampla de transformação
social.
Segundo alguns posicionamentos organizados, de forma
particular os grupos trotskistas e maoístas, a participação
136
estudantil nos fóruns "oficiais" configura um "atrelamento" das
lutas dos estudantes à estrutura de poder da Universidade,
questão que leva o movimento a desempenhar uma atuação
consentida e distante dos compromissos históricos com as lutas
pela transformação da sociedade. A proposta de
"autonomização" das entidades frente à burocracia, neste caso,
recupera a experiência das "entidades livres" (desenvolvida no
período posterior ao decreto lei 228) com vistas a rejeitar as
regras administrativas e a buscar transcender as problemáticas
específicas da Universidade em nome da retomada das
perspectivas travadas no contexto 64/68. Por outro lado, se o
processo de reorganização partidária tem origem nos primeiros
anos da década, a expressão clara das propostas organizadas
vai ocorrer em meados da década através da constituição de
"tendências estudantis" (quadro em anexo) e das "entidades
livres" - que ganham legitimidade na medida em que afirmam
um corpo de projetos políticos mais radical e associado à
perspectiva de retomada das lutas sociais mais amplas.
Estas propostas, como mencionamos, implicam em
alterações de dinâmica política e se estabelecem,
originalmente, através da proposição de realizar eleições
diretas para as direções de entidade (em lugar das eleições
indiretas oficiais); proposição que desencadeia um verdadeiro
divisor de águas entre os projetos de "reorganização" do
movimento. A perspectiva de politizar as movimentações, por
sua vez, têm como propósito unificar ou "canalizar" as
movimentações de forma a se adotar procedimentos mais
amplos de controle destas mesmas movimentações coletivas
pelas organizações - em um processo conhecido, entre os
próprios estudantes, como "partidarização" do movimento. No
Jornal Gol a Gol (DCE/UFMG) de l975, já podemos acompanhar
os conflitos que se instauram entre as posições políticas que
137
em aparente contradição, brigam pela "unidade".
"A ultima eleição do DCE marcou o início de uma
incansável batalha que a maioria das entidades estudantis
da UFMG vêm desenvolvendo pela UNIDADE do
movimento estudantil. desde a eleição, momento em que
ficou evidenciada a existência de visões diferentes sobre
como deve se dar a participação estudantil hoje, a questão
da UNIDADE têm sido insistentemente recolocada pelo
DCE, demandada como uma necessidade de força, em todo
os momentos, principalmente naqueles que exijam dos
estudantes seu firme posicionamento (...) Para a prática da
unidade se realizar, para a verdadeira união e organização
de todos os estudantes, torna-se indispensável a vigência
de mecanismos de decisão perfeitamente reconhecidos.
Estes mecanismos se adequam a uma concepção de
entidade estudantil de massa e o reconhecimento da
representatividade nas decisões"140
A questão de se construir uma participação
"organizada", por outro lado, é geradora de polêmicas na
medida em que a proposta de "politização" das massas via
constituição de fóruns centralizados de ação política esbarra o
tempo todo no afastamento/aproximação dos estudantes com
relação às mesmas práticas e propostas. De qualquer forma,
estes ideais de recomposição de movimento conquistam um
outro patamar de articulação e consolidação em meados da
década, quando as movimentações reivindicativas se
generalizam na forma de grandes greves e denúncias públicas
sobre o sucateamento das universidades públicas141.
140
Jornal "Gol a Gol se pegá no pé é dibra" do DCE da UFMG, nº19, 17/11/75
Em documento do Jornal do CACH/Unicamp de 1976 podemos ler:
“Indiscutivelmente, a formação do colégio eleitoral significou um avanço não apenas
em função de um importante precedente na contestação e superação de fato dos
critérios impostos pela reforma Universitária mas evidenciou a possibilidade de
estabelecer pontos comuns de luta junto com os professores também interessados
141
138
Na verdade, neste período os movimentos pela
democratização da gestão acadêmica e pela defesa de direitos
formativos entram em "guerra" com os mecanismos
repressivos, o que se traduz - ao mesmo tempo em que reforça
- na adoção de outras orientações políticas para as
movimentações. A questão das movimentações de protesto e
greves configura, por si só, um momento dramático de conflitos
e tentativas de denúncia e defesa da transformação da
Universidade (especialmente da pública)142; um momento no
qual os problemas relativos à qualidade do ensino se ampliam
com os cortes de verbas e generalização do ensino pago (que
estimula a introdução de taxas e cobranças nas universidades
públicas); com o sucateamento infra-estrutural e a
intensificação dos processos de jubilamento. A partir daí, o
desespero toma conta do espaço acadêmico motivando os
em romper com a falta de democracia e de autonomia dentro da Universidade.
Abriu-se, portanto, perspectivas de luta mais amplas que permitem afirmar que o
problema da gestão universitária possui grandes potencialidades ainda não
exploradas pelo movimento estudantil e que se ligam diretamente com a luta que
travamos na sociedade geral por liberdades democráticas. O processo mostrou
também que a forma correta de levarmos essas propostas não é a de sismples
resistência na defesa do mínimo que possuímos hoje em termos de participação e
organização estudenatil; é ir além, preparando ofensivamente avanços que na
prática, independente ou não de mudanças formais em estatutos e regimentos
autoritários constituam um podereal de interferência e controle na gestão
universitária”
142O movimento estudantil em 1977 começa a ser tomado pela administração
universitária como um problema de difícil solução, ainda que seu relacionamento
interno seja variável e marcado por menor ou maior repressão, conforme a
Universidade. No caso da UFBa, os estudantes e as entidades são vítimas de
constantes intimidações - associadas, em geral, à cortes de vagas no RU e nas
residências; na UFPe, impera a censura prévia. De qualquer forma, um dos principais
objetos de reivindicação estudantil no período 77/78 é o de manutenção dos
serviços de assistência e recusa da implantação do ensino pago - objeto central da
atuação governamental que pretende transformar a Universidade em autarquia
especial revelando seu desinteresse em manter restaurantes e residências
estudantis.
139
alunos a adotar caminhos diferentes de resistência que incluem
não só a radicalização como também as tentativas de "diálogo"
(na busca de respostas concretas para as reivindicações) com a
administração, com o MEC e com a própria presidência da
República. As instância acadêmicas, por sua vez, não possuem
qualquer interesse e muito menos poder de deliberação para
promover um outro tipo de alteração de estrutura, o que vale
dizer que questões como jubilamento, corte de subsídios,
privatizações e caráter técnico de conhecimento já se colocam
como problemáticas institucionalizadas.
Neste caso, a paralisação das atividades como
instrumento de denúncia e apelo social (ainda que realizada em
clima de restrições e punições) caracteriza um momento no
qual se percebe as limitações para uma transformação interna;
percepção que abre espaço para uma opção de radicalização e
"rompimento" trazida pelas militâncias organizadas. Podemos
ler no Jornal Mural "A Ponte quando o muro separa", da USP de
1974:
"Qualquer tentativa de debate é castrada. Paira sempre a
sombra emeaçadora das medidas repressivas, que
ganharam novas formas e até se 'legalizaram' em 74.
Dezenas de colegas foram intimidados, fichados,
pressionados. Atividades culturais proibidas, informações
negadas. Este conjunto de fatores faz com que o indefinido
sentimento de insatisfação fique cada vez mais intenso. A
insatisfação é também gerada pelas más condições de
vivência, pela dificuldade de viver dentro do campus.
Restaurantes caros, o CRUSP (..) indicam apenas que não
há interesse em manter estes serviços nem ao nível do
absolutamente indispensável. Em São Carlos (..) no início
do ano tentou-se fechar o restaurante de todos os alunos
do campus. Uma movimentação que chegou à greve
impediu a concretização desta medida arbitrária (..) dentro
de um ambiente de pressões intensas, de terror em dizer as
140
coisas, de um ensino alienado, tecnizante e elitizante e de
uma vivência incomoda é que se situa a USP em 1974” 143
As dificuldades e limites de luta interna começam a
exigir, em certo momento, a quebra do isolamento e a opção
por outros mecanismos de enfrentamento - aspecto que
legitima, de fato, as perspectivas mais radicais de luta política.
A criação das chamadas entidades "livres", neste momento,
configura e traduz este projeto de busca, no espaço público, de
novas possibilidades para a resolução de problemas que se
colocam, inclusive, para o mundo acadêmico.
O ano de 1975 marca um período de grandes e intensas
greves diretamente relacionadas com o agravamento destes
problemas, com o autoritarismo de gestão e o "espírito"
técnico dos cursos públicos e privados. A greve na UFBa chega a
contar com 11 mil alunos que paralizam 33 cursos por mais de
um mês144, a greve da USP iniciada pela ECA perdura por 3
meses e consegue se estender em alguns momentos por toda a
Universidade. Temos notícia ainda de greves na UFMG
(geologia), na UCMG (Serviço Social), na UFSC (18 dias), nas
Faculdades de Medicina de Santos, Faculdade de Medicina de
Taubaté, Santo Amaro, Bragança Paulista e Botucatú, na
Faculdade de Medicina da UFBa e na Escola de Engenharia
143
A Ponte quando o muro separa. USP, setembro de 1974, ed. Especial
caso da greve da UFBa, segundo o Jornal de Lutas, da UFMG, os
acontecimentos se precipitam pelo jubilamento de toda uma turma de geografia e
pela aprovação pela administração de uma série de medidas para tornan mais
eficiente o: .. "papel elitizante do jubilamento. Em resposta, os estudantes de
geologia entram em greve contra todas as formas de jubilamento, inclusive as já
existentes. Mais tarde, esse movimento recebeu o apoio dos estudantes de mais de
32 cursos da universidade, permanecendo em assembléia permanente durante um
mês. Na UFMG, diante da tentativa de implantação de um ante-projeto de
jubilamento, os estudantes se reuniram em assembléia por curso, onde discutiram a
elitização do ensino e se posicionaram contra o seu avanço"
144No
141
Mauá. Mas a greve da UFBa, de maneira especial, é elucidativa
do caráter articulado que estas movimentações alcançam na
primeira fase da década com relação à leitura crítica da reforma
acadêmica. Durante esta greve, reúne-se um grande número de
atividades de repúdio que provêem de questões e problemas
específicos dos diversos institutos e que neste caso encontram
na problemática do "jubilamento" um ponto comum de
resistência. Afinal, são mais de 600 alunos excluidos
anualmente desta Universidade por estas regras. A greve da
ECA/USP, por sua vez, já têm como centro de discussão crítica o
autoritarismo de gestão desta faculdade, de forma que, após 3
meses de paralisação (conseguindo mobilizar por duas vezes
toda a USP) conquista-se a criação de uma Congregação na
escola e o fortalecimento dos departamentos - debilitando-se
de alguma forma o poder da Direção.145
Estas greves permitem que as discussões e
posicionamentos restritos até então ao "mundo" dos diretórios,
Encontros de Área e atividades culturais ultrapassem o cenário
acadêmico para conferir à "crise" da Universidade uma
dimensão pública146. As denúncias estudantis sobre as
145
A greve da ECA, de abril a julho de 1975, marca a formação de uma Comissão
Universitária para coordenar as lutas do segundo semestre e o surgimento das
primeiras tendências, a partir da “consciência de que era necessária a reconstrução
das entidades centrais de estudantes”. Quando da morte do jornalista e professor da
ECA, Vladimir Herzog, uma luta coordenada por esta comissão (com apoio de outras
escolas e setores sociais) decreta greve e integra uma mobilização pública de
protesto contra outras prisões políticas. Surgem as primeiras tendências em 1975,
sendo que em 1976 já encontramos 5 tendências disputando o DCE livre da USP,
cindidas entre dois grandes posicionamentos: a luta contra a PEG (contra a política
educacional do governo) – composto pelas tendências Alternativa e Organizar a Luta
– e a luta pelas liberdades democráticas – composta pela Liberdade e Luta e pela
Caminhando. A Tendência Refazendo não assume palavra de ordem.
146A partir de 1975, a "abertura política" do Governo Geisel configura o afloramento
de movimentações sociais, os primeiros sinais de crise econômica, e em especial, o
agravamento das tensões oriundo das mudanças das relações de trabalho (Abramo).
142
condições de ensino em vigor, assim como da presença efetiva
de mecanismos de repressão e ocultamento da "realidade"
acadêmica pelo Governo Militar irrompem no espaço público
no momento em que outras movimentações sociais começam
a se rearticular, o que causa repercussões problemáticas147.
Neste contexto, ainda, os mecanismos punitivos adotados pela
Universidade adquirem novos contornos, em especial, através
da Lei da Imprensa que atribui às direções de unidade o papel
de censurar e reprimir (com ajuda policial) as manifestações
estudantis148.
A situação social adquire outras nuances, da mesma forma que as experiências
coletivas incorporam perspectivas "alternativas" (gestadas ainda na primeira fase). A
"abertura", neste caso, referenda a existência de radicalizações políticas que negam
este modelo econômico para afirmar outras perspectivas e possibilidades de
organização política, de produção e intervenção cultural.
147 No caso da UFBa, os estudantes conseguem fazer circular uma “Carta Aberta à
População Bahiana” que registra as condições críticas em que se encontra esta
Universidade (da maior importância e tradição para o Estado) anexando a citação de
dezenas de nomes de estudantes, profesores e cidadãos presos.
148Entre as medidas de "contenção" adotadas em 1975 está a criação (por decreto
presidencial de março de 1975) de um órgão específico de "Segurança Nacional,
Mobilização, Informação e Contra-Informação" no setor educacional, intitulado por
DSI (Divisão de Segurança e Informação) e ligado ao SNI. Este órgão passa a atuar de
forma concomitante ao AESI ampliando em agosto do mesmo ano a censura prévia
de todos os tipos de promoção cultural estudantil - incluindo-se as publicações, os
eventos, os encontros, etc.. - e conferindo/condicionando à Delegacia de Polícia a
emissão de autorizações. A direção das Faculdades fica vinculada nesta questão à
Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal, cabendo aos
diretores a responsabilidade de fazer cumprir as normas federais. Neste caso, com os
diretores na condição de censores, passa a ser comum a invasão policial de
Faculdades para apreender murais e jornais, intervir em peças teatrais e impedir a
realização de shows como por exemplo, o show de Gonzaguinha e a distribuição de
seu material de divulgação nas Faculdades de Medicina, Arquitetura e Filosofia e
Ciências Humanas da UFMG; a solenidade de formatura dos alunos de medicina da
UFMG (para apreensão de audio-visual crítico) ou mesmo o "cerco" a um show de
Milton Nascimento e Chico Buarque durante a "Semana de Direitos Humanos"
promovida pelo DCE da UFF. Esta política de repressão pode ser observada através
do documento enviado pelo Ministro da Justiça, Armando Falcão, aos Reitores das
Universidades neste período (doc. em anexo).
143
Por outro lado, estes movimentos possibilitam que as
posições organizadas estabeleçam articulações mais amplas e
que assumam um papel mais relevante na redefinição dos
rumos políticos em prol dos direitos democráticos, da liberdade
de expressão e organização, pelo fim da repressão e do decreto
477 e AI-5. Em documento do Conselho dos Centros
Acadêmicos (CCA) da USP, de l975, podemos observar as
marcas deste "novo rumo" assumido pelos estudantes:
"A 'surpreendente' utilização do 477 num momento onde
as autoridades nos acenam com um generoso 'diálogo',
nos impõe a tarefa de conhecer a razão da existência desse
decreto e o sentido do diálogo proposto. Ouvimos com
frequência diversas histórias sobre a 'distenção gradual',
'aberturas democráticas' e outros mitos. Mas a realidade é
de que só existe abertura para os que dependam e
sustentam a política oficial (..) Para nós, 'abertura' ou
'distenção' significam a livre confrontação das idéias na
busca de soluções que representem a maiora (...) Os
estudantes não temem o diálogo, mas só acreditam no
diálogo feito em igualdade de condições. As autoridades
por sua vez não se desfazem dos instrumentos de exceção
e propõem diálogos à sombra (..) Propõem o diálogo
enquanto tentam institucionalizar a repressão. Nós
propomos a institucionalização do debate e o fim da
repressão" 149
A produção deste documento se insere em um
momento importante de discussão e de afirmação de um
caráter autônomo das entidades estudantis frente à burocracia
acadêmica e estrutura repressiva do Estado. A "atuação
independente" implica agora em defender a liberdade de
organização e manifestação ao mesmo tempo em que recusa a
aplicação/adoção do 477 sobre a vida universitária, a censura
149
“Plebiscito sobre o 477”, Conselho de Centros Acadêmicos da USP, abril de 1975
144
interna, a proibição de atividades culturais, a marginalização
estudantil dos órgãos decisórios da Universidade (1/10 na USP),
ou ainda o jubilamento (por tempo limite) e os mecanismos
oficiais de "atrelamento". A luta política travada pelos
estudantes da USP neste contexto é hábil em "desmascarar" a
pretensão de "diálogo" anunciada pelo governo, forçando que
a Reitoria venha a público se posicionar sobre suas verdadeiras
intenções. Por outro lado, a pretensão de ampliar a
participação estudantil como condição para "se fazer ouvir"
pela Universidade alcança seu limite neste período quando a
luta pela alteração de regras acadêmicas contabiliza muitas
derrotas150. Em fragmento do "Jornal do CACH" (Ciências
Humanas) da UNICAMP, em l976, podemos ler:
"Devemos, para abandonar a defensiva, oferecer propostas
concretas. É proibida a rearticulação dos estudantes a nível
nacional e regional? Vamos passar por cima da legislação e
nos reorganizar. É proibido aos alunos participarem
efetivamente do controle da Universidade, do controle
tanto dos aspectos institucionais, quanto diários de nossa
vida acadêmica? Vamos propôr e executar formas
concretas de intervenção (..) A verdadeira luta democrática
150A
percepção da universidade (da burocracia, dos fóruns de poder, da reitoria,
direção, aspectos acadêmicos como os critérios avaliativos e relação em sala de aula,
entre outros) e o desenvolvimento do exercício coletivo a partir de uma visão mais
crítica, das decepções e das experiências com a problemática desta universidade; são
movimentos que andam juntos. A articulação entre eles vai depender da soma de
diversos fatores como da percepção mais global dos problemas, da formação de uma
identidade do que "não se quer" ou "do que não se tem", da construção de relações
mais duradouras de movimento (não tão efêmeras), da capacidade de identificar os
problemas, da capacidade de integrar interesses comuns em um mesmo propósito
de luta. O propósito de "corrigir" os rumos (a partir do que se acredita como certo)
da Universidade configura um dos principais fundamentos do movimento estudantil.
Neste caso, intervir sobre/na estrutura acadêmica em busca de seu aprimoramento
(sob a ótica propriamente estudantil) é elemento desta realidade universitária que
não se deseja presente.
145
é a que se trava através de propostas claras e definidas,
mesmo ao nível da Universidade."
Como desdobramento, se amplia a adesão dos
estudantes às entidades de afirmação representativa e as
tendências mais radicais (dispostas a um enfrentamento
explícito dos mecanismos repressivos conservadores) chegam a
integrar centenas de estudantes, como no caso da Liberdade e
Luta na USP. De forma concomitante, tem início no espaço
interno dos "diretórios livres", a recuperação de referências de
memória do período 64/68 com a intenção de resgatar
elementos de orientação política necessários ao percurso que
se deve empreender na nova década. Neste caso, a
recuperação da memória pelo próprio movimento - ou a
recuperação de sua História na fase 64/68 - cumpre um papel
específico, neste contexto, de legitimar o projeto de retorno do
movimento para o espaço público (e exterior à Universidade).
Dos inúmeros textos memorialísticos produzidos pelos
grupos organizados de diversas regiões e em diversas
Universidades, a publicação da "Revista Memorex: para não
esquecer", pelo DCE "livre" da USP em l976 é, talvez, a
expressão mais clara desta recuperação, e por que não dizer,
desta "construção" militante da História. A revista, conforme
sugere o título, estampa em sua capa uma embalagem de
remédio para memória e é composta de um conjunto vasto de
referências da história da UNE (das campanhas políticas,
projetos culturais do CPC, congressos, greves, lutas pela
reforma da Universidade e lutas reivindicativas de caráter
público) na forma de fotografias, fragmentos documentais,
discursos políticos e dados jornalísticos. Ao final da publicação,
as imagens da prisão dos estudantes em Ibiúna (1968) são
associadas às imagens de manifestações de rua e das lutas que
começam a se estabelecer nos anos 70 em torno de uma
146
"constituinte livre e democrática", de forma que a trajetória do
movimento estudantil ressurge como exemplo de um
movimento público, ofensivo e atuante em prol das reformas
estruturais do país.
No período 75/79, neste caso, o que ganha lugar entre
os processos de "reconstrução" do movimento estudantil (não
apenas na USP, mas em várias Universidades) é a dinâmica de
"representação livre" que a princípio se desdobra dos projetos
políticos organizados mais radicais (em conflito aberto com a
burocracia acadêmica) para deslocar para fora do palco
acadêmico as "opções" de rumo político deste movimento. No
plano das articulações internas, já em 1976 encontramos uma
relação mais profunda entre os Encontros de Área e os
trabalhos em prol das lutas por direitos políticos mais amplos,
na proporção em que as comissões organizadoras dos
Encontros de Área (CO, COSE, COEE) - reconhecidas como
fóruns importantíssimos de deliberação - começam a ser
procuradas pelas novas agremiações em formação, como pelas
Comissão Universitária da USP e Comissão Permanente da
Unicamp - embriões dos DCEs livres - que, como veremos, são
portadoras destas novas proposições. No mesmo ano, a
Tendência Organizar a Luta avalia em sua carta-programa para
o DCE livre da USP, que após um longo período "desorganizado
e sem clareza quanto às formas que persistisse sua
reorganização" se faz necessário criar "formas mais avançadas
de organização" para o movimento, em função da luta de
resistência à ditadura151.
Para ilustrar rapidamente o segundo período da década,
vale considerar que a partir de 1976 os cortes de verba se
intensificam de maneira concomitante ao oferecimento do
"crédito educativo" (para alunos carentes), à adoção de taxas e
151
Chapa Organizar a Luta, USP, maio de 1976
147
anuidades, além de se impôr maiores restrições ao acesso de
verbas pelos diretórios (sua última fonte de rcursos). As
direções de curso, alertadas para as atividades "subversivas",
enfrentam as mobilizações com a ajuda policial e com o decreto
477 em um contexto no qual a radicalização tende a tomar
conta do espaço acadêmico. As perspectivas de "ruptura"
(ainda que não se encontrem generalizadas), estimulam atos
mais violentos de paralisação e tomada de restaurantes (por
exemplo, da Faculdade de Engenharia da UFMG, UFBa,
Unicamp)152 e a realização de eleições "diretas" para os
diretórios sem aprovação acadêmica. Surgem os "dias nacionais
de luta" (procedimento recorrente no ano seguinte) e a
organização em várias faculdades de "Semana por Liberdades
Democráticas"153. Iniciam-se, enfim, as passeatas e
manifestações de protesto que pouco a pouco retornam ao
espaço público "inovando" sua linguagem política através dos
recursos teatrais marcantes como do enterro simbólico do
Reitor da UnB e da Lei de Segurança Nacional no "dia nacional
de luto por Brasília".
152No
Jornal do CACH/Unicamp, de setembro de 1976 podemos ler: "A assembléia
caracteriza-se pela tensão, agudizada pela débil atuação da mesa e por confusões
momentâneas, presença de fotógrafos (...) Delibera-se comer naquele dia sem pagar,
como forma de pressão sobre a Reitoria. Interrompe-se até a tarde para efetivar a
medida" (Assembléia Unicamp, Jornal do CACH, set 76, p3).
153 Já no início de 1976 (janeiro) temos a organização de uma campanha nacional por
liberdades democráticas que se articula a partir dos estudantes – por meio das
Comissões de Defesa dos Direitos Humanos da USP e da UNICAMP (nascidas dos
acontecimentos repressivos de 1975). As reuniões estudantis caminham no sentido
de construir “formas de organização e manifestação estudantis” capazes de ao
mesmo tempo retomar lutas e reorganizar o ME como força social, de forma que a
criação das “Semanas, encontros, reuniões e outras formas, que carecem de um
maior aprofundamento na discussão do eixo político que deve nortear estas
atividades” vem de encontro à elaboração de estratégias de organização política de
caráter nacional em defesa da democracia. Ver: “Convocação”, SP, março de 76,
Comissão Universitária e Comissão Permanente de Defesa dos Direitos
Humanos/Unicamp, em anexo).
148
Em 1977, as formas de reinvindicação mais radicais
desenvolvidas no ano anterior - de "ocupação" dos espaços
acadêmicos - ganham intensidade e articulação através das
passeatas e da realização de grandes mobilizações em caráter
nacional como os "Dias Nacionais de Protesto", os "Dias
Nacionais de Luta", as "Semanas de Lutas pelas Liberdades
Democráticas", as "Semanas por Liberdades Democráticas e
Melhores condições de vida"; movimentações que conferem
uma maior abrangência às denúncias e às pressões, e mais do
que isso, passam a tecer uma verdadeira "rede" de
solidariedade contra as punições aplicadas nas faculdades impulsionando novas greves e inclusive a participação
estudantil nos protestos e movimentos de outros segmentos
sociais como nas comemorações operárias de 1º de maio154.
Ao longo deste ano vemos ainda se multiplicar as
manifestações contrárias aos processos de jubilamento,
aumento de taxas e passagens, cortes de verbas, etc.. que
agora transcendem os limites das faculdades e universidades
para buscar articular suas questões "específicas" às questões
sociais; movimentações, neste sentido, que realimentam a
opção pelas "entidades livres" enquanto procuram estender as
denúncias sobre a "crise" da Universidade aos espaços e fóruns
mais amplos da sociedade (como à SBPC, aos sindicatos em
reorganização, à agremiações civis em reestruturação).
Os acontecimentos da USP são elucidativos. Desde o
154O
período de "agitações" sociais vivido em 1977 é muito importante de ser
considerado porque a expresssão mais articulada de manifestações sociais de caráter
público impulsiona o fenômeno de organização política, dotando-a de projetos ainda
fortes em seus fundamentos, estratégias, programas. Analisar como estas
movimentações se desenvolvem é também avaliar as heranças e as práticas políticas
que se acham presentes no momento em questão. A análise das movimentações
estudantis, em toda a sua dubiedade, conflitos internos, projetos de organização...
refletem este pulsar político que de qualquer forma, é legítimo ainda nesta fase.
149
início do ano letivo acumulam-se atos políticos na frente da
Reitoria e no dia 30 de Março cerca de 3000 estudantes,
contrariando a proibição do governador de Estado saem em
passeata pelas ruas de São Paulo para denunciar a situação de
crise desta Universidade. O trajeto original da passeata aponta
o Largo do Arouche como centro das manifestações, o que
provoca um bloqueio de ruas centrais com o envolvimento de
cêrca de 70 mil policiais militares e civis e 1500 da tropa de
choque da Polícia Militar. Os estudantes, por sua vez, mudam o
itinerário e realizam a manifestação no Largo de Pinheiros com
pleno sucesso, lendo sua "Carta Aberta à População" (redigida
pelas diretorias dos DCEs da USP e PUC-SP) de denúncia sobre a
implantação do ensino pago na USP, a alta do custo de vida e a
necessidade da defesa do ensino gratuito. Este ato político
configura uma tamanha ousadia que ele abre caminho para a
instalação de uma Comissão Especial de Inquérito na Câmara
dos Deputados - que chega a apurar um corte de 35,8% das
verbas desta Universidade com relação ao ano anterior. O
Governo de Estado a partir de então é obrigado a abrir debates
e negociar acordos 155.
155
Entre o final de março e o meio do ano ocorre uma seqüência de passeatas, de
greves e manifestos à população em São Paulo e em vários Estados que acabam por
provocar um descontrole acadêmico, policial e governamental. Neste ano, após a
passeata de 30 de março – em protesto público contra o ensino pago e aumento das
anuidades – a denúncia estudantil leva deputados estaduais a pedir a abertura de
uma Comissão Especial de Inquérito para apurar a questão das verbas da USP ao
mesmo tempo em que o Reitor Orlando Marques de Paiva antecipa a utilização dos
recursos do segundo semestre. De qualquer forma, um estudo realizado pelo
Conselho Universitário indica que a USP sofre em 1977 um corte de verbas de 35,8%
m relação ao ano anterior. Em maio, o Dia Nacional de Luta pela Anistia (9 de Maio)
é marcado por acontecimentos diversos, seguindo-se um volume de manifestações
que provocam a proibição pelo MEC do IIIº ENE (marcado inicialmente para 4 de
julho, mas só realizado em 22 de setembro). Em julho, o Dia Nacional de Luta pelo
Fim das Prisões e Torturas (15 de Junho) se realiza na forma de passeatas relâmpago
que por mais de 3 horas se manifestam pelas ruas do centro de São Paulo até reunir
150
As manifestações estudantis no espaço acadêmico e
público de 1977, por sua vez, reforçam o esforço maior de
recuperação de uma "identidade política" social para este
movimento alicerçada no passado. Veremos se recompôr as
"entidades" civis que pretendem, efetivamente, reconquistar o
espaço público - as UEEs, a Comissão Pró UNE e enfim, a
própria UNE - por meio de uma reorientação da dinâmica
interna das lutas estudantis em prol de um projeto de
transformação da sociedade. Este percurso, por sua vez,
mobiliza os mais diversos esforços, desencadeando um
processo no qual os Encontros Nacionais de Área, os diretórios
(livres e oficiais) e as demais formas de organização política e
cultural (diretórios universitários, centros acadêmicos, centros
de estudos, etc) são "convocados' a recriar a institucionalidade
destas entidades.
Em sentido inverso, o Governo Militar procura deter no
período 75/79 o extrapolamento inevitável destas
movimentações para o espaço público através da adoção de
novas medidas restritivas, o que amplia e deixa ainda mais
evidente os mecanismos repressivos utilizados na esfera
"privativa" do espaço acadêmico156. A truculência do coronel
cerca de 5000 estudantes no Largo de São Francisco para leitura de um manifesto à
população. Os estudantes ficam sitiados e a polícia reage com violência realizando 65
prisões em meio de dezenas de feridos. No Rio e em outras cidades, presenciam-se
processos semelhantes, conforme registra A Volta da UNE nas páginas 30/31.
156Em 75, além de se intensificar os procedimentos de jubilamento, a administração
amplia o seu controle sobre o espaço acadêmico contando com a atuação policial e
com a existência de mecanismos mais aprimorados de censura. No texto intitulado
"Por que calaram a Boca de Calabar?" temos uma análise desta mudança de perfil da
censura que desde 73 busca se dotar de uma forma jurídica própria - como o
conselho superior de censura. No Boletim dos estudantes de economia da UFBa
(n13, fev de 75) encontramos registro da "proibição por parte da Reitoria de toda e
qualquer atividade do CUCA - sociedade civil universitária, oficializada em cartório e
reconhecida pelos estudantes - dentro das escolas da UFBa", ou ainda, no Boletim do
DCE da UFBa de 19/02/75, nota sobre a censura à distribuição de folhetos estudantis
151
Erasmo Dias no trato com os estudantes reunidos na PUC-SP
para o III Encontro Nacional de Estudantes, por exemplo,
confere um significado especial a estas lutas e se presta a
confirmar a veracidade das denúncias 157.
Em todo este conjunto, marcado pela gravidade do
contexto da reforma da Universidade pública, pelas
contradições dos discursos oficiais e pela existência efetiva de
processos repressivos sobre a sociedade civil, as
movimentações estudantis voltam a ocupar, por um breve
tempo, um lugar especial no cenário social em defesa da
Universidade e da democratização do país158. No entanto, em
pouco tempo, os estudantes voltam a enfrentar um novo
campo de dificuldades oriundo, desta vez, de situações geradas
pelos limites de suas próprias concepções e propostas de
organização política.
Conforme sugere o Jornal Avesso, de 1977, a disputa
nesta universidade.
157 A repressão à realização do IIIº ENE é grande e se explica pelo medo da
reorganização da UNE. Temos um relato no Boletim Metropolitano da UFPe (entre
outros) no qual a mudança de data (de um dia para o outro) procura confundir o
aparato policial ao mesmo tempo em que a Executiva Nacional de DCEs (comissão
voltada a organizar o encontro) marca para nova data (22 de setembro) a realização
de um Dia Nacional de Protesto Contra a Repressão ao Encontro. A assembléia de
protesto dos estudantes da USP e PUC ocorre na parte da manhã, enquanto que ao
meio dia o III ENE é realizado em uma sala de aula da PUC-SP. Ao mesmo tempo,
uma Assembléia Metropolitana se desenvolve na PUC-SP, prolongando-se até o final
do Encontro em pról de sua defesa. A noite, para concretizar o Dia Nacional de
Protesto, realiza-se novo ato com cerca de 2000 estudantes, momento em que a
polícia dispersa a manifestação com violência, arrancando alunos e professores das
salas de aula, depredando e saqueando as dependências das entidades do campus,
inclusive o DCE (Nota de protesto da PUC, Folha 24/09/77)
158Nas cartas programas da USP de 1977, as análises das tendências acêrca da
trajetória das movimentações deste ano são claras. Para a Liberdade e Luta: "O
caráter dinâmico deste movimento é alimentado pela situação de crise política e
economica da ditadura, o qual seguidamente abre brechas por onde tem penetrado a
mobilização massiva dos estudantes"
152
das tendências nas assembléias demarca um momento no qual
o movimento se torna inteligível aos seus participantes, ou
quando a vida da entidade se revela, de fato, clandestina. Neste
caso, o procedimento de deixar "escuso" o jogo das relações
políticas pelas organizações partidárias acaba por contribuir
para ampliar a própria exclusão estudantil das suas
"entidades". As falas cifradas, a descaracterização das práticas
"específicas" ou ainda as lutas intestinas que tomam conta das
assembléias são desdobramentos deste percurso. No mesmo
sentido, o privilegiamento das lutas pela transformação da
sociedade quando se desatenta da problemática interna e
cotidiana da Universidade, deixa de abranger, captar e
incorporar suas questões mais concretas e imediatas para as
"lutas gerais", opção que perde rapidamente a sustentação
entre as "massas" de estudantes.
Como decorrência, a "crise" de identificação que este
movimento passa a viver - entre suas esferas mais altas e as
bases de atuação - é capaz de tornar "estranho" o próprio
corpo centralizado e "reconstruído" do movimento, cada vez
mais afastado do projeto primordial de compreender e intervir
sobre uma Universidade progressivamente privatizada,
sucateada e descaracterizada. Neste sentido, ainda em l978,
presenciamos um sério esvaziamento de DAs e CAs, além de
problemas de legitimidade que já se abatem sobre entidades
civis "reconstruídas" (entre elas, algumas UEEs). Segundo o
documento "Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para
uma Prática Revolucionária" de Américo Antunes:
"É (..) num quadro de estrangulamento da democracia
interna do movimento, de verticalismo da atuação das
tendências, de abandono das lutas cotidianas, de falta de
perspectivas, que se realiza, no segundo semestre de 78, o
IVº ENE. Dois temas polarizaram o Encontro: o Congresso
153
de fundação da UNE e, as eleições parlamentares de 78. No
primeiro ponto, a vitória dos setores combativos do
movimento, marcando o Congresso para maio de 79. No
segundo ponto: o apoio dos estudantes aos candidatos
populares do PMDB"159
Na ocasião da recriação da UNE, em 1979, algumas
representações de Encontros de Área já apresentam
discordâncias com relação às orientações da nova entidade,
registrando-se um enfraquecimento estrutural da participação
política nos fóruns tradicionais reconstruídos.
Em uma conclusão apenas parcial, importa considerar
que o ano de 1980 encerra uma década de imensos desafios
com várias conquistas e muitas derrotas, mas acima de tudo,
com um saldo de realizações que compõe uma verdadeira
"aventura" política de caminhos e desvios no qual a política, em
si mesma, ganha múltiplas formas, motivações e realizações.
São boicotes a restaurantes, encontros de área, tentativas de
mandato de segurança, plebiscitos, protestos variados,
campanhas e lutas (contra o contra o jubilamento, pelo ensino
público e gratuito), seminários, simpósios, semanas culturais,
centros culturais, comissões, diretórios, publicações, conselhos
de representantes, greves a aflorar dos mais diferentes lugares
a partir do propósito comum de articular e encaminhar as
diferentes resistências à transformação da Universidade e da
sociedade brasileira. Não há como falar de política sem ser
através da criação e da paixão; e esta é uma grande herança.
159
Américo Antunes. Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para uma Prática
Revolucionária. São Paulo, Editora Aparte, 1983, p20
154
OS DESEJOS DE REALIDADE
155
CAPÍTULO 2
NO PLANO DAS MILITÂNCIAS: A TRANSFORMAÇÃO DOS
PARADIGMAS POLÍTICOS
"A mutação é muito difícil, de uma consciência aprisionada
e aprisionadora, ela imediatamente identificará no novo a
bruxaria, o desconhecido, o irracional, pois o entendimento
do novo implica sempre na construção de uma razão nova,
numa percepção aberta, viajante, pesquisadora,
participante, disposta a tudo, a erros e a desvio de
caminhos. O novo não têm expectadores, não têm críticos"160
As transformações que se estabelecem no interior das
entidades e agremiações estudantis se relacionam também
com a transformação das militâncias políticas161, o que em
vários aspectos transcende à problemática propriamente dita
da reforma da Universidade.
O período pós-68, na verdade, se traduz em um
contexto de muitas indefinições, rupturas e desafios, ou ainda,
de "desencontros" dos projetos revolucionários expostos aos
limites de suas opções e práticas vanguardistas, ao mesmo
tempo que contemporâneos ao afloramento de uma dinâmica
160"Carta
aberta a Sábato Magaldi" de Zé Celso, citada por Buarque de Hollanda,
Heloísa. Impressões de Viagem, op. cit. p.72
161 Antes de mais nada, gostaria de exclarecer que nossa pesquisa encontra limites
no trato das variações mais profundas das organizações de esquerdavigentes no
movimento estudantil dos anos 1970. Apesar de considerarmos tratar-se de questão
da mais alta relevância (motivo deste capítulo), nossa pesquisa procurou trabalhar a
partir das “semelhanças” existentes entre estas várias correntes – propiciadas, de
forma particular, pelo caráter leninista vigente em suas concepções de organização e
militância. Neste sentido, são necessários novos estudos acerca desta temática
específica, ou ainda, no universo das “diferenças” estabelecidas entre as mesmas
organizações.
156
coletivista de perfil político-cultural que escapa em boa medida
às concepções organizadas vigentes no período imediatamente
anterior162.
Na verdade, desde o final da década de 60, a entrada
em cena de elementos da contracultura acirra o conflito entre
práticas políticas mais ortodoxas e a produção cultural mais
ampla, em um momento no qual a emergência de certas
discussões estéticas - como o Tropicalismo - desencadeia um
confronto de leituras e práticas relacionadas à arte e à política.
Questões como sexo, prazer, rock, drogas que já compõe o
repertório juvenil do período se encontram fora dos limites
deste movimento de perfil organizado, o que provoca situações
constrangedoras como as do Festival da Canção quando
Caetano Veloso é vaiado por cantar "é proibido proibir", uma
música inspirada nos acontecimentos internacionais estudantis
daquele ano. De fato, o lema retirado de um grafite do
movimento francês expressa um dos elementos da crítica que
estas movimentações fazem às práticas organizadas de
esquerda no período, o que implica concretamente em uma
crítica às práticas políticas organizadas brasileiras que em lugar
de apresentar preocupações, experimentações e ensaios
políticos mais abrangentes (inclusive de fisionomia "libertária")
reafirmam o projeto de revolução social de perfil partidário que
se encontra no centro das críticas de muitas destas
manifestações internacionais.
De qualquer forma, as perspectivas de "reconstrução"
institucional do movimento já se estabelecem no curso dos
162Encontramos
em algumas obras literárias registros deste momento como em: Ana
Maria Machado. Tropical Sol da Liberdade:A história dos anos de repressão e da
juventude brasileira pós-64 na visão de uma mulher. Op. Cit.; Fernando Gabeira. O
Que é isso, Companheiro? Rio de Janeiro, Edit. Guanabara, 1988 34º edição; Alfredo
Sirkis. Os Carbonários: Memórias da guerrilha perdida São Paulo, Círculo do
Livro,1980.
157
anos 70 dentro de uma dinâmica participativa cujas concepções
políticas se acham em transformação. As vanguardas
organizadas em condição de clandestinidade vivem um
processo de revisão no mesmo instante em que se dissemina
entre os estudantes uma crítica maior dos mecanismos
centralizados, burocráticos e autoritários de gestão política oriundos do próprio percurso de repressão, autoritarismo e
isolamento imposto ao universo acadêmico e social; de forma
que a busca por recuperar novas possibilidades de vivência e
articulação no espaço da Universidade e do diretório se dá a
partir da construção de uma dinâmica "alternativa" de vida e
gestão política, distinta, em muitos aspectos, das perspectivas
anteriores163.
As memórias militantes e a análise documental dão
pistas deste repensar político mais amplo que se relaciona com
uma crítica mais profunda do caráter corporativo e partidário
da organização política tradicional, do caráter burocrático das
relações, da cultura e de sua relação com a política, de forma
que são as manifestações culturais, antes de mais nada, que
propiciam condições de rearticulação política ao apontar uma
perspectiva de ação coletiva "alternativa". As experimentações
que se fazem presentes, assim como as leituras de "realidade"
e definição de estratégias de resistência se aproximam das
reflexões e atividades culturais vigentes em um processo
chamado por Heloísa Buarque de Hollanda em Impressões de
Viagem de "pós tropicalista"164
Os depoimentos recolhidos por nossas pesquisas dão
sinais desta transformação militante que pouco a pouco ganha
163
Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos
anos 60. Op. Cit., pp 4/9
164Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e
Desbunde: 1960/79. São Paulo, Brasiliense, 1981, p53/87
158
articulação por meio de questões como a música, os padrões
comportamentais, o teatro, o cinema, as discussões estéticas e
que nos levam a redimensionar situações aparentemente
secundárias como as festas regadas a "chopp" e música dos
"Beatles"165 ou a presença de referenciais culturais europeus a
influenciar as práticas organizadas166 como aspectos cruciais
desta década.
Em meio aos processos violentos de repressão, de
esgotamento de algumas leituras e práticas e da entrada em
cena de novas questões (como a contracultura) têm lugar a
constituição de outros projetos e a emergência de uma crise
mais profunda das convicções políticas, em um processo
complexo e conturbado de variações comportamentais e
políticas, acusações e constrangimentos. A construção efetiva
de um movimento "alternativo" de fisionomia político-cultural
nos primeiros anos da década alimenta um processo mais
abrangente e duradouro de enfrentamentos e articulações que
com o passar do tempo possibilita a reconstituição das
"tendências políticas" marcadas, em vários aspectos, por um
"alargamento" - no aspecto cultural - de suas concepções
políticas organizadas.
159
NO UNIVERSO DAS PRÁTICAS ORGANIZADAS
"Não houve uma interrupção, mas tudo se transformou"167
Os estudos sobre as atividades políticas dos estudantes
no período 64/68 têm trazido contribuições importantes para
uma interpretação mais profunda das organizações de
esquerda brasileiras e sua atuação no movimento estudantil, o
que no entanto não se têm feito acompanhar por um número
maior de reflexões sobre a questão da cultura entre as
manifestações estudantis e suas relações com o universo
político168.
Já o período pós-1968 carece de dados, inclusive, acerca
das organizações de esquerda no interior deste movimento, o
que dificulta o nosso trabalho investigativo em função da
importancia que estas organizações desempenharam ao longo
de seu processo de reestruturação e transformação nos anos
70. Na verdade, são várias as questões a se considerar no bojo
de uma relação tão complexa como a estabelecida entre
política e cultura no universo estudantil.
Como diria Daniel Aarão Reis Filho em debate com
167
Antonio Marcelo. Ensaio Geral. São Paulo, Alfa-ômega, 1978, p32
inúmeros os estudos sobre o movimento estudantil que enfocam a atuação
dos grupos organizados de esquerda, a começar por O Poder Jovem, de Artur
Poerner e O Movimento Estudantil e a Ditadura Militar, de João Roberto Martis
Filho, entre outros. De fato, o lugar que as organizações ocupam no percurso do
movimento chega perto de se confundir com o movimento em si mesmo, de forma
que se torna frequente analisar estas experiências pelo enfoque político da leitura
propriamente organizada, matizada pela relação vanguarda x massa, a partir da qual
toda a trajetória do movimento passa a ser recuperada e explicada. Em nosso caso,
interessa-nos conhecer um pouco mais de perto esta influência para, inclusive,
perceber os desdobramentos que suas revisões militantes ocasionam no movimento
em "reconstrução" nos anos 70, ou ainda, o quanto elas partilham das
transformações de Universidade e dos outros referenciais políticos que se fazem a
partir de então colocados.
168São
165
Depoimento de Geraldo Siqueira, ex-militante da Tendência Refazendo (USP) a
Virgínia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil
brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
166Depoimento de Vera Paiva, da Tendência Refazendo da USP, a Virgínia Camilotti,
Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História
Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
160
Roberto Schwartz na Unicamp durante o Seminário "O Golpe
de 64: 30 Anos"169, há muito ainda o que desvendar da
conjuntura riquíssima que precedeu ao golpe de 64 no aspecto
das articulações e efervescências político-culturais que
acompanharam a entrada em cena dos movimentos sociais no
cenário público do início da década. Segundo Roberto
Schwartz, foi neste contexto que o movimento estudantil
ganhou a densidade e a seriedade de luta social que o habilitou
a "emprestar" a outros movimentos sociais, o seu tempo e sua
liberdade, promovendo-se uma aproximação surpreendente
entre intelectualidade e luta popular.
Em seu entender, no período anterior a 1964, o
patrocínio do Estado de uma situação cultural muito especial à margem do mercado - abriu espaço para o desenvolvimento
de experiências culturais muito ricas, capazes de fornecer aos
estudantes um repertório de soluções artísticas fundamental à
sua adaptação à luta social, ou ainda, à construção de novas
respostas à luta social; como no caso do teatro épico
desenvolvido no CPC da UNE, que configurou uma experiência
de teatro de agitação não pagante e com fisionomia
vanguardista em cujo centro se constituiu a discussão da luta
de classes; ou as inovações estabelecidas no campo musical a
partir da associação entre poesia modernista e música popular.
Estas experiências, no entanto, foram interrompidas ou
cerceadas (em seu sentido e dinâmica original de produção)
pelo golpe de 64, que ao mesmo tempo que comprometeu a
concretude da relação estabelecida entre cultura e política,
lançou mão destes instrumentos de "desconvencionalização"
da cultura para sua utilização dentro de uma outra lógica.
Neste caso, em lugar da relação estabelecida entre as
169
Seminário “O Golpe de 64: 30 anos” promovido pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Unicamp, 21 a 24 de março de 1994
161
produções artísticas e o universo dos conflitos sociais, temos a
construção e a consolidação de uma cultura de massas (e de
um parque industrial de cultura) afinada às questões
ideológicas da ditadura em curso, o que entre outras coisas
permite ao Estado interferir de maneira profunda na dinâmica
das movimentações socias e nas experimentações culturais
vigentes na sociedade em termos mais amplos170. Por outro
lado, apesar das questões e experimentações culturais teremse feito primordiais às movimentações estudantis da primeira
fase da década, a partir de 1964 os processos de radicalização
se estabelecem em outros termos, sendo que agora as
organizações de esquerda, enquanto tais, ocupam um papel
decisivo nas definições e dinâmicas deste movimento. Segundo
João Roberto Martins Filho171, a influência das organizações é
de tal monta que este movimento deixa de se constituir uma
expressão das classes médias para refletir os posicionamentos
das lideranças que defendem a revolução social.
Para Marcelo Ridenti, em O Fantasma da Revolução
Brasileira, na proporção em que o movimento estudantil ocupa
um lugar mais expressivo entre os movimentos sociais deste
período, cresce o número de estudantes organizados (com
vínculos com o PCB, com as dissidências ligadas à luta armada,
com a AP e a POLOP), ou ainda, o número de estudantes nos
quadros de esquerda. Em relação ao movimento estudantil, os
seus cálculos apontam que na primeira fase da década, o
número de estudantes organizados não alcançava 2% dos
militantes, passando na fase pós-64 a atingir cerca de 30%. Em
relação ao número de estudantes nos quadros das esquerdas, o
170Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo, Ed. Brasiliense,
1985, p.79/126; Renato Ortiz. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura e Indústria
Cultural. São Paulo, Brasiliense, 1988, p113/148; Sérgio Miceli (org). Estado e Cultura
no Brasil. São Paulo, Difel, 1984
171 João Roberto Martins. Op.Cit, p.102
162
número oscila conforme a organização, mas no período de
maior radicalização e opção pela luta armada chega a constituir
50% dos militantes, com fortes reflexos sobre o fenômeno de
radicalização e conflito. Dentro destas considerações, aliás,
vários estudos têm trazido dados sobre os vínculos que então
se estabelecem entre as esquerdas e as movimentações
estudantis, e mais do que isso, têm procurado trabalhar com o
fenômeno de transformação política que em ambos os casos se
estabelece. Segundo Marcelo Ridenti:
"As evidências vão no sentido de que a maior parte dos
universitários que aderiram às esquerdas em geral, e às
armadas em particular, politizaram-se enquanto
estudantes depois do golpe, ainda que vários líderes do ME
antes de 1964 tenham tido atuação destacada nas
esquerdas, e que a ausência de reação ao golpe militar
tenha contribuido para gerar a indignação e a revolta da
geração estudantil formada entre 1964 e 1968. Entre 1966
e 1968, a UNE e outras entidades foram representativas
senão do conjunto dos estudantes, ao menos dos amplos
setores que participaram do ME, com maior ou menor
empenho"172
Esta maior adesão às organizações de esquerda se
constitui parte de uma transformação mais profunda das
concepções e das experiências políticas estudantis, motivada
em grande medida pela gravidade das questões que se fazem
colocadas pela ditadura militar e implantação do novo modelo
econômico. Neste aspecto, o movimento que "renasce" após a
decretação da Lei Suplicy de Lacerda em 1964 é marcado por
posicionamentos, formas de resistência e rearticulação política
que pouco a pouco adquirem uma fisionomia (e concepção)
clandestina de ação política. O cerceamento e o controle
172Marcelo
Ridenti. O Fantasma da Revolução Brasileira. Op cit, p.138
163
instaurado sobre os diretórios permite uma aproximação entre
posições divergentes, a "ascensão" das organizações de
esquerda e mais do que isso, uma alteração de entendimento
(e papel) das próprias agremiações acadêmicas. Nas palavras de
Ridenti:
"No combate às medidas autoritárias contra a
Universidade e contra a livre expressão do movimento
estudantil, uniam-se momentaneamente os estudantes
liberais e os de esquerda em nome da quase totalidade dos
universitários (..) Passado o trauma do golpe, os
estudantes reorganizaram-se e, por volta de 1965, na
esteira do combate à lei Suplicy, as esquerdas
universitárias foram-se rearticulando "173
A alteração de sentido dos diretórios, por sua vez, vem
da sobreposição de uma estrututura e dinâmica partidária
clandestina em relação à dinâmica política tradicional - já
marcada, segundo Guilhon Albuquerque, pela presença de
grupos e correntes políticas nas estruturas de gestão - sendo
que agora os grupos clandestinos desenvolvem através das
agremiações "de massa" propósitos políticos ainda mais
específicos. Em sentido inverso, as militâncias de esquerda
adquirem um perfil mais jovem que as aproxima do "clima
político e cultural dos anos 60"174 e motiva a adoção de
procedimentos mais radicais inspirados nos acontecimentos
internacionais da revolução cubana (em especial, a guerrilha de
Che Guevara) e chinesa.
"Reconstruir" os diretórios, neste contexto, implica
imprimir um significado mais engajado de transformação social
ao movimento a partir do que as organizações clandestinas
173
174
Ibidem, p.127
Ibidem, p.221
164
165
"A luta contra os acordos MEC-USAID, por exemplo, unia
tanto aqueles setores da liderança estudantil que
privilegiavam a luta contra a ditadura, caso da AP (os
acordos eram vistos como expressão do imperialismo,
representado pela ditadura militar), quanto os setores da
vanguarda estudantil, que buscavam a ponte entre as
reivindicações específicas e as políticas (..) A ênfase nas
reivindicações específicas do estudantado levou as
dissidências estudantis do PCB à conquista de entidades
como a UME carioca e a UEE paulista, que conduziram os
amplos protestos de rua de 1968. Essas dissidências
ganharam também um pêso ímpar na diretoria da UNE,
ainda que o presidente eleito no XXIX Congreso daquela
entidade fosse da AP, Luís Travassos (..) Vale dizer, a AP
tinha quatro membros na diretoria, as várias tendências
disssidentes do PCB contavam com três representantes e a
POLOP (depois POC), com outros três. A diretoria
funcionava em colegiado e esteve à frente do estudantado
no ano convulsivo de 1968, que teve em São Paulo, e
principalmente no Rio, as maiores manifestações de
massa. Nas duas cidades as entidades estudantis de maior
peso estavam ligadas às dissidências do PCB: a direção da
UNE carioca era da DI-GB, futuro MR-8; a UEE paulista era
da DISP (a maior parte da Dissidência Estudantil de São
Paulo, DISP, acabaria integrando-se à ALN)"176
passam a disputar cargos e funções nas agremiações
consideradas estratégicas para a direção das "massas"
estudantis. As dissidências do PCB, por exemplo, participam da
"reorganização" das entidades estudantis de algumas
faculdades do Rio de Janeiro, como esclarece Ridenti referendando-se em Daniel Aarão Reis Filho:
"o entrelaçamento do DI-GB [Dissidência Guanabara] com
o movimento estudantil carioca tenderia a aprofundar-se
nos anos seguintes, especialmente durante 1968, quando
já havia rompido com o PCB e exercia liderança inconteste
no movimento, conduzindo as principais entidades
estudantis, como a UME"175
Ridenti observa que no caso da DI-GB (Dissidência
Guanabara), a organização possui uma preocupação de separar
os processos de organização clandestina das peculiaridades e
relativa autonomia da luta estudantil; o que no entanto não
altera o fato de que ao se sobrepôr ao que considera como
movimento de "massas" a direção clandestina desenvolva no
interior das entidades uma outra estrutura de poder
responsável por alterar a configuração original destas
agremiações, a começar pela restrição do acesso aos projetos
de vanguarda (de fisionomia clandestina) que são conhecidos
apenas nos aspectos que interessam à promoção de
articulações mais amplas com outros movimentos e
organizações. A novidade deste contexto diz respeito, então,
não propriamente à presença de organizações de esquerda no
meio estudantil, mas à transformação das ações políticas
estudantis através das práticas partidárias de esquerda. Nas
palavras deste autor:
No Congresso da UNE de 1967 já podemos encontrar
posicionamentos políticos que refletem estas divergências
presentes entre as esquerdas brasileiras, em particular os
posicionamentos trazidos pelas dissidências do PCB que
introduzem na discussão deste Congresso as idéias de Régis
Debray (Revolução na Revolução)177. Na ocasião, segundo o
176
Ibidem, p129
Segundo Artur Poerner: “...O Congresso de 67 sofreu influência marcante do
pensamento exposto por Régis Debray em seu Révolution dans la Revolution - obra
cuja circulação o Governo proibiu oficialmente em todo o território nacional, embora
seu texto, traduzido e mimeografado fosse amplamente conhecido pelos estudantes.
177
175
Ibidem, p.137
166
documento "Uma História do ME 1960/1974" havia três
concepções políticas a liderar as discussões:
"a esquerda cristã de origem católica, as disidências do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a frente Universitária
Progressista (FUP) que expressa proposta do PCB para o
movimento estudantil"178
As organizações de esquerda estudantil, por sua vez,
apresentam divergências com relação às revisões que neste
Surgiu assim a corrente estudantil debreísta, radical e romântica, voltada contra o
que denominou de ‘mero reformismo’ dos comunistas, praticamente alijados do
movimento estudantil”. O Poder Jovem, p289. Ainda sobre o estudo de Debray, ver:
Regis Debray. Revolução na Revolução. São Paulo, Centro Editorial Latino Americano,
trad. Olinto Beckerman, s/d
178Segundo este documento s/d, s/autor, nas pp.16/17: "As concepções políticas
mais importantes do 30º Congresso foram: Maoísmo populista: o ME por intermédio
da pequena burguesia radicalizada é parte integrante do bloco das quatro classes,
isto é, a aliança do proletariado com a burguesia nacional, a pequena burguesia e o
campesinato. O O ME terá a função de apoio a esta 'frente popular'. O combate
contra a Universidade capitalista é subestimado dando-se principalidade à aliança da
da frente popular. O ME deve 'ir às massas', 'aprender com elas', 'ir ao povo buscar a
verdade'. Repete-se a fórmula da revolução por etapas do PCB (a primeira etapa é a
de libertação nacional ou democrático burguesa) aliada a um ultra-esquerdismo na
ação (o grande objetivo do ME era a ida às ruas, mesmo quando isto tinha
consequências desmobilizadoras, não se apresentando alternativas de organizar os
estudantes em níveis mais avançados. - Universidade Crítica: a Universidade é
colocada como a consciência crítica da sociedade, dando-se ao ME e sua vanguarda
a função de lutarem por uma estratégia de negação ideológica da Universidade
capitalista. Esquece-se que o Sistema de Ensino é um dos problemas do poder político
e do controle da sociedade pelos trabalhadores. Dissidências comunistas: a defesa da
revolução socialista e a integração do ME na luta dos trabalhadores são os pontos
estratégicos principais de seu programa. As lutas políticas estudantis são
desenvolvidas com ampla participação, saindo fortalecidas as suas entidades.
Contudo, esta política de fortalecimento do movimento estudantil e suas entidades é
prejudicada pelo deslocamento de líderes estudantis do trabalho universitário para
as atividades envolvendo ações armadas, acelerando o processo de esvaziamento do
movimento estudantil. Esta orientação foi fruto das concepções políticas que davam
uma importância proponderante às vanguardas armadas, substituindo-se mesmo o
papel da classe trabalhadora como motor da história".
167
contexto de recrudescimento começam a acenar para a luta
armada como opção de ação política, e na medida em que um
maior número de estudantes organizados ou simpatizantes,
desiludidos com o "limite" do movimento estudantil, se vincula
à esta opção (proporcionando, segundo Guiomar Lopes
Calezan, em Ridenti179, o próprio crescimento da luta armada),
eles conferem à luta política estudantil uma postura de
"vanguarda". Os projetos políticos mais radicais, neste caso,
procuram suplantar o movimento para buscar vínculos sociais
mais abrangentes em nome da revolução: os projetos de
inspiração guevarista propõem a luta armada no campo; os de
caráter maoísta pregam a necessidade de proletarizar os
quadros militantes por meio de uma inserção nos espaços da
produção180.
Os estudantes que ingressam no universo clandestino
das práticas de guerrilha urbana e rural chegam em alguns
casos a constituir organizações armadas a partir deste mesmo
movimento, como no caso das dissidências do PCB (ocorridas
no Rio e na Guanabara, a partir de 1966) que vão compôr dois
grupos denominados por MR-8 ou a dissidência da POLOP, que
vai constituir a COLINA (a partir de 1967, com expressão em
Minas Gerais e Rio). Outros grupos organizados com atuação
destacada no movimento estudantil como no caso da AP e da
POLOP não se envolvem com a luta armada mas têm parte de
seus militantes transferidos para esta opção, o mesmo
acontecendo com o POC (continuidade da POLOP em
articulação com a DI do PCB do Rio Grande do Sul, composta
por 40,6% de estudantes) e com o PCBR (com participação de
cêrca de 40% de estudantes).
179Marcelo
Ridenti. Op. Cit., p133
nos estudos já citados de João Roberto Martins Filho, Daniel Aarão
Reis Filho, Marcelo Ridenti e Artur Poerner uma discussão atenta sobre esta questão
180Encontramos
168
Para Ridenti, "A ligação entre o movimento estudantil e
as organizações de esquerda estreitava-se entre 1967 e 1968"181
, período no qual o governo militar consolida sua política em
relação à Universidade e ao movimento estudantil, e no qual se
articulam movimentações que almejam ao mesmo tempo
transformar a Universidade e recusar a ditadura militar. As
dissidências, de maneira especial, inovam nos procedimentos
coletivos ao resgatar as "lutas específicas" como eixo maior da
luta contra a ditadura, de forma que durante o ano de 1968,
todo um conjunto de atividades relacionadas à reforma da
Universidade é colocado em prática, inclusive o projeto
estudantil de cursos piloto, comissões paritárias e experiência
de auto-gestão; experiências que são somadas às lutas no
espaço público com uma nítida intenção de aproximar este
movimento das lutas sociais mais amplas182. Os resultados
desta trajetória são surpreendentes e o movimento chega a
assumir um papel político específico no cenário social. Segundo
o depoimento de César Benjamin (recolhido por Ridenti), em
1968:
"havia uma crise de representatividade política muito
grande. De outro lado, havia um movimento significativo
de resistência ao governo, que tomava o rumo do
Movimento estudantil, que cumpriu certas funções de
partido na época, não no sentido orgânico, mas no sentido
de se formar opinião pública, de ser uma referência de
quadros. E os grupos políticos que tinham hegemonia
dentro dos movimentos acabaram colhendo, um pouco, os
resultados dessa influência social, que foi o que alimentou
169
especificamente a organização (MR-8) na época do
refluxo"183
No entanto, é no limiar desta associação entre
clandestinidade e "luta de massas" - marca importante do
movimento estudantil neste momento - que o XXX Congresso
da UNE organizado pela UEE-SP em um sítio de Ibiúna
experimenta um desfecho trágico: o Congresso é descoberto
pelos órgãos de repressão e os seus cêrca de 700 militantes são
presos nas vésperas da promulgação de medidas mais violentas
e de maior capacidade de contenção e desarticulação política184
- situação que não impede que em 1969, a AP e o PC do B
asssumam a diretoria UNE através da realização do XXX
Congresso da UNE de forma clandestina185 (em um momento
no qual as dissidências do PCB de São Paulo e do Rio
abandonam o movimento estudantil para seguir para a luta
armada). De qualquer forma, estas leituras e modalidades de
luta já se "desincompatibilizam" do universo acadêmico que
passa agora a ser regido pela implantação da lei nº5540/68
colocando os diretórios em grandes dificuldades de
desempenho de atividades coletivas. A opção pela luta armada
entendida por muitos como um "prolongamento" das ações
estudantis enfrenta, então, o isolamento e uma carga
repressiva das mais violentas, pagando preço alto pela
concepção vanguardista que se acha presente entre as
militâncias. Segundo Ridenti:
183
181
Marcelo Ridenti. Op. Cit., p130
182Em 1968: A Paixão de uma Utopia, Daniel Aarão Reis Filho resgata, por meio de
depoimentos, formas de ação originalíssimas presentes no ano de 1968, como a
atuação "celular" de militantes junto a debates e ao repasse de informações, o que
auxilia na intensificação das "explosões" participativas de caráter reivindicativo.
Ibidem, p139
narrada em diversas fontes entre elas, em O Poder Jovem, Op. Cit,
p.302/307; História da UNE: volume 1 Depoimentos de ex-dirigentes, Op. Cit.
p.82/90; A Volta da UNE: De Ibiúna a Salvador, Op. Cit., p.13/15
185 “Uma História do ME 1960-1964”, datilografado, s/d, s/autor. AEL/UNICAMP. Este
documento de grande relevância encontra-se ainda no anonimato, tendo-nos sido
impossível identificar sua autoria.
184Situação
170
"O crescente abandono de participantes do movimento
estudantil pela militância exclusiva nas organizações já era
uma tendência nos grupos guevaristas em meados de
1968, pois eles viam a guerrilha rural como meta
prioritária. O processo acelerou-se com o bloqueio das
atividades políticas no interior do ME, imposto pelo AI-5 e,
depois, pelo Decreto nº477. De pronto, parte das
lideranças e da 'massa avançada' dos estudantes
ingressou, então, na militância clandestina para organizar
a revolução"186
ISOLAMENTO E DESARTICULAÇÃO
A luta armada como alternativa possível de resistência e
revolução social tem origem em um contexto progressivamente
violento de fechamento político e se relaciona diretamente
com as experiências e leituras vigentes entre as esquerdas. De
forma especial, a partir da instauração do AI-5 (em fins de
186Marcelo
Ridenti. Op. Cit. p133
171
1968) quando se configura o fechamento dos canais
institucionais de participação política e a interrupção violenta
dos processos de engajamento e luta política por
transformações e "revolução" social, resta às práticas
organizadas poucas opções de enfrentamento, entre eles a
constituição de agrupamentos armados no campo e na cidade.
Na perspectiva de continuar a agir politicamente (em
um momento no qual se torna urgente defender a vida dos
militantes atingidos pela repressão), as organizações de
esquerda ligadas à luta armada procuram "desmascarar" os
discursos oficiais que cotidianamente mitificam a realidade da
ditadura, ao mesmo tempo que procuram dar prosseguimento
aos ideais de revolução através de ações "espetaculares" (no
aspecto das estratégias militares) entendidas como formas
possíveis de luta política. A guerrilha enquanto "caminho"
político, por sua vez, encontra fundamento na perspectiva de
intervenção social construída "na contra mão" do processo
repressivo, dando o "tom" de seriedade com que se pretende
participar da vida do país marcado pelo fechamento das
instituições políticas, pela suspensão dos direitos
constitucionais, censura a imprensa, funcionamento irregular
da Universidade, repressão sindical e partidária.
No entanto, a luta armada (que nasce fruto da ausência
de outras formas de protesto, reivindicação e defesa) também
se configura como uma situação trágica, como um
procedimento defensivo que ao tentar resguardar o direito civil
de participação política, impõe marcas muito difíceis à
militância; uma opção que por mais que procure se revestir de
um sentido "heróico" e social é incapaz de conter as frustrações
existenciais que emergem das rupturas concretas das
perspectivas de vida social pretendidas anteriormente. Para
Alfredo Sirkis:
172
"Gostaria sim é que nunca mais na história do Brasil se
repetisse uma situação de opressão sangrenta, sufoco total
e fechamento brabo que levasse uma geração de jovens a
tomar as armas"187
Na medida em que as organizações procuram assumir o
lugar deixado pelo esgotamento das demais formas de
contestação e reivindicação política, a experiência de vida
clandestina entra em contradição com os ideários coletivos da
ação política anterior - situação tão bem traduzida por Ana
Maria Machado, em Tropical Sol da Liberdade:
"Para o próprio bem e a segurança de cada um de nós, é
melhor não ouvir conversas, não ver pessoas, não saber
quem estava onde. Assim, o risco fica menor para todo
mundo. De uma forma ou de outra, está todo mundo
tentando resistir, ajudar, fazer alguma coisa. Mas a
repressão é muito dura, ninguém sabe nem o que pode
fazer, por onde começar. Têm gente que vive escondida,
com nome falso, não vai mais aos lugares que
frequentava" 188
Na prática, os problemas, o significado e os custos da
guerrilha ampliam as frustrações e o desencanto de uma
geração que investe, por meio das reflexões e práticas políticas,
na construção de instrumento de transformação social;
perspectiva de "organização" que em pouco tempo se
configura como um "desfecho" destas mesmas proposições
sociais, levando muitas pessoas ao desespero189. As sucessivas
187
Alfredo Sirkis. Os Carbona´rios. Op. Cit., p10
Maria Machado. Tropical Sol da Liberdade: A história dos anos de repressão e
da juventude brasileira pós-64 na visão de uma mulher. Rio de Janeiro, Ed. Nova
Fronteira, 1988Op. cit. p249
189 Segundo Ronaldo Santos, poeta do grupo Nuvem Cigana: “Nesse tempo todo, a
188Ana
173
derrotas trazem contornos pessimistas à avaliação dos
caminhos políticos, além da perda de referenciais e a vivência
de um "vazio existencial" (explicável pelo significado que a
política ocupa entre os projetos de vida coletiva) que abala
profundamente as militâncias de esquerda190. Como sugere
Antonio Marcelo, passa-se a viver:
"A marginalização da própria história na preocupação com
a segurança e o manejo das armas. Lançar-se à luta para
salvar o mundo e terminar apenas tentando se salvar, na
suprema ironia dos atos heróicos"191
Em O Que É Isso, Companheiro?, de Fernando Gabeira,
podemos acompanhar a trajetória de um militante clandestino
nossa grandecamarada foi a loucura. Aprendemos a conviver com ela, com aquela
dor (...) a droga deu o que qualquer alimento dá: deu uma força e deu uma fraqueza.
Porque a droga foi muito difícil para essa geração. Eu acho que quem viveu uma
adolescência nos últimos dez anos participou disso. Eu vejo principalmente que a
droga ensinou essa geração a conviver com aloucura, a despertar a sensibilidade, a
se desligar de uma série de coisas muito objetivas. Isso mudou radicalmente a vida
dessa geração” Heloisa Buarque de Hollanda e Carlos Messeder Pereira. Patrulhas
Ideológicas marca reg Arte e Engajamento em Debate. São Paulo, Brasiliense, 1980,
pp 260/261
190Na obra Ensaio Geral, de Antonio Marcelo, uma entre muitas publicações
memorialísticas produzidas sobre os acontecimentos do pós-64, podemos observar a
carga de "negação" e de indefinição com relação ao futuro que se partilha neste
percurso acidentado de militâncias. Nesta análise, a reação ao golpe de 64 é tratada
como um momento heróico de negação da "realidade" repressiva e de afirmação de
"um novo tempo que haveria de nascer", cujos projetos de transformação social se
achariam baseados muito mais naquilo que se sabia não querer, do que no que
colocar no lugar. As "certezas" estariam sobretudo no caráter coletivo da construção
política, no valor das discussões, e mais do que tudo, no papel que as ações
concretas por mudança desempenhariam no curso dos acontecimentos. Neste caso,
na medida em que os mecanismos de repressão e censura se intensificam, são as
indefinições, a fragilidade das ações individuais e sobretudo as angústias que vem à
tona : "por não saber quando tudo aquilo terminaria, que tempos seriam os que
viriam e para os quais aquele era apenas uma preparação ou um ensaio". Antônio
Marcelo. Op. Cit., p.33
191 Antonio Marcelo. Ensaio Geral. Op. Cit, p45
174
baleado, preso, torturado e exilado, que se vê forçado a
remontar alguma perspectiva política nas condições de
exclusão e isolamento social; ou ainda, em Os Carbonários, de
Alfredo Sirkis, podemos conhecer o cotidiano de um jovem
estudante secundarista de classe média que ao optar pela
militância revolucionária se vê clandestino em plena cidade do
Rio de Janeiro em um contexto no qual diminue cada vez mais
o número de militantes organizados - dando lugar à figura dos
"desbundados", simpatizantes ou militantes que por sua
própria escolha penetram em esquemas mais privados de vida,
em geral acompanhados de drogas. A objetividade guerrilheira
aparece aqui através dos olhos de um jovem pragmático e
convicto nas ações armadas, que de saída nos esclarece:
175
A questão do isolamento e da exclusão política, por sua
vez, não se restringe às militâncias organizadas envolvidas com
as ações armadas194. A interrupção efetiva dos mecanismos
coletivos e de sociabilidade relacionados até então com as
práticas políticas presta-se a desencadear um fenômeno muito
mais profundo de controle social, de forma que a solidão que
começa por ser individual, ganha na verdade um significado
coletivo, e neste caso encontramos em depoimentos de
diversos autores, escritores e militantes os registros de um
sentimento de "auto-exclusão" que passa a tomar conta deste
período. A violência, na verdade, se presta a desmantelar
relações e perspectivas coletivas - entre elas, as mais radicais
como bem expressa Alex Polari neste poema:
"Não tenho nostalgia daqueles tempos mas curto as
vivências, os despertares, as aventuras e os 'cacos de
sonho onde até hoje a gente se corta', como diz Alex numa
poesia do seu Inventário de Cicatrizes"192
Alex Polari de Alverga, aliás, deixa como registro deste
período um sentimento menos aventureiro e mais dramático
da experiência militante, indignado e marcado pela violência:
"Esse silêncio enlouquece
se houvesse mais alguém
seria mais fácil
Hoje veio o médico
falou pro coronel
que ainda dá prá bater
nas minhas costas"193
192
Afredo Sirkis. Op. cit. p10
Alex Polari de Alvarenga. Inventário de Cicatrizes. São Paulo/Teatro Ruth Escobar
e Riode Janeiro?Comitê Brasileiro pela Anistia, 1978, p13
"Juro
não têm auto-crítica
que me tire
as saudades
de uns tiros"195
No mesmo sentido, o isolamento e o cerceamento
convivem com o desenvolvimento da comunicação de massas a
partir do que os discursos oficiais justificam a violência sobre a
juventude e ganham ressonância no bojo de uma sociedade de
características culturais conservadoras. O Governo consegue
coibir as organizações de esquerda através do uso de
equipamentos repressivos mais sofisticados e por meio do
controle das informações no trato da opinião pública incitando
através dos jornais e propagandas televisivas a delação de
194Marcelo
Ridenti. O Fantasma da Revolução Brasileira. Op. Cit. p255
193
195
Alex Polari de Alvarenga. Op. Cit. P48
176
"terroristas". Sirkis dá pistas claras desta manipulação de
informações no episódio do sequestro do Embaixador da
Alemanha quando ocorre um duelo estratégico em torno da
divulgação de questões repressivas - que emanam, antes de
tudo, do próprio Governo Militar. Na verdade, as atitudes
repressivas tem origem nos mais diversos espaços sociais,
transcendendo em muito as ações militares, o que leva a que a
sociedade, em muitos momentos, participe como "delatora"
das práticas culturais/políticas que almejam transformações de
valores e costumes.
177
eleições deste mesmo ano consolidariam uma nova
conjuntura e um novo ciclo no interior da Nova esquerda" 196
A promulgação do AI-5 e do decreto lei nº477 têm um
efeito direto sobre a desarticulação do movimento estudantil
embora existam outras razões que contribuam para uma maior
fragmentação e esvaziamento deste movimento, relacionadas
entre outras coisas, com a própria orientação de adesão à luta
armada, ou ainda, com as limitações que se estabelecem à
rearticulação e renovação das formas organizativas. Segundo o
documento "Uma História do ME 1960-1974", no início dos
anos 70:
A AFIRMAÇÃO DAS SEMELHANÇAS E A FARSA DA REPETIÇÃO
"O ano de 1961 é o marco inicial da Nova Esquerda (..) o
primeiro elo de uma longa corrente que, desde então, não
mais cessaria, quebrando o monopólio da representação
política a que pretendia o PCB desde 1922 (..) Já o ano de
1971 não assinala apenas dez anos de lutas, mas
igualmente o início do fim de um primeiro ciclo da Nova
esquerda, marcado, se assim podemos sintetizá-lo, por
concepções que supervalorizaram a capacidade de ação
das vanguardas no quadro de um suposto impasse
irreversível ao nível da dominação de classe. Pensava-se o
Brasil como um barril de pólvora, uma chama 'ataria fogo
na pradaria' (..) A destruição de mais esta tentativa
fortaleceria a tendência esboçada. Já em 1970, pelos
primeiros documentos autocrítiocos, que, depois de uma
fase de transição prolongada até 1973, se afirmaria
reconhecendo novas realidades, propondo novos caminhos,
inaugurando novas fases, caracterizada pela busca de
formas legais de luta e pela admissão da situação de
defensiva em que se encontravam o movimento popular e
as organizações e partidos de esquerda no Brasil. A
distensão 'lenta, segura e gradual', a partir de 1974, e as
"as organizações estudantis de caráter nacional e estadual,
ou mesmo de âmbito da Universidade (DCEs) foram sendo
definitivamente cassadas e fechadas. A UNE realiza o XXXI
Congresso de forma precaríssima no final de 1970, começo
de 71. Não se pode falar de um congresso à semelhança
dos anteriores, mas sim de pequenas reuniões realizadas
em várias etapas, restritas a parte da vanguarda do ME. A
UNE não consegue elaborar uma política de reaproximação
com o conjunto dos estudantes, permanecendo muito mais
como um símbolo do que como uma organização que
coordene as lutas estudantis a nível nacional. Das UEEs,
que ainda tinham pouca penetração no interior de alguns
estados, restou apenas o DEE do RGS, agora sob a
orientação da Arena"197
Se por um lado a atuação política na instituição
universitária (e na conjuntura política mais ampla) é marcada
196
Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá (orgs). Imagens da revolução.
Documentos Políticos das Organizações Clandestinas de esquerda dos anos 19611971. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, p.12
197
“Uma História do ME: 1960-1974”. Op. Cit, p19
178
por extrema violência repressiva; por outro, os CAs e DAs se
"esvaziam" também em função da realidade das opções
militantes que secundarizam o trabalho nas entidades em
nome de se lutar pela transformação revolucionária da
sociedade; e neste caso, em paralelo às invasões de entidades,
perseguição de lideranças (com a colaboração da direção das
várias faculdades) e afastamento de professores do universo
acadêmico (através de processos de cassação e aposentadoria
forçada) é preciso considerar que a "revolução faltou ao
encontro" e que a presença de revolucionários "sem a
emergência da 'situação revolucionária"198 traz dificuldades
reais para a continuidade das lutas políticas - dentro e fora do
espaço acadêmico. Em A Revolução Faltou ao Encontro, Daniel
Aarão Reis Filho persegue as razões dos vários fracassos e
derrotas comunistas estabelecidos neste período na
perspectiva de apontar e discutir problemas que na verdade
procedem de uma "natureza íntima das organizações
comunistas" e de "fatores de coesão" que "debilitam e
enfraquecem simultaneamente a capacidade dos comunistas
de manterem um contato, uma troca, uma interação, vivas e
ágeis com o processo histórico". Segundo o autor:, existem
questões problemáticas que se originam de "pressupostos
fundadores", da dinâmica política das organizações, da
estratégia e concepção em relação ao papel das direções, que
efetivamente comprometem a inserção destas organizações na
dinâmica da própria história. Segundo o autor:
"Em primeiro lugar, os pressupostos fundadores - ou mitos,
ocasionadores: a revolução socialista, historicamente
inevitável; a missão redentora do proletariado; a
imprescindibilidade do partido de vanguarda, intérprete
qualificado do devir histórico (...) Em segundo lugar, a
179
dinâmica excludente e antidemocrática das organizações
comunistas enquanto elite política que detém as chaves do
conhecimento da 'necessidade histórica', ou seja, das leis
do movimento da sociedade e de suas lutas, o que lhes
confere capacidade de previsão e de antecipação, em
outras palavras, de direção do processo histórico (..) Em
terceiro lugar, a estratégia da tensão máxima - o conjunto
de mecanismos e condicionamentos elaborados para
assegurar coesão e disciplina ao corpo de revolucionários
profissionais de vanguarda. Em quarto lugar, o papel das
elites sociais intelectualizadas que comandam e constituem
majoritariamente as organizações comunistas, cuja força e
importância relativas decorrem, e ao mesmo tempo
determinam, a configuração daquelas organizações como
organizações de estado maior"199
No curso dos anos 60, segundo Daniel Aarão, a vigência
de uma atuação vanguardista sob estes moldes é responsável
pelo "fechamento" das militâncias para com a percepção e a
reflexão das contradições presentes na sociedade, ou ainda,
para com as referências que não as oriundas dos textos
marxista-leninistas, o que se traduz em uma relação com o
futuro que não busca uma maior compreensão da "realidade",
mas sim um projeto de revolução como "realidade" iminente. O
futuro é marcado por imagens de revoluções vitoriosas, de
"êxitos materiais incontestáveis", em uma "éspécie de fé no
devir histórico: o mundo marcha para o socialismo, o futuro
será maravilhoso"200; a partir do que a militância se prepara
para aderir à uma conjuntura revolucionária que, entretanto,
não têm "nenhuma relação com a marcha dos acontecimentos"201
. As projeções de futuro ocupam o lugar da "..livre investigação
(..) reflexões originais (..) debate aberto (..) questionamento de
199
Daniel Aarão Reis Filho. Op. Cit, p182
Daniel Aarão Ibidem, p183
201 Daniel Aarão Ibidem, p185
200
198Daniel
A. Reis Filho e Jair F. Sá. A Revolução Faltou ao EncontroOp. cit. p187
180
luta política em vigor"202.
Por outro lado, na medida em que os percursos traçados
pela luta armada vão dando sinal de isolamento e debilidade
como forma de resistência, ganha força um processo mais
profundo de revisão teórica que procura, no período
compreendido entre 1970/74, analisar as derrotas, as
responsabilidades e as alternativas possíveis de continuidade
das lutas políticas. Além de revisões, a desarticulação entre as
leituras e os procedimentos organizados traz dificuldades
concretas de recomposição de luta política, ao mesmo tempo
em que se deve responder a problemas efetivos colocados no
interior da Universidade em reforma, ou mesmo em relação
aos acontecimentos inesperados - como a recuperação
econômica promovida pelo "milagre econômico" que exige
novas elaborações. No documento "Uma História do ME 19601974" podemos ler:
"verifica-se uma insuficiência teórica face à nova realidade
sócio-econômica e (..) quase que ausência de uma herança
de toda a prática anterior"(..) os desdobramentos
subsequentes da nova etapa do ME foram marcados por
dois enfoques: por um lado, lutava-se pelas liberdades
democráticas, e por outro, perguntava-se a quem servia o
chamado 'modelo brasileiro'. Na realidade, este modelo
apresentava contradições flagrantes, verdadeiramente
confirmadas pelo censo de 1970. Proliferavam, pois,
estudos, debates e conferências, sobre a distribuição da
renda, uma das facetas mais obscuras do modelo. Ou seja,
a tese da estagnação econômica do Brasil foi substituída
pela denúncia de seu crescimento beneficiando
exclusivamente certas camadas da sociedade"203
181
A questão de uma "insuficiência teórica", na verdade,
aparece nas palavras de Marco Aurélio Garcia como um
problema mais profundo, relacionado a um "despreparo" que
poderia ser tomado em sentido histórico, fruto da mesma
trajetória das militâncias de esquerda no Brasil. Em suas
palavras:
"A superação das ditaduras militares que se estabeleceram
nos anos 60 e 70, no Brasil e em boa parte da América
Latina, e que haviam representado uma dura derrota para
o movimento popular, e o marco mais geral de crise do
nacional-desenvolvimentismo, obrigava as esquerdas a
enfrentar debates políticos e econômicos para os quais não
estiveram historicamente preparadas. O haver tratado no
passado a democracia mais como meio (instrumento) do
que como fim e a absolutização da democracia econômica
e social em relação à democracia política dificultavam uma
reflexão mais substantiva sobre o tema. Os perigos de uma
rigidez dogmática ou de concesões liberais fizeram-se
presentes"204
No caso do movimento estudantil, desde o início da
década os grupos e propostas políticas organizadas se acham
cindidos entre os que seguem para a luta armada, os que
procuram restabelecer algum diálogo com o Ministério da
Educação (como a posição política "reformista", ligada ao PCB),
os grupos minoritários que tentam dar continuidade ao projeto
"Universidade Crítica" (entendendo a Universidade como um
"organismo vivo para o combate à ideologia burguesa da
sociedade capitalista"), ou os que pretendem estabelecer uma
frente ampla, democrática e patriótica contra o imperialismo e
204Marco
202
Daniel Aarão Ibidem, p183
203 “Uma História do ME: 1960-1974”. Op. Cit., p21
Aurélio Garcia. "As Esquerdas no Brasil e o conceito de revolução:
trajetórias". Trabalho, Cultura e Cidadania: um balanço da história social brasileira.
Angela M. C. Araújo (org). São Paulo: Scritta, 1997, p.45
182
a burguesia internacional ligada ao regime militar, como a UJP,
formada por grupos maoístas.
Ao lado destas cisões, a ação organizada enfrenta
problemas comuns com relação à transformação do caráter e
dinâmica da atuação nos diretórios e no espaço acadêmico;
dificuldades, no entanto, que não impedem que em um
período relativamenterápido de tempo se restabeleçam
"organizações de estado-maior"205 semelhantes às do período
anterior, de forma que já em 73 começam a ressurgir grupos
cuja pretensão é a de traçar novos caminhos de ação política
organizada, como o "Grupão" na USP, embrião da tendência
Refazendo206 que vai marcar o processo de reconstrução
institucional do movimento nesta Universidade; ou os
agrupamentos trotkistas, como o grupo Outubro (que dá
origem, com outros grupos, à Organização Marxista Brasileira, a
OMB) e o Comitê Primeiro de Maio (Organização Comunista
Primeiro de Maio), que juntos, criam a Organização Socialista
Internacionalista (OSI) e a tendência Liberdade e Luta 207.
Na verdade, são diversos os agrupamentos que se
acham em recomposição na Universidade dos anos 70, sendo
que as dificuldades impostas pela condição de clandestinidade
dificultam um maior reconhecimento das trajetórias variáveis conforme os posicionamentos e as dificuldades enfrentadas
nos diferentes lugares e contextos. Em certo sentido, a
fragmentação que encontramos imposta ao universo
acadêmico (de isolamento das Faculdades e Universidades, de
205
Daniel Aarão Reis Filho. A Revolução Faltou ao Encontro. Op. Cit., p187
Depoimento de Geraldo Siqueira a Virgínia Camilloti. Projeto "Contribuição para o
estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível",
AEL/Unicamp, 1986.
207 Depoimento de “Careca” a Virginia Camilotti. Projeto “Contribuição para o estudo
do Movimento Estudantil Brasileiro: História Institucional X História Invisível”,
AEL/Unicamp, 1986
206
183
diferenciação entre as perspectivas e condições estruturais dos
cursos, de dificuldades de comunicação, entre outras) se
assemelha às imposições estabelecidas sobre as militâncias
organizadas, que em nome de uma perspectiva de
recomposição se vêem forçadas a construir novos
procedimentos, ou ainda, rever seus próprios fundamentos a
partir de questões e desafios que agora se fazem colocados.
Em meados da década, por sua vez, estes grupos
assumem uma maior visibilidade na medida em que se
configuram como "tendências" dotadas de programas e
estratégias próprias de ação política. A partir de então,
podemos acompanhar com mais facilidade os seus percursos
através da particularidade das análises, táticas e estratégias,
assim como acompanhar a extensão que adquirem a partir da
elaboração de um projeto mais coeso a envolver militantes de
um maior número de Universidades e Estados. De qualquer
forma, ao longo deste percurso, muitos destes agrupamentos
podem ser caracterizados como:
"grupos e correntes de opinião, com a participação de
militantes de organizações clandestinas e estudantes sem
vinculação orgânica a partidos, grupos esses relativamente
heterogêneos em sua origem e que aos poucos se tornarão
mais homogêneos e apresentarão contornos mais bem
definidos"208.
Para estes agrupamentos, "militar" na instituição
universitária e no movimento estudantil significa reconstituir
seu grupo, recriar estratégias e inclusive rever interpretações
na medida em que não se têm mais o mesmo lugar político de
antes - ou que não se pode "aparecer" como organização. Estas
208Ângelo
Emílio da Silva Pessoa. "As tendências e a reconstrução Institucional do
Movimento Estudantil (1969-1979)". Mimeog., 1992, p.32
184
experiências de revisão, por sua vez, vão ser importantes por
conferir um caráter "basista" ao trabalho político das
organizações de esquerda na Universidade209, em um momento
no qual as ações organizadas são constrangidas à uma atuação
clandestina e em que se enfrenta a perda de "uma herança de
toda a prática política anterior"210. Por outro lado, as
perspectivas de trabalho "basista" possibilitam que as
organizações clandestinas se tornem presentes nos percursos
de retomada e radicalização das lutas acadêmicas, e inclusive,
que participem de forma significativa da "politização" destes
mesmos movimentos, contribuindo com o repasse de
experimentações e referências do passado ou ainda com uma
percepção e leitura mais profunda do contexto da ditadura
militar que por trás das propagandas ufanistas reprime
violentamente a sociedade civil e desfigura a Universidade211.
Em 1974, temos notícias por "Uma História do ME 1960-1974"
que:
"Em todos os recantos do país temos esse fenômeno da
rearticulação e, tendo em vista o quadro de circunstâncias
particulares de cada região, nota-se que cada nova
experiência apresenta um caráter extremamente peculiar"212
O projeto de "politização" do movimento segundo a
ótica destas organizações, por sua vez, possui um significado
209
Depoimento de Vera Paiva a Virginia Camilotti. Projeto “Contribuição para o
estudo do Movimento Estudantil Brasileiro: História Institucional X História Invisível”,
AEL/Unicamp, 1986
210"Uma História do ME 1960-1974". Op. cit, p.21
211 Podemos citar diversas atividades neste sentido como a organização na USP dos
Comitês de Presos Políticos que denuncia de sala em sala a prisão de estudantes e
militantes contribuindo efetivamente para se constituir movimentos mais radicais de
enfrentamento (como a Greve da ECA, em 1975, que chega a se estender por toda a
Universidade)
212"Uma História do ME 1960-1974". Op. Cit., p20
185
específico no sentido de procurar redirecionar o teor das lutas
e movimentações de perfil acadêmico (estabelecidas a partir de
uma ampla participação) em prol de um enfrentamento no
espaço acadêmico da estrutura repressiva do Estado, ou ainda,
da reconstrução de entidades "de luta" na esfera pública.
"Politizar" o movimento estudantil implica alterar a dinâmica
dos debates e deliberações coletivas de forma a tornar mais
abrangente o seu processo de lutas, sendo que a atuação dos
grupos ganha um papel destacado na medida em que procura
estabelecer uma unidade política entre as diferenças a partir
de uma perspectiva centralizada de ação coletiva.
A questão institucional do movimento estudantil, vai
desde então se compôr de projetos políticos específicos que
experimentam uma forte tensão em torno da hegemonia de
concepções de participação e organização política.
Se na primeira fase da década podemos identificar um
movimento mais restrito à dimensão acadêmica e interacadêmica que valoriza a discussão da Universidade e defende
a reconquista de direitos, é a dinâmica participativa que se
gesta próxima ao diretório o que de fato promove
possibilidades de romper e desvincular estas entidades das
imposições administrativas. No entanto, na medida em que se
amplia a participação e se radicaliza as posturas, se delineiam
também projetos internos de centralização e homogeneização
das perspectivas políticas e culturais - com a pretensão de se
retornar uma luta exterior ao espaço acadêmico. No caso da
USP, a radicalização que desde 1973 toma conta de várias
diretorias de entidade (em nome de uma perspectiva de
ruptura para com as relações de controle impostas pela
administração) implica na definição de um perfil de gestão do
diretório mais centralizado e burocratizado.
Entre 1973 e 1974 já podemos observar os traços de
186
interferência desta perspectiva mais centralizada de ação
política que em um contexto de motivações, experimentações
e recomposições variadas do início da década procura suplantar
a vivência cotidiana de questões e procedimentos
"alternativos" de ação política. Segundo o boletim do Conselho
Provisório de Representantes da UnB, de 1974:
"toda uma série de manifestações esparsas vem ocorrendo
em nossa Universidade como cine-clubes, grupos de teatro,
grupos de trabalho, revistas, debates sobre currículos,
saúde, economia, Universidade, reivindicações de alunos,
que só não assumem maior significado pela inexistência de
um órgão que realmente centralize, coordene e objetive as
aspirações do estudante. O Conselho Provisário de
Representantes (CPR) da UnB é fruto desta necessidade.
Órgão que se propunha provisoriamente a defender o
interesse de todos os estudantes, teve o conselho o seu
primeiro semestre de existência uma atuação tímida e
indefinida. Mas a participação crítica sempre maior dos
alunos junto ao conselho vem injetando sangue novo no
mesmo "
A pretensão de recompôr organizações políticopartidárias a partir das movimentações estudantis mais amplas,
por sua vez, implica em estabelecer procedimentos e objetivos
que não se encontram necessariamente em vigência nos
movimentos. Na lógica das organizações estudantis de
esquerda, "institucionalizar" o movimento significa reconstruir
uma estrutura hierárquica de deliberação política que se faça
sobreposta às ações coletivas de forma a lhes conferir uma
dinâmica centralizada de discussão e deliberação - cabendo às
organizações clandestinas e suas tendências o papel de
homogeneizar e "ordenar" as ações diversas rumo a adoção de
um caráter político "consequente". Da mesma forma,
"organizar" os estudantes significa orientar este universo de
187
indivíduos distintos - a "massa estudantil" - à adoção de uma
práxis política consequente, cabendo à tendência a tarefa de
formar a instância da "massa avançada" (estudantes com maior
discernimento político) enquanto um "canal" de atuação das
"vanguardas", estas sim, expressão de uma militância
consciente e esclarecida (que por razões injustificáveis se
encontram forçadas à clandestinidade).
O estabelecimento, então, de um duplo universo de vida
política no/do diretório na forma de uma face "legal" e de outra
"clandestina", permite a continuidade dos exercícios políticos
das esquerdas em meio a emergência de outras perspectivas e
propostas de articulação e partilha coletiva "alternativa". Como
resultado, entretanto, temos o desencadeamento de uma
situação de tensão - a percorrer toda a década - que se
estabelece em torno do processo de "reconstrução" do
movimento estudantil. Em especial, na medida em que o
trabalho "politizador" das organizações (em condição de
clandestinidade) procura se fundamentar nas insatisfações e
conflitos latentes estabelecidos entre os estudantes
(organizados ou não) e a administração para, ao mesmo tempo,
alterar parte dos seus propósitos de valorização e objetivos de
luta política.
A presença de uma "vanguarda" clandestina de
esquerda a definir os rumos do processo de
institucionalização/institucionalidade do movimento possibilita
agora que as lutas estudantis sejam "canalizadas" em prol da
recriação de entidades gerais necessárias à recomposição do
papel político original deste movimento. Da mesma forma, a
vigência de uma concepção de "massa" estudantil implica em
uma desqualificação da participação coletiva face às mesmas
"vanguardas", situação que dá lugar ao desenvolvimento de
procedimentos que, na prática, restringem ou mesmo excluem
188
parcelas de estudantes das estruturas políticas, originando-se a
formação do que Artur Ribeiro Neto chamou de "reis filósofos"213
, um corpo destacado de indivíduos sábios a quem cabe a
definição das diretrizes coletivas do movimento.
Estes procedimentos na medida em que vão se
estabelecendo, conferem novos rumos ao movimento, rumos
que podem ser observados através dos diversos históricos
produzidos pelas militâncias ao longo da década de 70 e início
dos anos 80, como o texto "Movimento Estudantil: Crise e
Perspectivas para uma Prática Revolucionária" de autoria de
Américo Antunes (Diretor do DCE UCMG e Presidente da UEEMG gestão 82/83). Podemos ler:
"A série de medidas institucionais repressoras da livre
organização do movimento (477,228,etc) e políticas (a
repressão brutal) praticamente destruíram toda
capacidade de resistência do movimento estudantil depois
de 68. A destruição da UNE, das UEEs, as eleições indiretas
(via Conselho de DAs) para os DCEs, fragmentaram toda a
organização estudantil. Nesta situação de inércia e
imobilismo, com a perda de influência da esquerda,
evidentemente, as correntes pelegas e de "direita"
começaram a dominar em grande parte as entidades. Mas
a partir das escolas federais, pela sua tradição de lutas, um
novo quadro começava a se gestar, no entanto. No período
71-72, algumas entidades começavam a ser
reconquistadas da "direita". Os encontros Nacionais de
Cursos (como Engenharia) começavam a disseminar lutas,
o trabalho combativo no movimento, a reorganização das
entidades gerais, etc. 74 é o marco em que este processo
de reorganização atomizada ganha relevo nacional, com
eleições diretas em vários DCEs, as primeiras lutas pipocam
e o 1º Encontro Nacional de Estudantes começa a ser
213
Artur Ribeiro Neto. “Um Laço que não UNE mais”. Revista Desvios, Rio de Janeiro,
Ed. Paz e Terra, nº 4, julho de 1985, pp 68/69
189
pensado. Em 75, tendo em vista a necessidade da
unificação nacional dos estudantes é realizado o Iº E.N.E.,
novamente realizado em 76. A construção do DCE-Livre da
USP, neste sentido, demarca um novo campo na conquista
da independência dos estudantes e suas entidades perante
o MEC e a Burocracia Universitária, na contrução de um
movimento autônomo e democrático"214
Na segunda fase da década, encontramos no interior
dos diretórios e centros acadêmicos a formação de instâncias
de deliberação mais hierárquicas e restritivas que possuem
como pretensão "canalizar" as "massas" para as atuações
consequentes, situação que provoca, muitas vezes, a "asfixia"
de práticas coletivas não organizadas, forçando-as a acatar
deliberações e propósitos que restringem e condicionam o
universo da ação política. A criação das "entidades-livres" e a
"reconstrução" das entidades civis (UEEs e UNE), neste sentido,
vão conferir marcos mais verticalizados de institucionalidade
aos mecanismos de discussão e deliberação coletiva, ao mesmo
tempo que as tendências e grupos políticos (em condições mais
explícitas de participação) disputam o espaço das novas
entidades e instrumentos de poder em meio aos conflitos com
a Universidade e a ditadura militar215.
Na verdade, o processo de "reconstrução" das entidades
214Américo
Antunes. Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para uma Prática
Revolucionária. São Paulo, Editora Aparte, 1983, p.18
215 A questão da “organização” do movimento se refere à consolidação do DCE livre
como paradigma de luta política. Segundo a tendência Liberdade e Luta: “O DCE Livre
é hoje um ponto de referência para todos os estudantes do Brasil. Na sua trilha os
estudantes das PUCs, São Paulo e Campinas, de São Carlos e da Unicamp constroem
os seus DCEs livres e com isso antecipam o momento em que o ME de todo o país
conquistará uma UNE massiva e independente. Ponto de contato dos estudantes com
outros setores da sociedade, o DCE tem seu lugar assegurado no movimento
antiditatorial das massas do Brasil, e nesse processo deve ligar sua sorte à dos
trabalhadores, num mesmo combate pela transformação total da sociedade” (Carta
Programa Liberdade e Luta, USP, 1977)
190
pelo viés organizado, consiste no percurso de recompôr a
estrutura representativa do período imediatamente anterior
conferindo-lhes agora um papel de resistência ao regime e de
luta pela transformação da sociedade. Da mesma forma,
acredita-se estar "reconstruindo" uma perspectiva política do
movimento do passado (rompida pela repressão) através da
reafirmação de suas tradições de luta democrática, da força
estudantil enquanto conjunto e do ideal organizativo
fundamentado no princípio da representação. Estas questões
permitem enfim, que se estabeleçam "semelhanças" entre o
passado e o presente, da mesma forma que se recrie entre os
estudantes uma "imagem" de unidade fundamental a este
contexto desarticulado e difuso.
Quando analisamos os documentos do processo de
"construção" do DCE Livre da USP, entre 1975 e 1976, ou da
"reconstrução" da UEE-SP em 1977 e da UNE em 1979
encontramos nos manifestos e cartas programa, a reafirmação
constante da necessidade de se organizar os estudantes por
meio destas entidades representativas. A organização,
propriamente dita, é defendida como uma forma mais acabada
de resistência, necessária à existência das próprias lutas e da
defesa dos direitos. Por outro lado, esta organização se
apresenta como uma forma legítima de resistência - livre e
independente por conquista - que se estabelece a partir dos
questionamentos críticos da realidade. Uma organização que
deve ser forte, forjada na unidade e na participação como
condição para se poder interferir na realidade social. Para a
tendência Liberdade e Luta, em sua Plataforma para o DCE livre
da USP, em 1976:
"A construção de uma entidade capaz de representar os
estudantes da USP responde a um anseio de unidade que o
ME veio colocando de maneira cada vez mais clara na
191
medida em que foi avançando em sua mobilização, e onde
foi criando e testando formas organizativas provisórias como o extinto Conselho de Centros Acadêmicos (CCA) e a
própria Comissão Universitária... Hoje, o DCE-Livre da USP
surge não como uma concessão do regime militar mas
como fruto da luta dos estudantes na defesa dos seus
interesses (...) Para podermos encaminhar a defesa de
nossas reivindicações elementares necessitamos de
organização a nível de USP. Por fim, as lutas estudantis só
podem ser efetivadas através de formas de organização
criadas pela própria mobilização, livres e combativas, fora
de qualquer controle oficial"
Para a Refazendo, em sua carta programa para a mesma
entidade nesta ocasião:
"A questão é que o desenvolvimento de nossas atividades e
lutas nos últimos anos - principalmente em 1975 - nos
davam condições mínimas de conquistar esse direito de
organização. Aumentando constantemente nosso debate e
compreensão da realidade, multplicando e fortalecendo
vários níveis de organização e participação, e
principalmente lutando na defesa de interesses nossos e de
amplas parcelas sociais... criamos uma força política que
pode, ainda que de forma limitada no momento, se
contrapor ao poder vigente"
Já nos documentos internos das tendências,
encontramos os registros das orientações das vanguarda, na
prática, dos militantes ligados às organizações partidárias que
atuam na retaguarda das "massas estudantis" com o papel de
orientar, conscientizar e aglutinar estas mesmas "massas" em
uma direção política que se acredita consequente. Podemos ler
no documento interno (sem referência de autoria, mas de
posicionamentos próximos ao trotskismo) denominado
"Balanço e Perspectivas para o M.E.", datado de janeiro de
192
1978:
"A eclosão do movimento de forma tão massiva e em cima
fundamentalmente da luta política, abre um quadro novo
no que diz respeito a experiência de direção no me. A sua
jovem vanguarda, até então educada fundamentalmente
nas lutas economicas e setorizadas, se depara com um
quadro totalmente novo das grandes mobilizações
políticas, sendo forçado a apresentar respostas efetivas ela tem que assumir a responsabilidade da direção política
das lutas massivas. Sem dúvida uma tarefa de grande
envergadira, para a qual ela têm condições de resposta
limitadas em função de seu pequeno acúmulo interior (já
vimos a incapacidade de uma direção efetuada na maioria
dos estados assim como o papel de destaque cumprido por
São Paulo na direção nacional do me). Mas é inegável a
riqueza da experiência vivida (..) A verdadeira vanguarda
só pode se forjar junto ao movimento vivo das massas,
aprendendo e se vitalizando com ela (..) É interessante
notar que o processo de desestruturação e autocrítica das
tendências doutrinaristas se radicaliza profundamente
exatamente no momento de reanimação do movimento"216
Por outro lado, a experiência organizada não é a mesma
entre os diferentes grupos clandestinos, e nós podemos
encontrar fortes divergências de leitura e procedimentos que a
depender dos contextos e composições estabelecidos entre os
agrupamentos e tendências de cada Faculdade ou
Universidade, o que ganha hegemonia são as proposições de
matriz trotskista, maoísta, stalinista ou "reformista". Aliás, os
grupos trotskistas e maoístas vão compôr a partir de 1975
grandes tendências em várias regiões do país na proporção em
que rumam para uma ruptura institucional - e em que se
revelam sensíveis à criação de um "ambiente estudantil" mais
216
"Balanço e Perspectivas para o M.E.", janeiro de 1979, s/a, p.15
193
democrático e cultural, avesso à administração e ao projeto
tecnocrático de ensino. Outros agrupamentos de esquerda, em
particular os vinculados ao PCB, vão insistir na permanência dos
contatos e de atividades construídas no bojo da estrutura
administrativa como condição preliminar de reconquista de
intervenções políticas. Neste caso, podemos presenciar certas
associações entre estes posicionamentos e as atividades
culturais que, a depender dos contextos, chega a apresentar
contornos contraculturais (como no caso do DA da ECA de
1973, responsável pelo Jornal O Pícaro, várias vezes citado
neste trabalho).
.
A diversidade dos posicionamentos, por sua vez, vai
implicar em trajetórias diferentes de militância, e antes de
tudo, em intensos debates e conflitos em torno do "como" e do
"quando" reconstruir as estruturas representativas mais
verticalizadas, de que "papel" e caráter estas entidades devem
se constituir, de quais fóruns e procedimentos organizativos se
deve lançar mão... Enfim, trata-se de criar um campo especial
para que o exercício político organizado possa se estabelecer,
ou ainda, possa imprimir orientações ao "curso" político
seguido pelas entidades e pelos movimentos.
As militâncias ligadas ao PCB, por exemplo, imprimem
às movimentações coletivas e às agremiações representativas
nas quais tem oportunidade de atuar, as perspectivas definidas
por seu Comitê Central no que diz respeito ao papel político
que o movimento estudantil deve exercer no cenário social
deste período. No caso deste Partido, as desventuras que se
enfrenta nos períodos 72 e 74/75 (momento de forte repressão
sobre a organização) traz consequência diretas para a atuação
desta organização no espaço da Universidade e do movimento
estudantil. Com relação às orientações políticas, os militantes
comunistas seguem a tese do caminho pacífico para a
194
revolução, uma orientação que se baseia na luta pela
democracia e pelas liberdades democráticas - e que leva o PCB
a propôr, em fins de 1973, a formação da "Frente Patriótica
Contra o Fascismo" (a envolver um variado leque de segmentos
sociais descontentes com o caráter autoritário do regime). Os
militantes estudantis ligados ao PCB participam desde o início
da década do processo de recomposição política dos diretórios.
Já na segunda fase dos anos 70, os militantes sobreviventes
(em função da violenta repressão enfrentada nos anos
anteriores) formam a Tendência "Unidade" que chega a
adquirir forte presença no Rio de Janeiro à frente de entidades
como os DCEs da UFRJ e da PUC. Por outro lado, em função da
defesa de posicionamentos que outros segmentos das
esquerdas consideram "reformistas", esta tendência ganha o
apelido de "reforma".
No bojo de uma outra vertente de posicionamentos
políticos, fortemente divergente do PCB, podemos identificar
um conjunto variado de agrupamentos e partidos clandestinos
trotskistas (como a Organização Socialista Internacionalista e a
Democracia Socialista) que assumem destaque em
universidades e períodos específicos, em especial a partir da
segunda fase da década quando chegam a compôr amplas
tendências como a "Liberdade e Luta" (SP), a "Centelha" (MG),
"Ponteio" (RS), entre outras.
A vertente trotskista, na verdade, chega a integrar
milhares de militantes por todo o País, sendo interessante
destacar o impacto que seus posicionamentos anti-burocráticos
e anti-tecnocráticos de Universidade e de sociedade causam
entre os estudantes. A presença destes agrupamentos no
movimento estudantil brasileiro, por sua vez, implica na
incorporação das concepções teóricas e das dinâmicas políticas
trotskistas ao curso e gestão deste mesmo movimento217.
195
Em um sentido diferente das posições comunistas, as
proposições trotskistas se acham ancoradas em uma longa
tradição política iniciada na Revolução Russa e fundamentada
na teoria da "revolução permanente" (uma concepção de
revolução internacionalista que não cumpre "etapas", mas se
revela constante)218 cuja pretensão central consiste na criação
217No
início dos anos 70, encontramos na USP a presença do Grupo Comunista 1º de
Maio e em seguida, do Grupo Outubro - formado em 1971 por militantes exilados,
com o propósito de aproximar os grupos trotskistas brasileiros do Comitê de
Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI). Nesta primeira fase da década, em
um sentido mais amplo, as organizações trotskistas são formadas, entre outras, pelo
POR, pela FBT (Fração Bolchevique Trotskista, criada em 1968), pelo Grupo
Comunista 1º de Maio (criado em 1968 em São Paulo) e pelo grupo Outubro
referendado. Em 1975, tem início um processo de fusão a partir da unificação da
FBT, do grupo Outubro e da OMO (Organização pela Mobilização Operária,
dissidência do Grupo Comunista 1ª de Maio) para dar lugar à Organização Marxista
Brasileira. Em 1976, é a vez do Grupo Comunista 1º de Maio se somar a esta
organização unificada, transformando-se em Organização Socialista Internacionalista
(OSI). A Liberdade e Luta, neste caso, surge como uma chapa estudantil vinculada à
OSI para disputar as eleições do DCE da USP; uma chapa no entanto, que se
transforma em uma "tendência" política na proporção em que estudantes afinados
aos seus posicionamentos começam a ser identificados também como Liberdade e
Luta (Libelu). Também compondo o universo trotskista, em 1979 se forma a
Democracia Socialista (DS) - a partir de militantes trotskistas de Minas Gerais (da
corrente estudantil "Centelha", criada em 1977) e militantes estudantis gaúchos
("Tendência Socialista do MDB"). Neste período, a nova organização ganha
expressão através do trabalho que realiza junto ao Jornal "Em Tempo" (criado em
fins de 1977 por ex-integrantes do Jornal "Movimento", uma frente jornalística de
esquerda), nome que posteriormente vai passar a identificar este grupo. Ainda em
1979, temos a formação da Organização Quarta Internacional (OQI) conhecida como
Causa Operária (como dissidência da OSI) e o surgimento da Convergência Socialista
(uma organização formada em 1968 por um grupo de brasileiros na Argentina que
originalmente se denomina "Ponto de Partida", em 1974 ganha o nome de Liga
Operária, e em 1978 de Partido Socialista dos Trabalhadores). Em Imagens da
Revolução, de Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá, podemos encontrar
documentos de alguns grupos.
218 Segundo Antonio Ozai: “Para Trotsky, dado o baixo grau de organização e de
consciência política do campesinato, seria a classe operária que realizaria as tarefas
democráticas e que isso levaria necessariamente à implantação da ditadura do
proletariado, colocando na ordem do dia as tarefas socialistas. Segundo Trotsky, essa
196
de um projeto socialista de sociedade através da construção de
partidos revolucionários de caráter internacionalista. Estes
grupos, de inspiração bolchevique e com fundamentação no
centralismo democrático, por sua vez, admitem a formação de
frações políticas, o que dá lugar a um percurso de
fragmentações internas que muitas vezes dificulta sua maior
articulação - com grupos que ora se afastam, ora se aproximam
em função das interpretações dos acontecimentos
internacionais de caráter revolucionário que se fazem
presentes (como a Revolução Cubana nos anos 60 ou a
Revolução Angolana, nos anos 70).
Podemos observar alguns aspectos da fundamentação
teórica desta vertente tão marcante no processo de
"reconstrução" do movimento estudantil dos anos 70 através
do manifesto "Pela Convocação das Comissões de
Reorganização da UNE e UEEs" de 1976219:
"Os acontecimentos mais recentes em que estudantes de
diversos estados se reunem para discutir os rumos atuais
do Movimento Estudantil deixam cada vez mais claro a
tarefa que têm hoje os estudantes combativos no processo
de reorganização das entidades estudantis. A reunião de
Campinas, as reuniões das comissões organizadoras dos
seminários de Economia, Engenharia, Física e Química, as
recentes reuniões de estudantes do Rio na UFF,
demonstraram a necessidade cada vez
maior dos
estudantes combativos discutirem as questões mais
importantes da atualidade do Movimento Estudantil.
revolução não é burguesa nem socialista, porque se é verdade que pode ser chamada
de burguesa quanto às tarefas, é também verdade que só o proletariado poderá
assumir o cumprimento de tais tarefas; e este será obrigado a avançar no caminho
da revolução socialista para defender sua aliança com o campesinato e impedir que a
revolução retroceda” Antonio Ozai da Silva. História das Tendências no Brasil
(Origenn, cisões e propostas). São Paulo, Proposta Editorial, s/d, p39
219 "Pela Convocação das Comissões de Reorganização da UNE e UEEs", s/a, 1976
197
Discussão que não poder ter um aspecto diletante. Trata-se
na realidade de reorganizar as entidades estudantis em
todos os níveis no processo de travamento das atuais lutas.
Apesar de o ME hoje ainda não se apresentar enquanto um
movimento unificado, não se pode esquecer o papel que
têm todos os estudantes combativos no sentido de
direcionar estas lutas atuais e - neste processo reconstruir
as entidades estudantis. Na verdade esté é o único
caminho que garante a organização do ME pela base e de
forma independente. E, neste terreno, os estudantes
combativos têm um atraso a recuperar. Na realidade, a
possibilidade de reestruturação das entidades em todos os
níevis sempre existiu, mesmo nestes últimos anos de
descenso (..) Apesar do caráter restrito das lutas e da
inexistência de uma representatividade sólida e contínua
das entidades, os estudantes (..) puderam reerguer as
entidades estudantis e permitir que sobrevivessem nesse
período. (..) No entanto estamos atrasados nesse processo
de reorganização das entidades. Primeiramente, por que
muito pouco foi feito no sentido da reorganização das
entidades estaduais e nacionais (..) O outro aspecto que
mantém o atraso da reorganização das entidades é a
influência política atualmente exercida sobre os estudantes
combativos
pela
corrente
que
propugna
a
redemocratização do país. Isso porque tal corrente tem
como objetivo imediato a transformação das atividades
atuais do ME em 'força de pressão' pela
1redemocratização' do país. Tentam assim dar a falsa
impressão de que os encontros de estudantes combativos
são 'reuniões representativas' e ao mesmo tempo
transformá-los em menifestações de um 'movimento
estudantil pelas amplas liberdades'. Daí o rumo tomado
por tais encontros (..) na medida em que são canalizados
para os projetos democratistas, fazem deles
acontecimentos desorganizadores no atual contexto do
ME. Formas de atrair os estudantes combativos para uma
atividade que bem pode se chamar de armadilha (..) A
única perspectiva capaz de reorganizar o ME pela base e
de forma independente das perspectivas da classe
198
dominante - que venham da Arena quer do MDB - é a de
reorganizar as entidades na luta contra a Política
Educacional do Governo enquanto política burguesa para a
Universidade.(..) Assim, esse Manifesto propõe a realização
imediata de um Encontro Nacional de Estudantes,
previamente preparado por plenárias regionais e
discussões nas entidades existentes para a cosntituição das
Comissões Reorganizadoras da UNE e UEE's em cima de
uma plataforma de lutas que seja capaz de dar conta das
lutas atuais sob uma perspectiva independente das classes
dominantes".
Entre as movimentações estudantis desta fase,
encontramos outros grupos organizados e dotados de
concepções políticas específicas como a Ação Popular220, o
Partido Comunista do Brasil, o Movimento Revolucionário 8 de
Outubro (MR-8), que ao longo do tempo chegam, inclusive, a
estabelecer aproximações na medida em que estes grupos
partilham de concepções semelhantes de revolução originalmente de fisionomia "etapista", mas que vão ganhando
novas formulações. Nestes vários casos, as organizações são
fortemente atraídas pelos desdobramentos da revolução
cubana e pelas teses do "foquismo", assim como pela
Revolução Cultural Chinesa, chegando-se a integrar os
movimentos armados a partir de interpretações específicas.
A existência de certos aspectos comuns entre estes
grupos, por sua vez, permite que suas tendências estabeleçam,
em certos contextos, algumas aproximações. A Caminhando221,
199
tendência que possui vínculos com o PC do B, realiza
composições com a Refazendo222 e com a Viração. Já a
Tendência Refazendo, cuja origem se encontra marcada por um
agrupamento político mais difuso tal a procedência variada dos
seus militantes (integrantes do "grupão), estabelece uma
relação mais próxima com a AP e o MR-8 na segunda fase da
década ao receber segmentos destas organizações em seus
quadros. Em 1978, um clima interno de disputa interna provoca
o "racha" desta tendência, o que leva a Refazendo a assumir
uma fisionomia partidária mais definida e a dar sustentação
através dos seus quadros à AP e ao MR-8223. A Viração,
originária da Bahia, vai se constituir no final da década de 80
em expressão do PC do B no Movimento Estudantil224 elegendo
em composição com a Caminhando, a primeira diretoria da
UNE (na qual permanece por 8 anos) .
Marcadas por muitas diferenças, e também por
aproximações, estas organizações, enfim, carregam parte das
ambiguidades políticas deste período. As tensões, diferenças e
contradições que perpassam o movimento de forma mais
ampla se acham presentes na esfera interna destas tendências,
o que significa dizer que as organizações também devem dar
conta das frustrações e expectativas que se acham latentes
entre os estudantes e militantes desta década. As tendências
"Liberdade e Luta" e "Refazendo" da USP, de forma especial,
conseguem articular às suas orientações de vanguarda, certas
questões relacionadas à vivência e às práticas político-culturais
que as transformam em verdadeiros fenômenos participativos.
220
Grupo formado por militantes oriundos da Juventude Universitária Católica (JUC)
e da Juventude Estudantil Católica (JEC) em 1962, com pretenções de criar uma
“ideologia própria”, mas que adere à concepção marxista leninista ainda nos anos
1960 (ao aproximar-se do maoísmo), transformando-se em APML em 1971.
221Sobre a formação desta tendência, ver depoimento de Koji e Carmem a Virgínia
Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro:
História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
222
Sobre a formação desta tendência, ver depoimento de Geraldo Siqueira e Vera
Paiva a Virgínia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento
estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
223Ângelo Emílio da Silva Pessoa. Op. Cit., p32
224 Sobre a formação desta tendência, ver depoimento de Valdélio Santos Silva.
Recolhido por Mirza Pellicciotta em Salvador, 1988. AEL/Unicamp
200
No caso da "Libelú", os fundamentos trotskistas de ação
política valorizam a cultura como dimensão imanente da
política, e por isso mesmo, esta tendência consegue
estabelecer uma forte sintonia com contingentes mais amplos
de estudantes, além de apresentar em suas "bases", militantes
atentos às discussões e produções artísticas e culturais de seu
tempo225.
Estas tendências estudantis, algumas mais sensíveis,
outras mais fechadas às transformações comportamentais e às
linguagens participativas em disseminação, possibilitam ainda
que se articule um espaço específico de ação e discussão
político- cultural (a depender da tendência) em paralelo à
entidade, o que nos leva a pensar que também a trajetória
"organizada" deste período se torna capaz de promover
renovações políticas importantes - e inclusive se confundir com
a dinâmica cultural mais ampla presente em torno do diretório.
Neste caso, a definição dos eixos de luta política na esfera das
vanguardas não chega a impedir que algumas tendências
revelem sensibilidade para com as discussões estético-culturais,
como no caso da Liberdade e Luta226
225Depoimento
de "Caracol" registrado por Mirza Pellicciotta em 1997
Na Revista Cara a Cara, lançada em maio de 1978, podemos ler: “Liberdade e Luta
é uma tendência nascida no processo de lutas no interior do M.E. e que se baseia em
alguns eixos fundamentais de intervenção. O primeiro deles, que é uma questão de
método, é pautar nossa intervenção dentro do M.E. pela aliança com a classe
operária, ou seja, visualizar a questão da resolução dos problemas estudantis a partir
de um ponto de vista global e social em que se procura determinar qual é a saída, no
plano social, para as questões da universidade. A aliança operário-estudantil é um
ponto básico de organização da tendência Liberdade e Luta, não só na USP como
também em outras universidades. Outro ponto é a luta pela reconstituição da UNE,
ou seja, a luta pela unidade política sindicall do estudantado. Esta luta faz parte de
uma luta global do movimento de massas no Brasil pela recuperação de suas
entidades independentes, pela centralização política das entidades e organismos de
caráter amplo como é a UNED, como é do ponto de vista operário, uma CGT livre, e
coloca portanto a necessidade de uma unidade das massas contra a ordem burguesa
226
201
De qualquer forma, os agrupamentos de esquerda (que
trabalham com uma perspectiva centralizadora de movimento),
apesar de promoverem a "reconstrução" e articulação de
diversas entidades, não conseguem consolidar suas bases de
representação e nem manter em vigência por muito tempo as
"entidades livres" que já em 1978 começam a viver forte crise
de legitimidade. Em análise produzida em meados dos anos 80,
Maria Célia Paoli afirma:227
"..O que está sendo recusado? É sobretudo a forma de
existência das entidades de representação estudantil. Não
só através de seus limites mais visíveis, como a distância
entre seus militantes e a grande maioria dos estudantes, a
retórica de um discurso político que não se abre para um
mundo reconhecível pelo seu público, o quase monólogo
que as entidades praticam entre si, a incapacidade de seu
poder de mobilização. A crítica vai mais além, mostrando a
fantasmagoria de práticas políticas que se querem
específicas mas que estão, sem nenhum fundamento
presente ou corpóreo, enredadas simultaneamente em um
passado e em um futuro míticos. Reatar com este passado
(voltar a reatar com as tarefas inauguradas nos anos 60) e
afirmar um futuro a partir dele (o lugar estudantil na
política já está, desde sempre, conquistado) forma, para
estas entidades, uma barreira impermeável aos
acontecimentos do presente".
Segundo o documento "Movimento Estudantil Crise e
Perspectivas para uma Prática Revolucionária":
"..as tendências políticas (..) não conseguiram canalizar
na defesa de seus interesses. Neste contexto, a luta pelas liberdades democráticas é,
em nosso entender, a luta que alimenta a vida política do país neste período”
Petrópolis, Ed. Vozes, maio de 1978, ano 1, nº 1, pp 14/15
227Maria Célia Paoli. "Dossiê: Movimento Estudantil Hoje", Revista Desvios, Op. Cit,
p.59
202
203
este debate necessário sobre diferentes concepções de luta
e de transformação social, numa prática que fortalecesse
uma participação de base, unitária, durante as
mobilizações. A ampliação do espaço político em 77 vai
exigindo definições mais claras, principalmente no campo
da luta democrática, base fundamental daquelas jornadas
(..) Por conseguinte, o debate profundamente ideológico
existente no interior da vanguarda transportava-se
mecanicamente para o conjunto dos estudantes, chegando
ao ponto de numa assembléia da UCMG, em 77, intervir-se
sobre a 'ditadura do proletariado', etc (..) Num segundo
plano, a combinação do processo de mobilização política
com a luta universitária praticamente não ocorreu, o que
levou a um desgaste interminável de assembléias,
reuniões, etc, onde a polarização entre as tendências,
exclusivamente, burocratizava as entidades, acabando por
conter o florescimento da organização estudantil em torno
das questões do dia-a-dia da Universidade"228
Esta crise, na verdade, já prenuncia os problemas que a
UNE vai enfrentar no ano seguinte em torno das perspectivas
de organização e atuação política230. Segundo Antunes:
Na ocasião em que a "Libelu" assume pela primeira vez
a direção do DCE livre da USP em 1978, a "Caminhando"
registra em documento a presença de uma forte crise
participativa neste diretório. A ausência de comissões com
funcionamento regular, a pouca presença da diretoria nas
escolas, a carência de um jornal regular, os mecanismos de
deliberação desgastados, as assembléias esvaziadas, a falta de
divulgação e discussão das propostas a serem assumidas pelo
conjunto dos estudantes; são as explicações apresentadas. Em
documento de maio de 78, desta tendência, podemos ler:
"Se 77 pode ser caracterizado como o ápice da retomada
das lutas estudantis, 79 pode ser considerado como o
momento máximo de sua reorganização. No Congresso de
Recostrução da UNE, em Salvador, presentes mais de 2.500
delegados eleitos em Assembléias massivas nas escolas de
todo o país. Na abertura, a presença de quase 10.000
pesssoas, o apoio de todo o movimento popular brasileiro,
apesar de toda repressão, das barreiras policiais, da
ditadura militar. Dois aspectos polarizaram propriamente o
Congresso: a forma de eleição da diretoria e a Carta de
Princípios da entidade. Algumas correntes defendiam a
eleição definitiva da diretoria naquele Congresso, já tendo
"Se é grande a importância do DCE, por outro lado, o
trabalho que realmente lhe assegura a condição de
entidade representativa da maioria dos estudantes não
vem sendo desenvolvido a contento. Infelizmente, além das
tendências organizadas, o DCE se resume quase que
228
“Balanço e Perspectivas para o M.E.”, janeiro de 1979, s/a, pp 19/20
exclusivamente à sua diretoria, por sinal bastante
distanciada da maioria dos alunos".
A pequena participação estudantil na Unicamp é
também associada à falha de divulgação, deficiência de
debates e discussões, falta de informação dos alunos, boicotes
e repressão:
"Vê-se como denominador comum em todas essas lutas a
dificuldade de organização, coordenação e divulgação
devido à fraca estrutura dos CAs e DAs que mal conseguem
encaminhar de forma concreta as lutas a nível geral"229
229Caminhando,
USP, maio de 1978
Segundo pesquisa da Folha de São Paulo publicada em 18 de Maio de 1986,
apenas 12% dos estudantes universitários paulistas reconhecem a UNE como
entidade representativa do conjunto dos estudantes brasileiros, 18% não sabem o
que significa a sigla UNE, 1% sabe o nome do presidente da UNE e 94% não
participaram da escolha de delegados para o Congresso da UNE em abril de 1986.
Em artigo da Folha de São Paulo de 31 de Maio de 1986, indicava-se que apenas um
terço dos estudantes iriam votar nas eleições para a UNE e a UEE.
230
204
lançado, inclusive, os seus candidatos à presidência. Outras
correntes defendiam as eleições da diretoria por sufrágio
universal, em outubro, com eleição naquele congresso de
uma diretoria provisória baseada nos DCEs e na UEE-SP,
que encaminhasse a filiação dos DAs, CAs, DCEs e as
eleições (..) O peso democrático do Congresso, onde as
correntes hegemônicas não tinham controle sobre os
delegados, acabou determinando uma posição firme de
Princípios da UNE como uma entidade de luta ao lado dos
trabalhadores (..) Apesar da Carta de Princípios definir o
caráter apartidário da entidade, em época de
reformulação partidária (..) as diversas concepções sobre a
luta dos estudantes, a construção da UNE, expressavam-se
também a nível das várias articulações de partidos
existentes no país (..) A discussão sobre o relacionamento
Partido-Entidade não estava suficientemente amadurecida
no movimento estudantil e todas as chapas apresentavam
nos seus programas de atuação política suas posições
partidárias"231
205
política, neste caso, joga luz sobre o prenúncio de um novo
conjunto de respostas que nesta década começa apenas a se
insinuar. Talvez, então, seja o momento de considerarmos a
pertinência e a responsabilidade de uma "nova" esquerda que
a década de 80 anuncia - e que o livro Política e Paixão de
Affonso Romano de Sant'Anna celebra:
"Diz-se que há uma esquerda antes e depois do fracasso da
guerrilha urbana e rural. Ou seja: ao espírito de 1922 - ano
em que foi fundado o Partido Comunista no Brasil - se
contrapõe o carrossel dos anos 80 pregando uma aliança
entre revolução e erotismo, política e humor querendo
empolgar as minorias negras, os homossexuais e as
mulheres"232
A crise institucional das entidades "reconstruídas" na
segunda fase da década de 70 - na confluência entre a
recomposição das práticas organizadas e a transformação mais
profunda dos paradigmas políticos - registra, enfim, um
momento no qual a política estudantil deixa, definitivamente,
de integrar - e de se fazer orientar - pelas problemáticas e
desafios colocados ao movimento nos anos 60. As novas
questões vão além da repressão às organizações militantes;
elas se acham associadas às reformulações estruturais do
ensino, a um processo mais profundo de urbanização e
proletarização social, à dinamização das relações de mercado
(potencializado pela entrada em cena da indústria cultural), e
acima de tudo, à uma transformação estrutural da identidade
do estudante. A emergência de novas formas de organização
231Américo
Antunes. Op. cit. pp20/21
232
Affonso Romano de Sant’Anna. Política e Paixão. Rio de Janeiro, Rocco, 1984, p11
206
CAPÍTULO 3
A EMERGÊNCIA DAS DIFERENÇAS OU O LUGAR DA CULTURA
ENTRE AS AÇÕES POLÍTICAS
"Greve nós sabemos fazer, fale-nos de picasso, filosofia,
psicanálise"233
Entre as experimentações estudantis brasileiras da
década de 70, é impressionante constatar o quanto as relações
políticas e culturais se encontram articuladas a um fenômeno
significativo de transformação das estruturas e práticas de ação
coletiva. Estas novas experimentações discutem a
Universidade, a estrutura institucional, a questão das minoria
munidas de propósitos específicos e de procedimentos
inusitados de articulação cultural, sensíveis às novas
problemáticas identitárias colocadas para a sociedade, e por
isso mesmo, capazes de promover movimentações dotadas de
uma sensibilidade certeira com relação às questões de seu
tempo.
Destas movimentações renovadas, por sua vez, ressurge
uma trajetória de experiências coletivas de grande significação
em plena década repressiva e no interior de um espaço
acadêmico em mudança, na forma de movimentações
múltiplas, dinâmicas e articuladas a linguagens culturais, à
música, ao teatro, às experimentações gestuais, à literatura.
De fato, desde l968 podemos presenciar rupturas de
consensos militantes que, apesar do fenômeno repressivo, se
fazem relacionadas com as movimentações estudantis
internacionais (como ao "projeto espontaneísta" francês),
marcadas por transformações de referenciais e paradigmas de
207
movimento. Conforme sugere o filósofo Luiz Orlandi234 os
acontecimentos estudantis internacionais de 1968 integram um
período de rupturas das interpretações orgânicas e
homogêneas de sociedade na busca de um "pensar sobre a
diferença" que na prática se revela crucial à construção de
novas estratégias de resistência e recriação social. Para Daniel
Cohn Bendit, em O Grande Bazar235, é a partir desta fase que os
problemas começam a ser analisados por dimensões mais
subjetivas, particulares e sensíveis aos projetos de vida, de
forma que é a vida cotidiana que começa a ser politizada em
um percurso de reflexões e experiências que dilui a dicotomia
entre a dimensão cotidiana e o fazer político. A subjetividade
aparece como uma nova possibilidade de apreensão e
transformação do mundo, dando lugar à constituição de um
outro projeto político que se faça capaz de "libertar as
diferenças", ousando "pensar livremente" para além da
instituição do social e do político nos quadros tradicionais.
De forma complementar, encontramos também no
início dos anos 70 influências que se originam da entrada em
cena de elementos e experimentações contraculturais que
interferem na maneira de "perceber" a política e articular
expectativas e interesses juvenis no espaço da Universidade236.
A valorização de elementos não-institucionais hippies (o
"droup-out"), as "brincadeiras yppies" e as discussões originais
sobre o poder (promovidas pelos "enrangès") partilham por
vários meios, do desafio maior de lidar com a Universidade em
reforma ou ainda de aceitar ou não as condições de formação e
inserção profissional que se oferece; de forma que, tanto no
espaço acadêmico como no interior das agremiações
234
Luiz Orlandi. “Como Pensar 68?” in Folhetim, 6/5/1988, nº 587, pp2/5
Conh Bendit. O Grande Bazar. Op. Cit., p.169/179
236 Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op. Cit., pp53/118
235Daniel
233Jean
Paul Dollé citado pelo Jornal Avesso, USP, 1978, nº1.
208
"sobreviventes", os estudantes que ingressam na Universidade
desta década convivem com posicionamentos e concepções
"sintonizadas" com movimentações culturais mais amplas.
Na verdade, estes elementos permitem que uma
dinâmica cultural suplante, em muitos momentos, os
acontecimentos circunscritos às entidades representativas, ao
mesmo tempo em que, como dimensão particular de um
movimento em recomposição política e cultural, possibilite que
o exercício político em si mesmo, e de maneira concomitante,
se "alargue" enquanto significado, diversificando-se os
propósitos de reconstrução dos fóruns coletivos (com vistas a
influir nas decisões acadêmicas); de constituição de
instrumentos de interferência social; de realização de
experiências internas sensíveis às questões culturais de seu
tempo. Questões a partir das quais se promove um repensar da
política e se gesta uma caracterização singular de movimento.
As experiências estudantis no espaço interno da
Universidade dos anos 70, neste caso, reinventam a política na
proporção em que conferem à sua trajetória uma forte
significação cultural, e neste aspecto é interessante considerar
que enquanto as práticas organizadas enfrentam revisões, é no
campo da cultura que emergem novas possibilidades de
articulação identitária associadas à criação de um outro estilo
de vida - marcado pelo uso de drogas237, por concepções
"libertárias" (de negação da sociedade de consumo) e pela
valorização de experências alternativas de formação
acadêmica. Estas alterações nos possibilitam identificar nas
páginas dos jornaizinhos, textos como este:
237Em:
Gilberto Velho. Nobres e Anjos: Um estudo de Tóxicos e Hierarquia, São
Paulo, USP, Fac. Filosofia e letras, 1975./off-set, um estudo sobre o uso de drogas no
início da década, podemos observar que este fenômeno não é meramente
estudantil. Ele transcende o campo das militâncias para propor um alargamento das
percepções e a criação de novas formas de sociabilidade.
209
"ESTÁ TUDO CERTO COMO DOIS E DOIS SÃO CINCO - Aí
está a expressão da perplexidade, de ver que a nossa
sociedade se desumaniza até o ilógico, e se torna preciso
cada vez mais a utilização de sistemas antipânicos e
contrôles superficiais, para manter funcionando uma
engrenagem que já poderia ter sido pulverizada. O amor é
comercializado, e a utilização do progresso em benefício
real do homem é uma fábula encontrável em alguns
tratados de Sociologia e em livros de ficção científica (..) .é
preciso novas medidas para medir o desconcertante - e a
única equação que deve satisfazê-las é o irreal, o absurdo
que recupere as novas formas de desesperança (ou de
esperança). O ilógico é um campo vasto assim como só
conhecemos a décima parte do nosso cérebro. A fantasia
não têm fronteiras (então,tudo é possível), e a nossa
vivência cotidiana numa sociedade cruel já ultrapassou o
campo real da compreensão - as feras do zooilógico estão
soltas, e então está tudo certo - como dois e dois sãoY"238
Desde o início da década, o espaço acadêmico começa a
ser ocupado por experiências coletivas na forma de grupos
jornalísticos, poéticos, teatrais, corais, cineclubes e grupos de
estudos que têm como propósito, antes de mais nada, dar
prosseguimento à criação artística, aos exercícios de liberdade
do pensamento e respeito às individualidades. São grupos de
poetas, atores, etc.. que constituem em si mesmos,
experimentações de teor cultural e político em boa medida
desconectados das perspectivas e leituras mais organizadas, e
que em muitos momentos propõem um outro significado de
engajamento - transcendende, em vários aspectos, dos
paradigmas da organização partidária.
No âmbito da produção cultural, neste caso, têm início
238
Luiz Afonso. “Atrás do Espelho”. Informe-se. Publicação do DA de Administração
da UFBa, 1972
210
um processo significativo de crítica política que vai se contrapôr
aos projetos e discursos políticos herdados na proporção em
que se consegue articular temas e visões significativas deste
período. Esta articulação é capaz de criar uma nova linguagem
ao mesmo tempo musical, poética, cênica e existencial que
assume, pouco a pouco, a forma de "happening" ou de
experimentações artísticas e culturais diversas. De maneira
especial, a música cumpre neste momento um papel
articulador importante, revelando o quanto a linguagem
artística se torna capaz de exprimir questionamentos que
aparentemente se apresentam desarticulados para configurar
fenômenos de expressão coletiva surpreendentes239. O lema
"sexo, drogas e rock'in'roll" que compõe uma referência
comportamental de dimensão internacional, adentra de fato o
território juvenil para "informar" a "aventura" desta geração
dos anos 70.
A relação estabelecida entre linguagens culturais e
perspectivas políticas, por sua vez, dá margem à constituição
de um campo de experiências e discussões de teor e
procedimentos ideológicos mais imprecisos. A arte, que
começa a ser "vivida" na primeira metade da década de 70
"como prática discentrada a envolver a participação gestual,
ativa, do espectador, num 'exercício experimental da
liberdade'"240, se associa à um conceito de política que pouco a
239
Segundo Eugênio Bucci na Revista Teoria e Debates. SP, março de 1988, nº2, p.24
.(referindo-se à juventude dos anos 80): "Essa juventude tem uma expressiva
existência política, sem dúvida, mas no estreito sentido em que a existência política
decorre de uma ação cultural. Para ela, a concepção do coletivo não é aquela da
homogeneidade, conseguida às custas das abdicações e dos sacrifícios íntimos em
nome de um mundo remoto sem exploração. A coletividade, ao contrário, emerge da
afirmação das individualidades e das somatórias imprevisíveis dessa afirmação"
211
pouco se faz entendido como parte da vida, e portanto, mais
próximo dos elementos cotidianos e culturais deste período
marcado
pela
valorização
do
irracionalismo,
do
experimentalismo e do anarquismo241.
Por outro lado, no bojo de uma ditadura militar, na
medida em que a censura e a repressão (associadas à expansão
da comunicação de massas) recaem sobre as práticas políticas
organizadas, elas dificultam ainda mais as possibilidades de
resistência destas organizações, o que acaba por alterar de
maneira significativa os parâmetros de contestação do período.
Como desdobramento imediato, "a impossibilidade de
mobilização e debate político aberto transfere para as
manifestações culturais o lugar privilegiado da 'resistência'"242,
situação que amplia a tensão entre a manutenção dos
referenciais políticos em ruptura e a entrada em cena das
novas questões, levando a que, segundo Heloísa Buarque, "os
que se recusam a pautar suas composições ou apresentações
nesse jogo de referências ao regime, ou que preferem não
adotar o papel de porta vozes heróicos da desgraça do povo"
sejam "violentamente criticados, tidos como 'debundados',
'alienados' e até 'traidores'".243
Este é um tempo de muita tensão e indefinições a partir
das quais as experimentações e discussões estudantis tendem a
considerar as "alternativas" com atenção, inclusive com relação
à arte, conforme podemos observar neste trecho do Jornaleco
do DA de Economia da UFBa, de 1974:
"se por um lado a produção literária cresce, motivada por
fatores subjetivos (o afastamento de estudante e camadas
jovens da população, das edições político sociais do país,
241Otília
Beatriz Fiori Arantes: "Vanguardas". Arte em Revista, vol 7. pp.5/24
Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos Gonçalves. Cultura e Participação nos anos
60. Op. Cit., pp66/69
243 Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op. Cit, p.92
242
240
Arte em Revista, Centro de Estudos de Arte Contemporânea, São Paulo, Editora
Kairós, nº7
212
ocasionando um retorno à arte, e em particular à literatura
como um real e eficiente meio de participação), por outro
lado, há uma queda qualitativa, tornando-se a arte um
meio de luta contra reais objetivos imediatos. Quando as
coisas não vão muito bem a poesia pode e deve ser
utilizada como estilete. Mas não necessariamente, a ponto
de reduzir a arte a mero instrumento político .. tratamento
puramente objetivo (..) reduz o trabalho a simples meio de
transmissão de uma realidade de todos. O poema perde
em sentimento e sua realização fica incompleta,
permanecendo apenas no campo da constatação (...) Aqui
o sentimento de participação política não exclui o
sentimento e a criatividade (...) Aqui cabe uma lição: para
o autor que se quer participante não basta seu
engajamento puro e simples. Há que haver em sua obra
um mínimo de preocupação técnica e estética. Um certo
"bom autor literário fruto do exercício e da criatividade,
que permita ao autor não apenas se expressar, mas se
expressar bem, pois a literatura antes de mais nada, é uma
arte que deve ser aperfeiçoada"244
A primeira fase da década é também importante no
sentido das renovações analíticas que se passa a experimentar.
Segundo Francisco Foot Hardman, a presença de um contexto
instável pela "precariedade absoluta de condições materiais e
os riscos iminentes da repressão política" divide espaço com
uma situação na qual:
"Marxismo e estruturalismo despontavam (..) como marcos
referenciais obrigatórios. Althusser, Poulantzas, Jackobson,
Barthes, Lévi-Strauss, Marx e Engels, Weber e Dobb, entre
outros, eram alguns dos autores mais lidos e comentados,
o que, diga-se de passagem, não era nada mal. Já em
meados dos anos 70, começávamos a ler Gramsci
(sobretudo as reflexões sobre literatura, cultura, processo
244
Jornaleco, DA de Economia da UFBa, 1974, p 128
213
de construção da hegemonia) e Foucault (com destaque
para o ensaio seminal L'ordre du disours), autores que
auxiliavam na desmontagem de algumas crenças
ortodoxas prevalecentes até ali, em especial no reforço ao
sentimento de desconfiança disseminada para com
aparelhos e modelos teórico-políticos mais tradicionais"245
No mesmo percurso de desconfianças, tensões e
indefinições, os jovens estudantes se deparam com a presença
de uma forte cultura autoritária a permear a Universidade e a
sociedade, o que inibe concretamente seus movimentos de
questionamento político e cultural, ao mesmo tempo que
impõe o desenvolvimento de uma indústria cultural de perfil
excludente e massificado, ou ainda, alterações substanciais no
mercado de trabalho. Trata-se de enfrentar neste momento,
não apenas as problemáticas acadêmicas mas as contradições
que emergem da vida familiar e das perspectivas efetivas de
inserção no mundo do trabalho; contradições que tornam
urgente criar/desenvolver perspectivas "alternativas" de
formação, produção, circulação e inserção a partir da própria
Universidade - um campo formativo merecedor de
investimento político.
Todo este conjunto de mudanças, dificuldades e
desafios, por outro lado, nos leva a considerar o quanto o
envolvimento dos estudantes com as lutas acadêmicas e sociais
adquire um caráter variado e mais do que isso, efêmero, sendo
regido frequentemente pela momentaniedade das situações,
dos contextos e das problemáticas cotidianas que se
apresentam na Universidade. Na verdade, contrariando o
discurso participativo e político das organizações, o que de fato
245Francisco
Foot Hardman. "Arquivo como resistência: para um fichamento dos anos
70". Angela M, C. Araújo (org). Trabalho, Cultura e Cidadania: uma balanço da
história social brasileira. São Paulo: Scritta, 1997, p.271
214
se revela constante neste cenário acadêmico são as
frustrações, as divergências e as experimentações culturais em uma situação que se torna ainda mais problemática pelo
fato das entidades se verem forçadas a "reconquistar" os
estudantes à participação coletiva em um percurso de caráter
voluntário que de maneira alguma pode ser tomado de forma
progressiva e unânime. Aliás, a pretensão de envolver todos os
estudantes no interior das entidades não vai além de um
objeto de discurso, ou ainda, de uma imagem construída pelos
projetos políticos organizados.
Estas frustrações e divergências, por sua vez, não
impedem que em alguns contextos se presencie a formação de
movimentos coesos com ampla participação de estudantes
motivados a defender sua permanência na Universidade e a
conquistar melhores perspectivas de desenvolvimento
profissional. Estas questões, aliás, vão exercer um papel crucial
na associação e articulação destas experiências coletivas ao
enfrentamento dos problemas/necessidades urgentes de
reformulação de currículo, matrículas, ciclo básico,
jubilamento, restaurante, transporte, moradia. Vai ser,
portanto, no encontro - e também no desencontro - destas
diferentes modalidades de participação e perspectiva que
emerge uma "aventura coletiva" de apostas na construção de
uma outra Universidade e sociedade; uma aventura que é
significativa pelos seus próprios méritos.
De maneira particular, é a recriação de um projeto
estudantil de Universidade que propicia, neste primeiro
momento, o estabelecimento de articulações políticas e
culturais, dando vez a um projeto que se à primeira vista
parece não se diferenciar das propostas construídas nos anos
60, ele registra ao ser melhor observado, um repensar crítico
do conhecimento e da estrutura acadêmica muito significativo,
215
atento às diferentes modalidades de formação/inserção
profissional em curso, ou ainda, aos problemas formativos e
desafios prementes colocados pelas perspectivas tecnocráticas
da reforma.246
Na medida em que os estudantes procuram recriar seus
instrumentos e meios de ação coletiva de forma a confrontar os
mecanismos repressivos estabelecidos na Universidade, eles
conseguem erigir uma outra perspectiva de ação coletiva que
ao mesmo tempo em que problematiza a Universidade, afirma
"alternativas" de significação político-cultural na forma de
enfrentamentos por mudanças de currículo, pela
"modernização" da Universidade (sem adoção de
procedimentos tecnocráticos) ou pela democratização da
relação professor-aluno; formas, por sua vez, que se
estabelecem atentas às discussões e problemáticas colocadas
para o universo da cultura. A generalização das atividades
cineclubistas, de grupos teatrais, poéticos, literários e musicais
não se presta apenas a povoar um espaço "vazio" de
Universidade e diretório, mas a configurar discussões e
experimentações "alternativas" de política - em um percurso
que enriquece em muito as perspectivas e os procedimentos
coletivos estudantis247.
No interior dos diretórios os trabalhos coletivos são
246
Segundo documentos estudantis, as determinações administrativas condicionam
os alunos ao cumprimento de um ritmo de estudos exaustivo e imcompatível com as
condições oferecidas pela instituição, situação que se agrava na medida em que as
mesmas condições formativas frustram suas perspectivas de desenvolvimento e
inserção profissional.
247No depoimento de "Batata" recolhido por Mirza Pellicciotta para o Projeto "Fontes
para a História do Movimento Estudantil", no AEL/UNICAMP, encontramos
referências da "Casa do Cace", um espaço cultural estudantil localizado no centro da
cidade de Campinas que associa efetivamente atividades políticas e culturais na
forma de trabalhos coletivos nas gráficas, na montagem de peças e programação
cultural, na deliberação política do movimento.
216
desenvolvidos por comissões abertas que respondem pela
agremiação enquanto ancoram os trabalhos artísticos na "infra
estrutura" destas agremiações. Em vários casos, as cantinas
vinculadas aos DAs são administradas de forma autogestionária
por um coletivo de alunos que além de buscar reduzir os custos
dos alimentos abrem espaço para a realização de atividades
artísticas e culturais. Nas moradias encontramos também
experiências coletivas que procuram "alargar" suas
possibilidades de vivência comunitária associando festas,
eventos culturais e políticos à partilha e organização coletiva
dos trabalhos. Em relação aos fóruns políticos, são as
assembléias que tendem a prevalecer como procedimento
político hegemônico e fundamental à participação, procurando
realizar-se nos espaços mais "populares" da Universidade,
como nas portas dos restaurantes universitários - que de
maneira conjunta se prestam a promover feiras de artesanato,
apresentações artísticas, debates e atos políticos. A dinâmica
coletiva estabelecida em torno dos RUs (restaurantes
universitários) das Universidades Públicas, aliás, chega a atigir
uma tal intensidade que a Reitoria da UFBa em 1978 "cerca"
com muros este espaço de forma a impedir a
realização/concentração das "agitações".
A
intensidade
latente
das
insatisfações
e
questionamentos estudantis no espaço acadêmico, na
proporção em que alcança a criação de novas formas de
organização política dá vazão a um conjunto de movimentações
que a qualquer momento - e por qualquer razão - é capaz de
desencadear amplas articulações coletivas. Um caso ilustrativo
desta dinâmica pode ser observado em Minas Gerais, entre
1976 e l977, quando a administração da UFMG resolve
restringir o consumo de leite nas refeições do restaurante
universitário de Engenharia. Esta medida provoca uma onda de
217
reações e de manifestações que ao mesmo tempo em que gera
fortes discussões coletivas, denúncias e protestos, promove a
invasão do prédio e a instauração de uma comissão paritária
para a gestão do restaurante. Neste caso, a diminuição de um
copo de leite nas refeições do RU é capaz de articular todo um
conjunto de questionamentos e insatisfações que vai das
discussões e denúncias dos cortes de verbas à realidade da
tecnocratização do ensino, passando pela presença de
mecanismos repressivos/centralizadores de gestão acadêmico,
queda da qualidade do ensino e desvirtuamento do papel social
da Universidade pública248.
Neste encontro de reações, problematizações e formas
distintas de ação coletiva, as temáticas e as linguagens políticas
e culturais se diversificam associadas ainda, às mudanças de
convicção política. No caso das movimentações estudantis, elas
exprimem a emergência de comportamentos e de leituras
políticas que se contrapõem, muitas vezes, às concepções mais
tradicionais de organização e institucionalização do movimento
do passado249.
248
A luta em torno do RU de engenharia da UFMG, entre setembro de 1976 e março
de 1977 é um acontecimento muito sugestivo de como as movimentações internas
se transformam em movimentos organizados de caráter amplo. A luta pela melhoria
da alimentação, neste caso, organiza uma Comissão Representativa de Usuários que
procura acompanhar os trabalhos/recursos do RU. A questão dos 2 copos de leite
desencadeia discussões em classe, reuniões abertas do DCE, reuniões por escola e
elaboração de manifesto; um conjunto de manifestações que acaba por promover a
instauração de uma comissão de inquérito – sobre 17 alunos – além de novas ondas
de movimentação e, inclusive, a extensão das discussões a outros restaurantes
(como o da Medicina).
249Vamos encontrar ao longo da documentação registros de manifestações políticas
na forma de "happenings", encenação de peças teatrais, "enterros simbólicos", etc.
Nos documentos de um centro acadêmico de perfil mais tradicional como o CALQ
(agronomia/Piracicaba) pudemos observar fotografias de passeatas dos anos 70
onde os alunos se vestem de mulher e tomam as ruas associando "farra" à questões
educacionais. Na UnB, universidade extremamente repressiva ao longo de todo o
período, os registros revelam "happenings" que denunciam a concentração de poder
218
ELEMENTOS "ENRANGÈS" E CONTRACULTURAIS
Para que nós possamos compreender um pouco mais
destas experiências políticas sensíveis à problemática da
cultura, é preciso considerar alguns aspectos e perspectivas
que se originam das ações estudantis de l968 e que se
encontram em discussão no Brasil dos anos 70. A crítica à ação
partidária, a construção de um outro entendimento de
"revolução", a discussão da relação entre indivíduos e ação
coletiva (em uma dimensão diferente da estabelecida entre
"vanguarda" e "massa"), a reinvenção de fóruns de movimento
(marcada por uma dinâmica interna de trabalhos coletivos,
comissões, grupos, espaços culturais), ou ainda, a perspectiva
auto-gestionária e espontaneísta de movimento (que surge de
forma consistente no final da década) constituem, de fato,
elementos de uma trajetória mais ampla de "reinvenções"
políticas presente na dimensão internacional das
movimentações estudantis.
No caso brasileiro, estes questionamentos críticos
acerca das concepções de organização representativa, ideais de
participação política, crenças no Estado e nos próprios projetos
de transformação social, encontram penetração e acabam por
abalar as bases de legitimidade das instituições estudantis
"reconstruídas" nos anos 70, assim como a comprometer
funcionalmente suas permanências na década seguinte,
processo perceptível pelo curto espaço de tempo em que se
alcança legitimidade e pelo crescente "esvaziamento" destes
fóruns nos primeiros anos da década de 80.
Se retornarmos ao ano de 1968 por meio do estudo de
Olgária Mattos, Paris 1968: As Barricadas do Desejo, podemos
na Reitoria e sua associação à presença de repressão policial no espaço acadêmico.
219
observar "..uma sequência de acontecimentos a seu modo
extraordinários, imprevistos e absolutamente imprevisíveis"
em que o movimento estudatil, de maneira concomitante,
ganha a fisionomia de uma revolta aberta generalizada (em
mais de 20 países), marcada por questionamentos e disposição
de enfrentamento do Estado e das suas estruturas
institucionais, da organização e constituição da sociedade
(capitalista e socialista). No bojo dos diversos acontecimentos,
os ideais "contra o imperialismo" e pela destruição do Estado
Burguês, pela abolição da divisão do trabalho (e do próprio
trabalho como atividade alienante), ou ainda, em defesa do
Vietnã, de "Chê", Ho-Chi-Min, Mao Tsé Tung e Marx, da
revolução e do comunismo (em uma perspectiva imediata),
compõem um foco de questionamento essencial: o Poder.
Mas, o Poder não como um corpo estatal centralizador e
dominador à distância de seus integrantes, e sim como
conjunto de práticas de dominação, presente nas mínimas
instituições e relações sociais. A própria organização
institucional torna-se alvo de reflexão como campo de
reprodução das relações de Poder, assim como determinados
objetos e práticas políticas passam a ser vistas mais como
elementos de manutenção desta ordem do que propriamente
como mecanismos de transformação da realidade social250.
De forma generalizada, as movimentações estudantis
que compõem os acontecimentos internacionais de 68
propõem uma percepção da realidade social na qual a
resistência se estabeleça por meio de uma recusa microfísica
das mesmas relações e instituições sociais251. Como resultado
250
Olgária Matos. Paris: 1968: As Barricadas do Desejo. Op. Cit., pp 13/15
Olgária Mattos: "O ano de 1968 foi o marco da Grande Recusa: recusa
dos partidos oficiais, do marxismo burocratizado e do mundo venal, recusa e
exigência de transformação de valores (..) a obscenidade não é mais a mulher nua
que exibe o púbis, mas o general que exibe a medalha ganha no Vietnã. Não é
251Segundo
220
imediato, estas movimentações abrem um universo de
possibilidades de resistência e de "reconstruções" sociais que
se alicerçam em práticas políticas pouco precisas, espontâneas,
imediatas, mas que no entanto têm sua legitimidade
fundamentada nas experiências de vida e na intenção maior de
se reconstruir o social via relações coletivas252.
Por outro lado, trata-se de retomar marcos
revolucionários importantes do passado: "a Comuna de Paris de
1871, a Revolução Russa de 17, Catalunha de 1936, Budapeste
em 1956. Mas estas experiências históricas são agora
retomadas em um novo registro, pois é em meio ao debate
teórico de todas estas revoluções que se que se constituiu a
fecundidade do maio francês".253 Ganha lugar, então, o resgate
de posicionamentos políticos diversos em um esforço de
reavaliação extremamente significativo.
Em sentido mais amplo, o marxismo é retomado à luz
dos acontecimentos históricos da Revolução Cubana, da Guerra
do Vietnã e da Revolução Cultural Chinesa, matriz teórica a
partir da qual se discute as possibilidades de uma revolução
social se estabelecer fora do epicentro revolucionário dos
países industrializados - nas áreas subdesenvolvidas e
camponesas da Ásia e da América Latina - e realizada, neste
caso, por camponeses e plebes urbanas (os novos sujeitos
revolucionários oriundos dos textos de Mao Tsé Tung e Lin
Piao). Ao mesmo tempo, é o projeto de socialismo que merece
revisões em função das críticas que se estabelece à Revolução
Russa (trazidas pelos episódios da invasão da Tchecoslováquia,
pelas denúncias sobre os crimes de Stalin, pela busca de
tampouco, diz Marcuse, o ritual hippie, mas a declaração de um alto dignatário da
Igreja que afirma ser a guerra necessária para a paz". Op. Cit, p.26/27
252 Ibidem, p.12/26
253Ibidem, p.42/43
221
"coexistência pacífica" e pactos com o Imperialismo) ou mesmo
pelas críticas à "revolução Cultural" Chinesa (no aspecto da
persistência das "relações sociais" capitalistas e do limite do
projeto socialista enquanto transformação da estrutura
econômica).
Estas críticas, de forma correlata, dão lugar à uma
discussão mais atenta sobre a necessidade de se transformar os
próprios homens em suas relações coletivas como condição
para se estabelecer uma transformação social estrutural (a
"natureza humana socialista" de Mao Tsé Tung). Discussão,
então, que permite a entrada em cena de referenciais de uma
outra "cultura" desenvolvida na Alemanha e Itália a partir dos
temas ideológicos da escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno,
Marcuse) e que agora possibilitam a constituição de uma
interpretação ideológica comum entre as diversas linhas de
tendências estudantis na Europa, ou ainda, a construção de
uma unidade entre seus projetos políticos.
Segundo estas considerações, são os marginalizados das
metrópoles e os povos do 3º Mundo - os novos "sujeitos
revolucionários" - que se mostram capazes de lutar contra a
racionalidade repressiva das "sociedade de exploração" ao
negar o "princípio do desempenho", da "eficiência", da "ética
do sucesso" e do "trabalho" imperantes entre as relações
capitalistas de produção. Enquanto agentes de "subversão"
desta racionalidade social, a questão se centra na promoção de
uma nova organização social por meio do afloramento e
expressão da espontaniedade - uma das condições para que o
prazer, a fantasia, a imaginação e a poesia integrem e se façam
importantes à criação de uma nova sociedade.
Mas, de que forma estes questionamentos e
movimentações atingem o Brasil? Os estudos de Heloísa
Buarque de Holanda (em co-autoria): Impressões de Viagem:
222
CPC, Vanguarda e Desbunde (1981), Cultura e Participação nos
anos 60 (1982) e Patrulhas Ideológicas marca reg. Arte e
engajamento em debate (1980) são sugestivos da ocorrência de
várias "aproximações".
Segundo a autora, as mudanças do cenário político, das
condições do exercício militante ou ainda, as influências das
concepções e releituras de política, revolução e socialismo
promovidas pelas movimentações estudantis internacionais do
final da década de 60 são responsáveis pela promoção de
alterações significativas das perspectivas de ação coletiva, ou
ainda, de concepções de política e revolução presentes entre as
esquerdas brasileiras (em especial, na proporção em que se
estabelecem associações entre as esquerdas e as contestações
"rebeldes" de uma parcela da juventude). Segundo Heloísa
Buarque, a presença destas novas conotações pode ser
observada no desenrolar dos próprios acontecimentos da
década de 60, como no episódio de constituição do movimento
Tropicalista. Em seu entender:
"..a manutenção de uma produção cultural mobilizada pela
idéia da Revolução tal como fora equacionada até 64,
revelava-se improvável e cada vez mais "fora do lugar" (..)
a participação na indústria cultural (..) mostrava-se
problemática e até mesmo identificada com uma espécie
de "traição" à ética empenhada da intelectualidade. A esse
impasse, o Tropicalismo respondeu de forma original. Entre
a exigência política e a solicitação da indústria cultural,
optou pelas duas. Ou melhor : pela tensão que poderia ser
estabelecida entre esses dois polos (..) Na opção
tropicalista o foco da preocupação política foi deslocado da
área da Revolução Social para o eixo da rebeldia, da
intervenção localizada, da política concebida enquanto
problemática cotidiana, ligada à vida, ao corpo, ao desejo,
à cultura em sentido amplo"254.
223
Para a autora, as concepções de política e de revolução
adquirem novas significações ao estabelecerem associações
com o plano das contestações "rebeldes" e mais abrangentes
de cultura, valorizando-se, a partir de então, a intuição e o
corpo em lugar dos discursos teóricos e das experiências mais
tradicionais de militância255. Em uma interpretação
semelhante, Marcelo Ridenti afirma:
"..a mesma aversão aos "livros", às estátuas e às estantes,
que deveriam ser derrubadas, permeavam com diferentes
modulações todo o movimento social de 68, da
contracultura aos artistas engajados, dos hippies aos
guerrilheiros. O anti-teoricismo, a negação da reflexão em
nome da ação, foi também marca forte nos grupos de
guerrilha urbana. Para estes, a teoria política
revolucionária já estava pronta e não caberia mais perderse em discussões intermináveis, estéreis e burocratizantes,
que só impediriam a ação revolucionária a ser
imediatamente levada a cabo"256
As alterações de leitura sobre a sociedade, sobre a
revolução, a política e a cultura começam pouco a pouco a
revelar um alargamento de concepções e procedimentos
através da exploração de aspectos estéticos, visuais, corporais e
sonoros que assumem um caráter crítico e provocativo,
inclusive, segundo Arnaldo Jabor, em relação à "linearidade" da
visão marxista leninista vigente no curso das experiências do
CPC257. As novas maneiras de lidar com a política a partir de um
254
Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos
anos 60. Op. Cit., p66
255Ibidem, p.73
256 Marcelo Ridenti. Op Cit., pp 108/109
257Depoimento de Arnaldo Jabor recolhido por Heloísa Buarque de Hollanda e
Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60,Op. Cit. p.88
224
entendimento mais abrangente da cultura se traduz também
na forma de questionamentos críticos acerca das relações de
poder; percurso de discussão e transformação política que
acaba por lançar novas bases de formulação e comportamento
político para a juventude da década seguinte. Uma juventude
"informada", segundo Heloísa Buarque, por uma "disposição
anárquica e rebelde" que desconfia do "engajamento
propriamente político/revolucionário" vigente na "própria
militância de esquerda presente no meio estudantil, que se
conduzia no campo do comportamento e das relações
"pessoais" de forma um tanto rígida e conservadora"258.
Segundo a autora:
"Ser marxista, no fim de algum tempo, passa a ser visto
como um estigma, principalmente se vem acompanhado
de alguma preocupação de participação política mais
efetiva, constituindo-se em demonstração insofismável de
'caretice' (..) O binômio Arte/Sociedade, que era antes
tomado na perspectiva da palavra didática e de tomada do
poder a longo prazo, começa agora a abandonar os
grandes projetos e ao se configurar numa prática de
resistência cultural ou, como diz Wally, a tática de "forçar a
barra".259
De maneira concomitante, a entrada em cena de
elementos da contracultura no início dos anos 70, amplia a
intensidade desta leitura crítica (antes de mais nada, às
formulações mais ortodoxas de esquerda) ao eleger como
preocupação e interesse político questões como a
desrepressão, a autenticidade, as drogas e a liberdade;
questões que passam a ser incorporadas à uma discussão sobre
as "alternativas ao sistema" enquanto aspectos de uma
258
259
Ibidem, p 67
Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem, op. cit., pp.65/74
225
"revolução individual" a ser estabelecida no plano dos
comportamentos, das relações familiares, das relações
institucionais - tão presente em movimentos como o desbunde,
o rock, o underground, marcados pelas drogas, pela valorização
e afirmação da sexualidade e da psicanálise.
Encontramos também a valorização dos exercícios
intuitivos e místicos - de "soltar a mente dos limites da razão,
viver a loucura, o desejo e o êxtase"; além de uma maior
resistência ao consumo e a burocratização; ou ainda, uma
compreensão da "ação social" como a "expressão individual,
mediada nas comunas, nos encontros coletivos, na comunhão
despreconcebida dos corpos"; elementos e questões que,
segundo Favareto260, detonam uma "curto-circuitagem das
relações de poder, via drogas, rock, comunas e adesão às
filosofias orientais e herméticas".
Entre as fontes destes referenciais, estão os poetas
beats (em especial Alan Ginsberg e Lawrence Ferlingheth) e
autores como Mc Luhan, Marcuse, Watts, Norman Mailer
(divulgados pela chamada "imprensa alternativa") que, por
diversas formas, contribuem para a tendência de afastamento
da participação política e pelo uso de drogas como meio de
transformação interior das pessoas em pról da construção de
uma outra perspectiva de sociedade261.
A emergência destas perspectivas culturais é marcadas
agora pela pretensão de se estabelecer uma "intervenção
múltipla sob a forma de resistências setorizadas" que
paulatinamente abandona o projeto globalizante de tomada do
poder (vigente no início dos anos 60) para conferir à produção
cultural um lugar de elaboração e intervenção política - avesso
às ortodoxias e fundamentado nas trocas e contatos de jovens
260
Celso Favaretto. Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo, Kairós, 1979, pp31/36
Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem, op. cit , p.63
261Heloísa
226
dos anos 70 com intelectuais da década anterior. Como
decorrência, na medida em que o Estado oferece opções de
participação no cenário da indústria cultural em expansão,
setores jovens enfatizam sua atuação nos circuitos alternativos
ou marginais aos canais oficiais na busca de construir
experiências diferenciadas - significativas e originais - no campo
teatral, musical, poético ("geração mimeógrafo")262, plástico e
cinematográfico (especialmente em super-8). Este percurso de
produções culturais alternativas, por sua vez, tem na
Universidade um espaço importante de criação e circulação, em
especial, na condição de um campo paralelo "de consumo" de
uma produção autônoma e praticamente artesanal que se faz
marcada pelo maior "descompromisso como resposta à ordem
do sistema". No entender de Francisco Foot Hardman:
227
estandartizante
dos
saberes
ou
conformismo
unidimensional dos currículos universitários"263
Nos escritos de Marialice Foracchi, enfim, encontramos
observações importantes a respeito deste processo de
"aproximação" que se estabelece nos anos 60 e início dos 70
entre as experiências de contracultura juvenil e o movimento
estudantil. Para esta autora, o movimento estudantil é capaz de
captar e traduzir para a realidade universitária elementos da
contracultura que se acham presentes na sociedade brasileira
deste momento, e neste caso, construir uma modalidade de
radicalismo político que se revela frontalmente negadora da
dimensão institucional hegemônica na Universidade. Em suas
palavras:
"A concepção de contracultura é essencialmente política,
na medida em que os efeitos sociais da exacerbação da
criatividade e da busca de novas formas de expressão
repercutem sôbre o sistema como modos de contestação.
O esfôrço de criação, emulado na Universidade, não
encontra acolhida na sua estrutura institucional e
transborda numa estilização de inquietação política. Os
limites e os tormentos da elaboração de uma nova práxis
política, não sendo regulados por padrões institucionais,
seja porque a Universidade não os comporta, seja porque
os descaminhos da política convencional não os orientam,
canalizam-se para o movimento da juventude que aceita o
fardo. Nessa passagem, a distinção entre o movimento
estudantil e o movimento de juventude se processa com
nitidez. O primeiro radicaliza a sua vinculação à
Universidade, pretendendo nela ativar a criação de uma
contracultura e tentando explorar as perspectivas do jôgo
político instituconalizado. O movimento de juventude
"...existia, naquele início dos anos 70, uma combinação de
traços muito singular que, depois, se desfez (..) desejo forte
de comunidade, que se espraiava, na época, por espaços
menos óbvios, que se prazia na crítica político-cultural
entre a resistência à ditadura e o chamado debunde,
experiência geracional das mais sérias, porque ancorada
na 'grande recusa' marcusiana, herdeira, por conseguinte,
de maio de 1968, e avessa, então, a qualquer burocratismo
institucional que pudesse significar segmentação
262
No campo da literatura, a produção conhecida por “poética marginal” persegue
uma possível ”identidade” de criação através da inserção da poesia na vida cotidiana
das pessoas, no “olhar” sobre o mundo, na sensibilidade para com a diversidade das
questões presentes na sociedade de mercado, e neste caso, a “poética marginal” se
realiza através da produção artesanal da sua “mercadoria”, “imprimindo” na
confecção dos trabalhos toda a precariedade, a subjetividade e as “imperfeições” de
seu processo criativo ou ainda, o desafio de fazer circular os produtos, em geral,
através do contato direto entre o poeta e o público. Ao lado desta especificidade de
produção e distribuição, muitos “poetas marginais” procuram estabelecer vínculos
com outras linguagens como o teatro, a música e a dança em busca de transpor os
limites colocados para as “mercadorias” artísticas, o que permite uma nova
espeficidade a estas “mercadorias”.
263Francisco
Foot Hardman. "Arquivo como resistência: para um fichamento dos anos
70". Angela M, C. Araújo (org). Trabalho, Cultura e Cidadania: uma balanço da
história social brasileira. São Paulo: Scritta, 1997, pp269/270
228
radicaliza sua vinculação ao sistema, negando-a através de
uma prática que se apóia na improvisação e na
espontaniedade, pretendendo implantar um estilo de vida" 264
A CRIAÇÃO DE UM TERRITÓRIO "MARGINAL" À CULTURA
"OFICIAL"
"...a geração 70 começou em 68 (..) De 68 a 7172 foi um vup!... Só a fotografia pegou"265
Mas, que lugar devemos conferir ao conjunto de
reações e formas de resistência que emanam do campo da
cultura, no curso dos acontecimentos da década de 1970?
Na verdade, a transformação dos paradigmas políticos
ganha concretude e significação quando passamos a observar o
que se esconde por trás das proposições da chamada cultura
"alternativa"; e no caso particular no Brasil, que relação possui
com a entrada da comunicação de massas em proporções até
então desconhecidas no país como um componente estrutural e instrumento político - de funcionamento e legitimação do
regime militar instaurado em 1964.
É preciso considerar, antes de mais nada, que continua
presente uma "aposta" na transformação social; uma "aposta"
no entanto, que deve buscar outras vias de realização, ou
ainda, a construção de novas formas de resistência e
possibilidades de ação coletiva capazes de enfrentar a ditadura
militar em associação à criação de uma indústria cultural sem
precedentes na História Brasileira.
264
Marialice M. Foracchi. A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo,
Pioneira/Ed da Universidade de São Paulo, 1972, pp 13/14
265Galvão. Geração Baseada. RJ, Codecri, Coleção Edições do Pasquim, 1982, p 62
229
A produção cultural da década de 70, pouco a pouco,
passa a se fazer marcada pelo desenvolvimento da televisão, do
mercado fonográfico e editorial, assim como por importantes
investimentos estatais na área cinematográfica e teatral que
vão construir e consolidar uma ampla rede de comunicação
(transcendente, em muito, aos limites do rádio) com a
pretensão, segundo Renato Ortiz266, de realizar uma verdadeira
"integração nacional". De forma paralela ao alargamento das
possibilidades da comunicação, é um "vazio" político que
acompanha este processo, instaurando em conjunto à censura
e repressão a imposição de dificuldades sérias e concretas a
produção e realização de trocas de referências entre
segmentos importantes do cenário cultural.
Na verdade, ao tomarmos este período pelo viés da
produção cultural percebemos a presença de uma dinâmica
repressiva associada à entrada intensiva da chamada indústria
cultural que por meio de um processo de massificação interfere
no campo da comunicação e da produção literária, musical,
teatral, artística, reordenando suas questões a partir de uma
outra dinâmica de circulação e padrão de consumo. Mais do
que isso, a veiculação de uma "cultura oficial" associada à
expansão da comunicação de massas se soma à adoção de um
leque de atos arbitrários e mecanismos de censura e autocensura que se traduzem na constituição - e explosão - de uma
sociedade de mercado promotora de novos hábitos e valores
sociais. Segundo Renato Ortiz:
"64 inaugura um período de enorme repressão política e
ideológica, mas significa também a emergência de um
mercado que incorpora em seu seio tanto as empresas
266
Renato Ortiz. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria
Cultural. Op. Cit., pp113/148; Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional.
Op. Cit., pp78/126
230
privadas como as instituições governamentais. Durante o
período 64-80 ocorre uma formidável expansão, a nível da
produção, da distribuição e do consumo de bens culturais.
É nesta fase que se dá a consolidação dos grandes
conglomerados que controlam os meios de comunicação
de massa (TV Globo, Ed. Abril,etc.)"267
A partir de 1964, o Estado desempenha um papel de
destaque na dinamização do mercado cultural ao tratar desta
questão como meio de integração nacional, associando à
expansão e consolidação do mercado de bens simbólicos a
veiculação e desenvolvimento de sua política autoritária. No
estudo organizado por Sérgio Miceli, Estado e Cultura no Brasil268
, podemos identificar a criação de novas instituições estatais
para o setor, em especial a partir da decretação do Plano
Nacional de Cultura na segunda fase da década, quando o
cinema, o teatro, as artes, passam a receber estímulos públicos
concomitantemente à realização de investimentos privados
significativos nas áreas lucrativas do turismo, televisão, música
e publicações.
A associação entre interesses do capital privado e poder
público possibilita que o governo invista na construção de uma
infra-estrutura tecnológica para o sistema de telecomunicações
e que implante uma legislação específica para o setor cultural
na pretensão de disciplinarizar e organizar a produção e
distribuição segundo a lógica de mercado. De forma correlata,
os novos órgãos e instituições culturais como o Conselho
Federal de Cultura (criado em l966), a FUNARTE, EMBRAFILME,
entre outras, permitem a institucionalização destes canais de
contato entre o Estado e a sociedade civil, recebendo em seus
quadros representantes das Academias e Institutos mais
267Renato
268
Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. Op. cit., p.83
Sérgio Miceli (org). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo, Difel, 1984
231
tradicionais (que desde o princípio, apoiam o Golpe), de setores
empresariais (que pouco a pouco, ocupam cargos junto às
novas instituições), ou ainda, de intelectuais e artistas de
esquerda interessados em integrar o desenvolvimento do novo
parque industrial da cultura (em especial, através de projetos
subsidiados que se voltam para setores mais carentes e de
menor poder de mercado).
A criação destes novos espaços, por sua vez, confere
expressão a segmentos sociais conservadores cujas posturas e
manifestações há muito se acreditavam extintas e que agora se
prestam a dar apoio às novas regras autoritárias e aos
processos de intervenção e interrupção da produção cultural,
em um percurso marcado por grande violência política269. Este
é o tempo em que Stanislaw Ponte Preta registra em seu
"Primeiro Festival de Besteira que Assola o País", que:
"..o diretor de Suprimento, em Brasília, proibia a venda de
vodca 'para combater o comunismo"270
De forma complementar, a nova "ordem" autoritária
(associada à massificação cultural) ganha legitimidade social na
proporção em que considera como "subversiva" as produções
anteriores e em que "embaralha" as referências culturais ao
cercear as tentativas de rearticulação de discussão, resgate e
continuidade das produções - ocorrendo uma sobreposição e
perda de significados culturais ao lado do alijamento da esfera
pública das produções que porventura reajam à dinâmica de
implantação da indústria cultural - seja por razões políticas,
culturais ou inclusive, morais271.
269Roberto Schwarz. O Pai de Família e Outros Estudos. São Paulo, Paz e Terra, 1992,
p 61/92
270 Stanislaw Ponte Preta. FEBEAPÁ: 1º Festival de Besteira que Assola o País. São
Paulo: Círculo do Livro, p11.
232
Em sentido inverso, como a se orientar pela frase de
Chico Buarque: "quero perder de vez tua cabeça", tem início
um processo de resistência cultural que consegue se diversificar
na proporção em que amplia seu leque de questionamentos,
posturas e experiências de "engajamento" - em um percurso
que poderíamos chamar de "cultura alternativa". Lentamente,
ganha lugar a circulação de um outro conjunto de obras
proibidas e copiadas que se tornam conhecidas, discutidas e
comentadas em um percurso de resistência crucial à
permanência ou mesmo continuidade de certas perspectivas e
experiências culturais interrompidas. As produções que
alcançam os meios de comunicação oficial convivem com obras
geradas sob condições as mais adversas, mas que no entanto,
não cessam e acabam por conquistar um lugar no cenário
cultural. Estas possibilidades de resistência, por sua vez,
carregam uma percepção mais crítica do momento, forçadas a
realizar uma leitura diferente dos períodos anteriores, o que faz
com que as realizações culturais dos anos 70 apresentem um
leque diverso de perspectivas que vai das obras interessadas
em dar continuidade aos trabalhos interrompidos a obras cujos
referenciais provém das incongruências deste mesmo tempo sendo compostas de uma grande diversidade de interpretações
e utopias a conviver lado a lado com o desenvolvimento de
uma produção artística de caráter empresarial.
Os acontecimentos da nova década vão produzir, neste
sentido, uma outra perspectiva de relação entre política e
cultura na qual as heranças da década de 60 encontram apenas
em parte alguma continuidade - muitas vezes em uma
dimensão mais individualizada. Conforme sugere Roberto
Schwartz, se toda uma produção cultural nos anos 60 perde
concretude com o golpe, ao mesmo tempo os vínculos entre a
271Heloísa
Buarque de Holanda. Impressões de Viagem, Op. cit. pp.90/91
233
produção cultural e a política se alteram ocorrendo uma quebra
de relações estabelecidas entre a intelectualidade e a luta
popular272.
De fato, no período pré-AI-5, encontramos a presença
de um conjunto relativamente articulado de discussões e de
perspectivas de produção cultural pautado pela leitura crítica
da arte em associação à problemática social do país273;
perspectiva que permite estabelecer um "diálogo" entre
campos artísticos diferentes como o cinema, o teatro, a música;
ou ainda se desenvolver experiências "engajadas" que
assumem algumas vezes experimentações estéticas
importantes. Já no final dos anos 60, é a sedimentação de um
amplo mercado de consumo cultural trazido pela televisão,
272
Referência ao seu discurso durante o Seminário “O Golpe de 64: 30 anos”
promovido pelo Instituto de Ciências Humanas da Unicamp, 21 a 24 de março de
1994
273Desde a formação do Cinema Novo (final dos anos 50) encontramos uma
perspectiva de produção cinematográfica "nacional" (de ambições, inclusive,
industriais) dotada de temáticas e processos de produção sensíveis às questões
sociais, políticas e econômicas do país. No campo teatral, a década de 60 marca
importantes realizações que também possuem bases na leitura crítica de uma
sociedade marcada pelas diferenças e conflitos, na qual a condição de pobreza - que
afeta a produção e a circulação cultural - se constitui ao mesmo tempo objeto e fim
da perspectiva artística. O "que fazer" se articula com o "como fazer", na busca de
uma coerência de realização compatível com as opções temáticas e estruturais de
produção. No campo musical, o movimento de "bossa nova" iniciado ainda nos anos
50, assume uma produção muito rica e variada de pesquisas e criações, onde
gerações de artistas populares são recuperados em uma perspectiva de recriação
musical, sensível aos aspectos sociais deste mesmo tempo. As diferentes obras de
arte, de diferentes campos de linguagem, possuem como "área" comum de
articulação a inserção em uma "realidade" marcada pelas disparidades, na qual a
riqueza das respostas culturais, políticas e sociais apontam para uma perspectiva
coletiva de produção "brasileira" . E se a mesma perspectiva já se colocara em outras
épocas, em particular no início do século em torno da arte modernista, nos anos 60
ela assume uma articulação mais ampla, inclusive em termos de linguagem. A
música, o teatro, o cinema.. generalizam sua dimensão de trocas simbólicas, e pouco
a pouco, novas experiências se articulam, inclusive na esfera da política.
234
indústria fonográfica e produção cinematográfica internacional
que condiciona as produções, empurrando para a
marginalidade ou para a clandestinidade boa parte das
experimentações desenvolvidas até então, "excluindo" artistas
através das novas regras de censura e de mercado cultural, ou
ainda, interrompendo percursos de discussão e articulação
político-cultural significativas desenvolvidas até então274. Como
sugere Inácio de Loyola Brandão, este é o tempo no qual uma
produção cultural clandestina é forçada a recriar, quando
possível, os seus instrumentos de comunicação a partir das
próprias renovações tecnológicas introduzidas na ocasião. Para
o autor:
"..xerox viriam, surgiriam dos subterrâneos, emergiriam da
clandestinidade a que a cultura brasileira foi obrigada a
suportar por anos e anos (..) Cópias xerox de livros, peças
proibidas. Poesias mimeografadas por não encontrarem
editores com audácia para publicação. Letras de músicas
jamais gravadas. Fotos, revistas e jornais estrangeiros,
livros que tinham escapado à apreensão (..) Quem tinha
algo proibido, não guardava cuidadosamente, na
esperança do 'material' se valorizar, obter preço de
mercado. A maioria das pessoas entendeu que a cultura
não era coisa para bolsa de valores (..) Conheci muitos
grupos que faziam vaquinhas, coletavam dinheiro, faziam
uma cópia. Uma lista de nomes acompanhava o texto. O
primeiro lia, passava ao segundo. O segundo ao terceiro,
até o fim da linha. Se a cópia resistia, eles procuravam
outro grupo, estabeleciam novo circuito"275
274
Entre os estudos do final dos anos 1990 encontramos registros significativos
acerca das condições/perspectivas de produção cultural nos anos 70 como em: Denis
Moraes. O rebelde do Traço: A vida de Henfil. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1996; Márcio Borges. Os Sonhos não Envelhecem: Histórias do Clube de
Esquina. São Paulo, Geração Editorial, 1996; Carlos Calado. A Divina Comédia dos
Mutantes. Rio de Janeiro, 34 Literatura S/C Ltda, 1995
275Inácio de Loyola Brandão. Folhetim, 6/maio/79, nº120, p.8/9
235
No entanto, atuar neste contexto de maneira a produzir
um "contra-discurso" cultural implica ter presente projetos e
leituras de mundo "alternativos" muito claros em um momento
no qual não há consensos em relação à situação, aos problemas
e aos desafios colocados na esfera da cultura e da sociedade276,
ou ainda, em que imperam as divergências, as fragmentações,
os constrangimentos e a violência277. Tempo, enfim, em que a
obra de Chico Buarque ganha destaque - como símbolo desta
"resistência" - por conseguir referendar certas problemáticas
sociais e culturais que se acham presentes e que se constituem
cruciais a compreensão de um contexto por demais difuso278.
O SIGNIFICADO DAS "PRÁTICAS CULTURAIS" NO REPENSAR
POLÍTICO DAS MOVIMENTAÇÕES ESTUDANTIS
276
Em depoimento recolhido por Heloísa Buarque em Cultura e Participação nos
anos 60, Caetano Veloso afirma: “Realmente havia uma diferença entre os nossos
interesses e os interesses de criação de uma cultura revolucionária ou engajada no
processo revolucionário que rolava na época. A gente precisou botar isso em
questão, mais do que propriamente definir uma outra posição. A nós parecia que a
questão não era essa (...) Mas essas questões do nacional e do engajado me
interessavam mais naquela época. Todo mundo falava nisso e eu para defender a
minha inspiração usava o jargão da época, às vezes até sem muito conhecimento. Na
verdade a minha visão do panorama cultural era vaga e o que eu desejava também”.
Op. Cit., p85
277Na análise realizada sobre a instauração do AI-5 em fins de l968, encontramos
depoimentos insistentes sobre o papel de ruptura que esta medida significa. Ruptura
de experiências culturais e políticas de toda uma geração, com projuízo da dimensão
de perspectivas caras à um projeto mais amplo de produção coletiva. Segundo
Roberto Freire: "..o mais grave e lamentável no processo de censura arbitrária e
reacionária à liberdade de ação, de crítica e de expressão crítica, não é a censura
propriamente dita, mas a sua consequência e principal finalidade quando
eficientemente aplicada: a autocensura (..) sucesso do sistema político-repressivo".
"O que o país perdeu com o ato 5, Folhetim, 31/12/78,p3
278 Adélia Bezerra de Meneses. Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque.
São Paulo, Hucitec, 1982, pp203/204
236
Se o universo das militâncias e das práticas políticas e
culturais estudantis e juvenis experimentam transformações na
virada das décadas de 60 e 70, quais são as consequências
destas mudanças para o movimento estudantil?
Na verdade, as alterações de concepção política
oriundas de um percurso mais profundo de reinterpretações e
vivências
promovem
uma
mudança
efetiva
das
condições/perspectivas internas de exercício político do
movimento no espaço acadêmico. A princípio, os referenciais
"enrangès" e contraculturais (associados às condições
repressivas em vigência na Universidade) interferem nas
diretrizes políticas institucionais e na produção cultural destes
estudantes, possibilitando que se desenvolva um leque mais
amplo e diversificado de manifestações de resistência e de
experiências culturais críticas aos processos de reformulação
institucional. Este contexto permite ainda que o movimento
estudantil adquira através da dimensão cultural referências
importantes de reconstrução de práticas coletivas, de forma
que as atividades culturais, em si mesmas, configuram
transformações de paradigmas políticos.
As "práticas culturais", como são chamadas, carregam
em suas trajetórias de reflexão política perspectivas de ação
coletiva "alternativa" que com o passar do tempo sedimentam
um forte instrumento de comunicação entre os estudantes
passando a "dividir" com os grupos organizados em
recomposição, experimentações de linguagem muito caras à
reestruturação institucional do movimento - como no caso da
utilização do teatro na legitimação destes fóruns coletivos.
Por outro lado, nós podemos observar também que em
diversos casos ocorre um "descolamento" destas
237
experimentações culturais do universo propriamente
institucional do movimento ao se optar por construir
"alternativas coletivas" mais radicais dotadas de leituras de
política diferentes.
Na prática, a convicção na possibilidade de transformar
as formas de vida das pessoas anima projetos culturais e
políticos a construir linguagens participativas - na forma
teatral, cinematográfica, poética ou literária - com vistas a se
afirmar, enquanto tais, em experiências de transformação das
relações coletivas e sociais. A entidade estudantil, por este viés,
reaparece como espaço de socialização e embrião de outra
utopia de sociedade levando-nos a considerar que a presença
destes elementos "enrangès" e contraculturais conferem às
"práticas culturais" um outro conceito de militância e
revolução.
Os referenciais oriundos das "práticas esquerdistas" do
movimento de 68 frances, por exemplo, entendem o estímulo à
espontaniedade como um instrumento de "libertação" dos
mecanismos condicionadores da vida e do trabalho alienante
da sociedade, assim como de valorização da dimensão subjetiva
dos desejos e da sensibilidade - capazes de munir as
movimentações coletivas da capacidade de criar seus próprios
procedimentos políticos/culturais de luta política. Estes
referenciais valorizam, ainda, o "brincar" com a política
(marcante das ações yppies norte americanas) como forma de
se assumir posicionamentos críticos sem reforçar os
fundamentos políticos mais tradicionais. Na prática, uma opção
militante que, mesmo premida pelas indefinições, se coloca
alternativa aos projetos de matriz marxista-leninista. Nas
palavras de Daniel Cohn Bendit:
"Podemos não saber exatamente o que desejamos, mas
temos plena consciência do que recusamos : a solidão, o
238
individualismo, a possessividade e outros valores da
sociedade tradicional"279
De forma correlata, uma reflexão um pouco mais atenta
sobre as chamadas linguagens participativas dos estudantes
brasileiros dos anos 70 revela a presença de elementos
marcantes da contracultura no percurso de se entender/eleger
a expressão corporal, as experiências musicais e poéticas, as
discussões estéticas e conceituais como aspectos
fundamentais de uma renovação do campo da política - e não
apenas como instrumentos de legitimação de procedimentos
organizados e espaços institucionais. De forma especial, estas
reflexões e procedimentos se fazem presentes na atribuição de
uma postura anti-autoritária e anti-dogmática à esta dimensão
cultural , entendida então como condição de "libertação"
individual, comportamental e sexual através da libertação da
espontaniedade. A preocupação e insistência com relação ao
convivio nos diretórios, portanto, carrega esta perspectiva
"alternativa" de ação/vida coletiva no contexto acadêmico dos
primeiros anos da década.
Mas a experimentação de perspectivas desta natureza
em um período de ditadura militar é tratada com violência e
censura, ao mesmo tempo que a repressão às organizações de
esquerda obrigam-nas a proceder a uma renovação de práticas,
ou ainda, a um repensar da questão política; percurso que, em
certos aspectos, aproxima ambas as dimensões.
Neste sentido, e apesar dos mecanismos repressivos em
vigor, o espaço do diretório e da Universidade transforma-se,
em termos mais amplos, em um ponto de contato das
concepções distintas de política e cultura; contato por sua vez,
que se por um lado permite que o diretório incorpore
279Daniel
Cohn Bendit. O Grande Bazar. Op. cit., p.179
239
produções poéticas, musicais, literárias e teatrais ao projeto
político de "reconstrução" institucional do movimento (de
significado político-representativo), por outro, dá vez a um
"retecer" das relações políticas a partir destas novas
perspectivas de sociabilidade, convívio e participação. Os
jornaizinhos registram este "encontro" como podemos
observar em um fragmento do "Boletim do DEA"
(arquitetura/UFBa) de 1972:
"A idéia parte de que fazendo arte há possibilidade da
gente se libertar do cotidiano dos livros e da sala de aula. A
Universidade deve ser mais do que isso. A individualidade
se torna social, se a gente encontra um caminho para a
sensibilidade".
As experiências artísticas partilham agora do espaço do
diretório como um meio de reconquistar uma vivência coletiva;
perspectiva que confere ao diretório uma definição múltipla de
papéis como espaço da política representativa, instrumento de
transformação da Universidade e lugar de convivência. No
jornal "O Pícaro" (ECA/USP)280 de 1971, podemos ler:
"O que você faz na Faculdade? Já pensou se essa pergunta
fosse feita a você? Que resposta daria? Diria talves [sic]
que assiste aulas, que estuda, ou ficaria mudo, sem
resposta. Sabe que campo profissional o espera? Onde e
como vai ter de trabalhar? Não. Bem, esses são problemas
que deveriam interessa-lo muito de perto. Que interessam
a todos nós, alunos da Comunicações. Mas o importante é
esclarecer dúvidas, é levantar problemas. E como fazer
isso? Através do Diretório Acadêmico, é claro. Não é o
Diretório o órgão de representação dos alunos? Pois então.
Vocês, nós, precisamos participar de suas atividades. O DA
é nosso. Somos o DA, e é através dele que devemos buscar
280
O Jornal O Pícaro era produzido por militantes ligados ao PCB.
240
a solução dos nossos problemas, as respostas às nossas
dúvidas (..) Afinal, o DA têm departamentos que abrangem
as diversas atividades existentes na faculdade : teatro,
cinema, shows, trabalhos gráficos, esportes, tanta coisa
Enfim, por algum dêstes departamentos você deve se
interessar. Não fuja. Você têm muito a fazer; muito a
receber. Participe. Participe da vida acadêmica, participe
de nossos problemas, dos seus problemas. Participe do DA"
Em 1974, encontramos o mesmo ideário no Jornal
"Ciso" do DA de Ciências Sociais/UFBa:
"O Diretório é uma entidade aberta, fomada por todos os
alunos matriculados no referido curso, havendo todos os
anos eleições em que os membros do Diretório elegem os
componentes da equipe cordenadora das atividades em
todos os setores - cultural, social e esportivo, que são
necessários para o desenvolvimento de um ambiente
estudantil completo, sem a limitação mecânica de
simplesmente vir assistir aulas e voltar, sem ter uma maior
consciência dos problemas em comum, da necessidade de
tornarmos nossas reivindicações fortalecidas e viáveis (..)
Na medida em que não temos um curso em nível
satisfatório, carente de atualização, abertura, debates,
melhor orientação no sentido prático do desempenho de
nossas futuras funções dentro da sociedade. Deve haver
uma tomada de consciência, da necessidade de haver algo
que seja o ponto comum, que se prestarmos atenção
temos interesse e problemas que são comuns a todos os
estudantes, algo que quebre a incomunicabilidade criada
pela Reforma Universitária através da descentralização das
escolas"
Na primeira fase dos anos 70, as atividades culturais
tornam-se parte da vida das entidades, integradas aos
propósitos coletivos de um espaço que se pretende
complementar a experiência formativa, e neste caso, sua
241
análise nos esclarece o papel e o lugar que a cultura ocupa
entre os exercícios políticos do período. Pouco a pouco, são os
shows musicais de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque,
Milton Nascimento, Gonzaguinha, entre outros; as mostras de
som e o incentivo à criação de novos trabalhos, que tomam
acento no mundo acadêmico281. Assim como a troca de
referências e linguagens artísticas no interior do espaço do
diretório (de larga tradição política), possibilita a
experimentação de novas perspectivas de ação coletiva. No
"Jornaleco" do DA de Economia da UFBa, de l974, podemos
observar as influências que a "geração mimeógrafo" possui na
prática política do movimento:
"Quando toda uma geração de novos poetas passa a fazer
música popular para não se manter distante do contato
direto com o público, quando se torna cada vez mais difícil
o acesso à publicações, quando se torna cada vez mais
caro o custo das edições, mediante a comercialização cada
vez maior do livro, quando existe todo um esquema oficial
de censura que promove a linearização ideológica das
obras literárias, o que fazer para resistir? A resposta está
na lição que podemos e devemos aprender com a chamada
"geração mimeógrafo". Coisa curiosa podemos notar nas
sociedades onde o poder político controla e conduz as
manifestações culturais. Ao menos com relação à
literatura, e em particular à poesia, pela sua capacidade de
disciplinarizar críticas diretas, as limitações provenientes
de tal estado de coisas tendem, a curto prazo, provocar
reações marginais cuja maior contribuição é o
revigoramento da produção literária do país. É o que se
nota atualmente em nossos meios universitários, onde à
falta de recursos técnicos e economicos, é feito numerosa
281Podemos
ler no Boletim do DEA (Arquitetura/UFBa) de l973: "Além de mostrar
todo um pessoal que faz música aqui na escola, a Mostra de Som tenta começar um
momento musical universitário, incentivando a participação de outras escolas. Isso
também é um convite. Venha transar com a gente".
242
produção literária à base de mimeógrafos, com tiragem e
distribuição limitada".282
De forma correlata, estas perspectivas culturais
permitem que os mais diferentes estudantes se "agreguem" em
torno das entidades e passem a construir perspectivas mais
amplas de ação coletiva. No editorial do "Boletim do CUCA"
(Centro de Cultura e Arte) da UFBa, deste mesmo ano, notamos
a presença de "hippies" na organização e realização de
espetáculos de dança, teatro, cinema e música; a presença de
poetas voltados a construir um movimento (MANOPO) e a
publicar um caderno de poesias; a realização de cursos e
exposições fotográficas, de comemorações (como a da Semana
de Arte Moderna) e discussões sobre a cultura popular (através
da Semana de Cultura Popular). Em um fragmento deste
editorial já podemos observar a dinâmica que se desdobra
destas perspectivas:
243
entidades estudantis possibilita que se estabeleça nos
primeiros anos da década uma convivência muito frutífera
entre elementos e leituras diferentes de ação coletiva,
produção artística e atuação política, sem que se percam as
perspectivas originais. Esta convivência é enriquecedora a
ponto de permitir que as movimentações e discussões de perfil
contracultural se expressem no interior das entidades284. O
"Jornal do DAFA", do DA de arquitetura da UFRGS, em l973, nos
fornece um registro importante do contexto de variações
comportamentais que se encontra presente e que
efetivamente compõe o universo estudantil da época, objeto
de processos repressivos:
"O último FESTIVAL DE INVERNO DE OURO PRETO está
sendo considerado o Festival das Detenções. Difícultando
cada vez mais a realização do Festival, no último, 85
policiais e 22 inspetores da PM de Belo Horizonte
‘visitavam' diariamente as repúblicas estudantis à procura
de 'viciados' e antigos malandros que se aproveitavam do
festival'. Nos primeiros dez dias foram presas 360 pessoas.
130 foram largadas nas estradas Rio-Bahia (os que eram
do norte) e Rio-Belo Horizonte. Conforme um inspetor do
DOPS 'as outras foram para o serviço de triagem do DOPS
de Belo Horizonte. Muitos hippies passaram a vestir roupas
caretas depois da 'estadia'. Os estudantes estrangeiros
presentes no Festival estavam aterrados. 'Quando eles não
tinham mais nada para inventar, criaram uma comissão
para dizer o que podia ou não ser vendido na feira' diz uma
aluna do Festival. 'Todo mundo fala baixinho. Só falaram
"Cercado pelas brancas paredes da capela do União,
embaixo de muita batida e palavrão, Mario Cravo deu a
dica do que é a arte aqui. A platéia indecisa e/ou
deslumbrada pensou, discordou, vaiou, esculhambou,
gostou e por incrível que pareça - disse o que achou. A
poeira que foi levantada naquela noite, continuou pelo ar
por entre exposições, palestras e filmes, para finalmente
assentar depois do show de encerramento lá no Vila Velha
e nas cabeças daqueles que sentiram na SEMANA
ESTOPIM, um passo-tentativa o sentido de criar
oportunidades nessa terra pra quem tá a fim de fazer e
mostrar seus trabalhos"283
284
A aproximação de atividades, grupos culturais e
282
Jornaleco, DA de Economia da UFBa, 1974
283Centro
de Cultura e Arte (CUCA) da UFBa, agosto de 1972
O Jornal “O Pícaro”, produzido pelo DA da ECA/USP, em 1971, explica da seguinte
maneira o seu título: “O romance picaresco, um dos gêneros mais originais e mais
florescentes da literatura espanhola, descreve os costumes e os hábitos dos pícaros,
sociedade pitoresca e duvidosa onde se encontram mendigos, tratantes de toda
espécie, desqualificados, pobres, miseráveis, reincidentes das aldeias, tudo que vive à
margem da sociedade. Aí está a razão do nome. Somos, pois os avós da
contracultura e os tios avós do cinema marginal”
244
alto para anunciar que estavam abertas as inscrições para
a 'miss' do festival".
245
relevância deste processo:
"A importância da formação de grupos de teatro na UFBa
foi sentida desde a apresentação, em Direito, de uma
montagem de poesias e expressão corporal no lançamento
da Antologia Poética. Já foi firmado o TEPSi (teatro da
psicologia) e está na hora de firmarmos novos grupos nas
escolas. A mostra de Som Universitário foi a primeira
retomada de estudantes para constatar e debater o que
está sendo produzido, em termos musicais. Outras idéias
surgiram e devem ser postas em prática: feiras de música,
mostras de som, etc. O cinema nos coloca dentro de um
contexto maior de análise. Neste sentido, serão
apresentados filmes no restaurante universitário e nas
faculdades"286
Na verdade, as atividades culturais atingem uma tal
importância no processo de reconstrução política dos diretórios
que a partir de 1973 os DCEs, instâncias mais centralizada de
organização representativa, começam a incorporar às
perspectivas de ação representativa a organização e promoção
de eventos, publicações e atividades culturais, como se estas
atividades culturais pudessem "emprestar" perspectivas
.
coletivas ao projeto de recomposição político-institucional
Vemos então se propagar grupos de música vinculados aos
diretórios conforme podemos ler no "Boletim Informativo" do
CEUPES (Ciências Sociais) da USP, de 1973:
" A idéia de se formar um grupo de música em nossa escola
foi, em primeiro lugar, proposta aos calouros e aberta a
todos através de uma reunião ampla (..) Por uma série de
problemas, esta reunião teve o comparecimento de poucos
colegas que, de qualquer maneira, formalizaram a criação
do grupo. O grupo está formado mas inteiramente aberto
a novos elementos e novas idéias. Algumas que nos
ocorreram: a) um conjunto musical, sem qualquer
pretensão de virtuosismo técnico: b) um coral, ídem; c)
aulas de violão em grupo (..); d) uma batucada (que está
fazendo falta no grupo de teatro);e) um grupo de
organização de shows musicais de gente nova ou
conhecida, de dentro e de fora da Universidade. São
apenas idéias que dependem de esforço e organização de
todos nós para se concretizar"285
A intensidade e importância das programações
culturais, por sua vez, pode ser constatada pelo número
elevado de circuitos e sessões de cinema, teatro e edição de
textos que pouco a pouco ocupa o espaço acadêmico - com
frequência, em conjunto com os Diretórios. No "Jornal
Conjunto", produzido pelos DAs de Engenharia da UFBa, em
l973, podemos observar o papel que as "comissões culturais"
adquirem como instrumento de promoção e articulação das
atividades estudantis por toda a Universidade:
"Já se fazia necessário na Universidade o surgimento de
um programa cultural que pudesse oferecer um material
artístico, literário, musical, quase inexistente em nosso
meio, o qual estivesse inclusive condizente com a nossa
realidade estudantil, e inserido na realidade brasileira. Em
função disso foi criada a comissão de cultura do DCE, que
apesar das dificuldades têm conseguido funcionar. Assim:
Tôdas as 4as. feiras às 20h30 têm apresentado filmes no
No Boletim dos Diretórios Acadêmicos da UFBa, de
fevereiro de l973, podemos observar um outro aspecto da
285Boletim
25/4/73
Informativo do CEUPES, Centro de Estudos de Ciências Sociais da USP, de
286
Boletim dos Diretórios Acadêmicos da UFBa, fevereiro de 1973, p19
246
247
RU, com entrada franca. Grupos de arte estão em
funcionamento, e dois dêles já apresentaram trabalhos
(Tepsi e Antologia Poética). Está sendo organizado por
tôda a Universidade um concurso de cartazes sôbre os
Direitos Humanos. Estão se confeccionando cadernos
literários, enfocando autores importantes, e também
trabalhos de colegas sem oportunidade"287
A incorporação de linguagens artísticas aos atos
políticos não se constitui propriamente uma novidade entre as
experiências de movimento estudantil, conforme podemos
observar nas realizações dos CPCs nos anos 60 que chegam a
produzir peças teatrais e filmes, a gravar discos e editar obras
literárias. A questão que se coloca na primeira fase da década
de 70, no entanto, diz respeito à importância que estas
atividades adquirem como procedimentos "alternativos" de
vivência e formação acadêmica, ou ainda, como práticas
fundamentais à renovação e criação de novas possibilidades de
ação política. Neste caso, mais do que um aspecto positivo da
associação e articulação de leituras e projetos de ação coletiva,
as linguagens artísticas carregam objetos políticos próprios,
sendo inevitável um confronto entre as várias perspectivas
presentes.
"CALOURADAS" E PROGRAMAÇÕES CULTURAIS
As referências iniciais que possuimos de uma
programação cultural estudantil no espaço acadêmico da
Universidade em reforma datam de l971, período em que
encontramos a organização de shows, semanas de atividades e
feiras de arte conforme podemos observar em documento dos
estudantes de arquitetura da UFBa:
287Jornal
Conjunto do DA de Engenharia da UFBa, junho de 1973, p.16
"um nome? um grupo? um movimento? a vontade seria de
incrementar a arte no meio universitário (..) Em 71 já
conseguimos realizar alguma coisa: o show 'última transa'
em arquitetura, o show de encerramento da Semana de
Comunicações. Participou também da Outubro Artes
promovida pelos colegas da Arquitetura. Agora o CUCA
amplia suas atividades, não só fazendo experiências
musicais, mas também explora outras possibilidades:
fotografia e cinema, teatro e literatura. O CUCA está ligado
orgânicamente às Secretarias Culturais dos diversos
diretórios. Se você têm aquela idéia ou vontade de
participar, procure no diretório a pessoa responsável pelo
trabalho do CUCA. É como diz Zé Celso (diretor do grupo
Oficina) : é hora de rebolição ( = querer de novo, tentar de
novo)"288
Desde os primeiros anos, as "calouradas" - em lugar dos
trotes - são organizadas no início de cada período letivo com a
finalidade de estabelecer um ambiente de convívio e aproximar
os estudantes recém-ingressos dos diretórios289. As atividades
culturais e esportivas conferem a "liga": são os filmes, as
músicas e peças teatrais que "apresentam" a Universidade no
que ela têm de debilidades e também de perspectivas positivas.
No "Jornal Polícampus", do Grêmio Politécnico da USP, em
l973, podemos observar as tentativas de transformar as
práticas tradicionais do "trote":
288
Boletim do DEA, DA dos Estudantes de Arquitetura da UFBa, maio de 1972
Sobre o trote, podemos ler no jornal estudantil A Palavra, da UFBa de 1973:
“..para a geração que prega festivamente a paz e o amor, a liberdade de pensamento
e ação, a honestidade da conduta, o trote é a demonstração palpável que se está
agindo de acôrdo com o pensamento (mas que moral)!”
289
248
"A iniciativa partiu de um (..) grupo de bichos (..)
'Recepcionar o calouro (assustado e desorientado).
Integrar o bicho à escola e a seus futuros companheiros de
curso. Proporcionar um trote que não fira a integridade
moral e física do iniciando'...compunha os objetivos, que
embora justos e implacáveis, se tornam frágeis diante da
realidade da escola. Porque a amplitude de um trabalho
assim, só têm sentido quando não só uma comissão de
trote ou grêmio se propunham a fazê-lo, mas quando a
maioria dos colegas se conscientizem de sua importância
(..) fechados num individulismo que não os deixa perceber
a importância de um cooperativismo (..) O saldo não foi de
todo negativo (..) E a experiência será transmitida e
reelaborada"290
249
Por outro lado, a alteração de significados da
"calourada" é acompanhada de tensões entre os militantes
organizados e clandestinos que se vêem, muitas vezes
afrontados pela simbologia empregada nestes momentos
lúdicos. Este é o caso da calourada registrada pelo jornal do DA
da ECA, "O Pícaro", em 1971, que nesta ocasião promove uma
corrida de tartarugas e causa estranheza em muitos alunos
engajados em uma perspectivas revolucionária291. Neste caso, a
presença de uma tendência culturalista difusa na Universidade
do período estabelece, em certas situações, constrangimento
às proposições de organização e militância de esquerda,
ampliando-se as diferenças e tensões.
De qualquer forma, vemos que, através das
"calouradas" e de atividades culturais semelhantes, os
estudantes são chamados a partilhar de espaços possíveis
dentro e fora da Universidade, como dos bares, cineclubes e
atividades artísticas a partir das quais se fortalece uma
perspectiva de "convívio" acadêmico - associada,
frequentemente, a uma percepção maior dos problemas e das
possibilidades da ação coletiva para sua resolução. Pouco a
pouco, as atividades de protesto começam a se dotar de
linguagens criativas, e dentro do possível, por uma partilha
lúdica do espaço acadêmico. Temos notícia, por exemplo, de
um protesto realizado no período da transferência dos cursos
de Filosofia e Ciências Sociais para os barracões da cidade
universitária da USP, em l971292. Nesta ocasião, os estudantes
proibidos de realizar atos políticos resolvem "inaugurar" a
pedra fundamental de um novo prédio (hipotético) convidando
a imprensa - em nome da Reitoria - para uma cerimônia regada
à "chopp" e música dos "Beatles". O ato de protesto, ao mesmo
tempo em que denuncia as condições de ensino e a existência
de repressão no campus, compromete publicamente a Reitoria
a manter as condições de infra-estrutura destes cursos em
transferência. Ao longo do protesto, a bebida e o som dos
"Beatles" "acalma" a angústia dos estudantes que se vêem
cercados por policiais do DEOPS - a "esquadrinhar" o território
em busca de responsáveis.
Atos políticos deste tipo são frequentes ao longo dos
290Jornal
292Depoimento
Em "A Palavra", jornal do DA de Direito da UFBa, de
1973, podemos ler:
"para a geração que prega festivamente a paz e o amor, a
liberdade de pensamento e ação, a hosnestidade da
conduta, o trote é a demonstração palpável que se está
agindo de côrdo com o pensamento (mas que moral)!"
291
Poli Campus do Grêmio Politécnico da USP, abril de 1972
Jornal Poli Campus do Grêmio Politécnico da USP, abril de 1972
de Geraldo Siqueira concedido a Virgínia Camilotti. Projeto
"Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História
Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
250
251
feitura de um jornal até a arrumação do espaço físico do
Diretório, pensar os problemas da Universidade ao mesmo
tempo em que se aproximavam de suas entidades
estudantis, percebidas como alternativas de trabalho e
acesso às informações (..) Muitas outras atividades
agregadoras e de informação foram feitas. As peças de
teatro e os ciclos de cnema promovidos tentaram mostrar
uma face da realidade que têm sido sistematicamente
negada. Os "shows" promovidos buscaram artistas que
pela sua posição crítica e pouco dócil não têm acesso aos
meios de comunicação de massa (Chico Buarque, Luiz
Gonzaga Junior, Milton Nascimento, entre outros) (..) O
Diretório Central dos estudantes publicou três números do
seu jornal 'Gol a Gol - se pegá com o pé é dibra' (..)
Retomou-se a publicação da revista Mosaico, interrompida
há vários anos (..) O segundo andar da antiga sede social
do DCE será transformada em CINE-TEATRO, de
funcionamento constante, que será aproveitado para as
promoções dos diretórios"294
anos, e a criatividade das ações coletivas é capaz de enfrentar
situações graves. Da mesma forma, a leitura crítica dos
problemas e dos desafios da Universidade - seus
procedimentos repressivos e burocráticos, a falta de direitos
discentes - se amplia para fornecer elementos cada vez mais
sutis de resistência. As experiências culturais possibilitam então
que se amplie o poder de articulação dos movimentos, questão
que leva os estudantes a adotar orientações do tipo deliberado
pelo 1º Encontro Nacional das Escolas de Arquitetura, em l972:
"Tendo sido constatada a falta de força representativa dos
estudantes, deve-se criar ou reforçar a representação
existente por meios legais, através de um trabalho que vise
despertar a tomada de consciência frente à real estrutura
da Universidade. Dentro disso, é proposto (..) criar
atividades ligadas a cineclubes, jornais, palestras, grupos
de estudos para a criação de um clima de trabalho e
estudo" 293
Ao lado das "calouradas", os Diretórios procuram
desenvolver experiências participativas na forma de grupos de
teatro, cineclubes, grupos de música, grupos de poetas, sendo
que o ano de l973 é intenso de articulações deste tipo,
conforme podemos observar em uma carta programa da
UFMG:
".. duas grandes atividades merecem ser ressaltadas por
terem conseguido cumprir o objetivo básico de buscar
novas formas de participação dos estudantes em suas
entidades, promovendo a crítica e o debate dentro da
Universidade. as "calouradas", contando com a
participação de quase todos os Diretórios, possibilitou aos
calouros, através da realização de tarefas que iam desde a
293
Na prática, desde o momento em que as militâncias
organizadas começam a ganhar visibilidade através da criação
das primeiras "chapas" para os diretórios, já podemos observar
a importância que a dinâmica cultural ocupa no espaço
acadêmico; dinâmica, efetivamente, que corre paralela às
agremiações e que coloca para os novos grupos organizados a
intenção de dar continuidade aos compromissos culturais até
então estabelecidos. No documento eleitoral para o DA do ICEX
(Ciências Exatas) da UFMG, em l973 podemos ler:
"Pensamos que atividades extra-curriculares possibilitam
uma maior integração do aluno com seus colegas e com a
escola (..) Propomos a continuação das exibições em 16
mm do ICEX. Vai se tentar criar um cineclube, ou cinema de
arte"
Jornal do DAFA, DA de Arquitetura da UFRGS, agosto de 1973
294
Jornal Programa 73/74, Eleições DCE UFMG
252
A criação de "Centros Culturais" estudantis, por sua vez,
já se apresenta como um passo decisivo para uma maior
articulação entre política e cultura com proveito da legitimação
das agremiações representativas. Na verdade, desde os
primeiros anos da década podemos encontrar experiências
deste tipo em várias Universidades (UFBa, UFMG, Unicamp)
com o propósito de associar vivência, crítica e politização do
movimento, sendo que entre as experiências mais significativas
está o CUCA (Centro de Cultura e Arte) da UFBa, organizado em
l972 a partir da pretensão explícita de se associar produção
artística e atividades políticas. A diretoria desta entidade é
composta por representantes dos diretórios e articulada às
orientações políticas do movimento estudantil - ainda que
possua uma certa autonomia de produção295. Em 1974, por sua
vez, a criação de "centros culturais" se generaliza na proporção
em que as militâncias organizadas (em várias instituições)
procuram reorientar o lugar das atividades culturais nas
movimentações políticas.
TEATRO ESTUDANTIL E AÇÃO POLÍTICA
295
No documento “Uma História do ME: 1960-1974” já citado, p.20, podemos ler:
“Em todos os recantos do país esse fenômeno da rearticulação e, tendo em vista o
quadro de circunstâncias particulares de cada região, nota-se que cada nova
experiência apresenta um caráter extremamente peculiar. Podemos citar a título de
exemplo o caso da Bahia, onde a organização do Centro Universitário de Cultura e
Arte (CUCA) que, preenchendo em termos imediatos o vazio provocado pelo
fechamento e esvaziamento da maioria dos DAs, estimulou a rearticulação das
organizações estudantis. Já no Rio de Janeiro a organização para as comemorações
do cinqüentenário da semana de arte moderna de 22, permitiu que as várias
tendências políticas se expressassem. Foi um período de intensos debates, que
infelizmente não se ampliaram e com a intervenção da repressão não se conseguiu a
reorganização das entidades”
253
“O TUBA aparece como decorrência da necessidade dos
estudantes dizerem e ouvirem coisas que lhes são
importantes no palco (..) Deixando de lado suas pesquisas
formais e partindo para uma linguagem mais direta, cactus
é uma seleção de textos e músicas, com universitários
fazendo cultura popular"296
Entre as experiências de articulação de linguagens
artísticas com a recomposição das práticas políticas, as
experiências teatrais são significativas e generalizadas. As
referências de atividades teatrais no bojo das movimentações
estudantis nos anos 70, particularmente na primeira fase, nos
permite falar de um "teatro universitário" característico desta
fase.
De forma geral, a formação de grupos e a montagem de
peças se relaciona com as perspectivas internas de
transformação da Universidade e neste caso, se presta a
desempenhar um papel político junto ao movimento. No
entanto, a renovação das linguagens também carrega um
percurso próprio de discussão política que procuraremos
observar em alguns aspectos.
Nossas referências de formação de grupos teatrais
(relacionados com o movimento estudantil) datam de l972 e
procedem da UFBa e da USP. Na experiência da UFBa, são
montados trabalhos de expressão corporal e colagens poéticas
por estudantes de arquitetura - trabalhos parcialmente
censurados pela polícia federal e pela administração
acadêmica. Na USP, temos notícia da formação de um grupo
vinculado à Comissão de Extensão Científica e Cultural do
CEUPES (C.Sociais) que monta a peça "Dr.Getúlio: sua vida e sua
296CUCA,
Bahia, agosto de 1972, nº1
254
255
glória", estreada em l973. Sobre este acontecimento, podemos
ler no "Boletim Informativo " do Centro Acadêmico:
equipe, pelo local de ensaios; ao pessoal da capoeira, pela
colaboração"298
"Um sono desperto, um tabu quebrado à sexta feira, 13 de
Abril de l973, estreou oficialmente o nosso Grupo de
Teatro, depois de um longo espaço vazio em atividades de
importância, desse tipo, realizadas por estudantes de
ciências sociais (..) A estréia foi assistida por cerca de 200
estudantes, muitos dos quais de outras escolas, que
praticamente lotaram o Centro. A reação foi de um
crescente e completo apoio causados não só pela peça em
si como pelo proprio fato de colegas nossos estarem
realizando aquele trabalho. A barreira palco-platéia foi
quase totalmente superada : o público recebeu
entusiasticamente a cada improvisação e dava pleno apoio
nas horas em que as falhas tinham que ser vencidas" 297
A formação de grupos de teatro vinculados aos
diretórios se dissemina nas Universidades a partir de l973. O
relato encontrado no "Jornal Reflexo", do DA de Psicologia da
UFBa, de l974, nos dá uma mostra desse processo:
"no início de 73, surgiu o TEPSi como resultado de uma
necessidade sentida pelo próprio universit´rio, pela
consciência adquirida da importância do teatro como
forma de cultura e expresssão. Foi então que alguns alunos
da Psicologia, junto a outros, resolveram formar o TEPSi
(Teatro da Psicologia). Embora as inúmeras dificuldades
inerentes a um trabalho que se iniciava, dentre elas, a
inexperiência dos componentes do grupo, a maioria sem
nunca ter participado de um trabalho desse tipo, mesmo
assim o TEPSi tomou impulso, apresentando, ainda no 1o.
semestre de 73 a peça 'Aquele que diz sim, aquele que diz
não', de Brecht. Após o seu surgimento, proliferaram as
equipes de teatro na Universidade, as turmas de direito,
História, Medicina e outras, também se engajavam nesse
tipo de trabalho. A semana de teatro seria organizada
como reflexo de todo um trabalho desenvolvido pelos
estudantes universitários no sentido de cada vez mais
assentar o teatro como uma atividade permanente dentro
da Universidade (...) como forma de comunicação direta,
na busca de criatividade e expressão" 299
A experiência de montagem de "Dr.Getúlio" é
significativa deste contexto: a produção é realizada no interior
do Centro Acadêmico com financiamento da entidade e
colaboração de outros grupos culturais em situação
semelhante:
"Quanto à participação dentro de um trabalho do Centro
Acadêmico, o grupo optou pela 'participação sem
dependência'. Acham que não há sentido num trabalho
isolado do resto da escola (..) 'Mas como as divergências
são de maneira geral pequenas, elas devem ser vencidas
por discussões entre toda a entidade e o Grupo de Teatro :
o CEUPES financiou o espetáculo, mas o grupo espera que
a ajuda se estenda à formação de uma infra-estrutura que
permita seu desenvolvimento e liberdade de ação.
Enquanto isso não acontece, têm alguns agradecimentos a
fazer: ' à batucada da Geologia e da Química - pela
dedicação e boa vontade; ao GTP, pela iluminação; ao
Na UFBa, a trajetória de experiências teatrais é muito
significativa (em anexo, quadro das produções do período
72/76); sendo que entre os vários grupos, o "Cabeças e Mãos"
formado em l973 apresenta uma característica bastante
298Boletim
297
Boletim Informativo do CEUPES, nº 8, 1973
299
Informativo, CEUPES, nº8, 25/4/73
"Jornal Reflexo", do DA de Psicologia da UFBa, de l974, p 3
256
comum: a atribuição à linguagem teatral de um trabalho
gerador de mudanças; um instrumento de construção coletiva.
Em artigo do"Jornal Saúva", do CUCA, em l974:
"no brasil, o teatro não é muito popular, por muitas razões.
uma delas é que na platéia quase ninguem faz teatro. todo
mundo pensa que pra fazer teatro é preciso ser artista (..)
CACTO de cassiano ricardo foi a primeira proposta do
grupo CABEÇAS E MÃOS. uma proposta de trabalharmos
juntos usando teatro como forma de discutir o que se
passa atualmente desde os problemas da escola até as
questões mais gerais. o CABEÇAS E MÃOS procura motivar
a criação em todo os níveis de uma forma organizada,
através do CUCA e do diretório. uma coisa que é bom
lembrar é aquêle negócio da participação. sem isso não
teria sentido o trabalho.300
De forma paulatina, estas experiências teatrais deixam o
palco para se incorporar enquanto linguagem, às manifestações
estudantis. Neste caso, a encenação de peças durante
assembléias, a formação de grupos específicos de atuação
junto ao restaurante universitário, o uso de técnicas corporais
para a organização de manifestações e promoção de
discussões, entre outras, confere ao teatro um papel político
mais definido. Ao mesmo tempo, a incorporação de técnicas
teatrais às lutas internas acadêmicas produz resultados
políticos inovadores: a montagem de cenas rápidas do
cotidiano acadêmico durante as refeições, nas filas, nas
assembléias... auxilia a transmissão de informações e a
organização dos movimentos. A expressão corporal transmite
sinais e sons - nos contextos mais repressivos - em prol da
organização de assembléias, assim como a temática da reforma
da Universidade se faz discutida nos espaços mais inusitados.
300Saúva,
CUCA/DCE da UFBa, setembro de 1974, nº5
257
Encontramos nos documentos estudantis da UnB
exemplos claros destes acontecimentos. No "Informe" do
Serviço de Proteção Patrimonial (SPP) - a guarda do campus da
UnB, primeiro estágio de coleta de informações para a
Assessoria de Segurança e Informação - datado de 4/5/77,
encontramos os registros de um grupo que percorre as salas de
aula para convocar os alunos para uma assembléia geral para
tratar do Jubilamento e de um plebiscito realizado na
universidade pelos estudantes. Podemos ler:
"Por volta das 10:00h, um grupo liderado por Rocine,
dirigiu-se para o Anfiteatro nº9 e tendo observado que alí
havia aula, resolveu mandar, digo, mudar o local da
assembléia. Sugeriu-se, inicialmente, que fossem para o
Anfiteatro nº10, mas este estava trancado. O aluno Rocine
reuniu todo o pessoal na entrada sul do ICC (+/- 80 alunos)
e sugeriu que todo o grupo se encaminhasse às salas de
aulas para convidar os demais alunos a participarem do
movimento (..) Durante os deslocamentos do grupo,
observou-se que os seus componentes batiam palmas e
gritavam em uníssono, "VAMOS À REITORIA" - "CONTRA O
JUBILAMENTO" - "CONTRA O ENSINO PAGO". Após
percorrer todo o ICC, o grande grupo (+/- 250) alunos, se
deslocou para o prédio da Administração Central, onde
todos se concentraram a fim de realizar a assembléia"
No "Informe" da SPP nº14/77 de 31/5/77,
acompanhamos as movimentações de organização de uma
greve na UnB, no qual podemos ler:
"Por volta das 7:30h, foi observado que os moradores do
bloco "A" do Centro despotivo, desceram quase todos
juntos e se dirigiram ao ICC, onde juntamente com outros
que lá estavam, começaram a deslocar cadeiras para
novamente refazerem os bloqueios às entradas principais e
extremidades. A medida em que as salas iam sendo
258
abertas pelos funcionários responsáveis, o grupo ia
retirando as cadeiras para serem usadas nos "piquetes" (..)
Por volta das 9:30h, foi apresentada uma peça "O REI
THOR NO REINO DOS URUBUS", a qual criticava de
maneira cômica o reitor da UnB e a sua administração.
Esta peça foi apresentada no Hall da entrada Sul do ICC e
foi presenciada por +/- 700 pessoas"
259
Em l975, na UCMG (Universidade Católica de Minas
Gerais), por exemplo, a apresentação da peça "Fando e Lis" de
Fernado Arrabal, pelo grupo Aviso (formado em l974) é
acompanhada das seguintes colocações:
"Iniciativa marca o cumprimento do trabalho assumido
pela atual gestão do DCE, em utilizar a sede social em
atividades que despertem a sensibilidade do estudante e
estimulem o seu o potencial criativo, possibilitando-lhe um
posicionamento crítico para compreensão da nossa
realidade" 302
Ou ainda, no "Informe" do SSP do dia 18/10/77:
"O aluno Luiz Antonio Nigro Falcosk, juntamente com os
alunos José Carlos Teramussi, Geysa, Júlia Issy Abraão,
Felicio Sala Neto e outros não identificados, colocaram um
mural amarrado por cordões, ao lado da feira do livro, no
saguão inferior do RU. No referido mural, foram afixados:
panfletos, notas, cartas à população, fotos de passeatas e
recortes de jornais referentes ao Movimento Estudantil"
As experiências são variadas, assim como o significado
político atribuído a elas. A depender dos posicionamentos
políticos que se encontram presentes ocorrem escolhas
temáticas e percursos de criação específicos que tendem a
utilizar a linguagem teatral como manifestação de atitudes e
posicionamentos políticos definidos. O texto do CEUPES é mais
uma vez significativo:
" 'É isso aí: fazer mais e discutir menos'. Comenta um dos
elementos do grupo. 'Já é bastante conhecida a imagem do
cientista social que quer discutir tudo, ter uma visão global
de tudo, inclusive dos pretextos intelectualizados de sua
própria inatividade. Nós não aceitamos esta imagem nem
esta atitude. Achamos que tudo depende de muita
dedicação e utilização do veículo escolhido. Se fizermos
teatro, vamos usar a linguagem teatral. Nem teses, nem
panfletos” 301
301
Boletim Informativo, CEUPES da USP, nº8, 1973, p3
De qualquer forma, se a relação entre a linguagem
teatral e as leituras/proposições de ação política são variadas
ao longo da década, ela possibilita tanto que as concepções
organizadas se traduzam por seu intermédio, quanto que as
experimentações teatrais se configurem, em si próprias, em
projetos "alternativos" de reflexão e linguagem política. Na
prática, desde meados da década de 70, ganha forma uma
produção teatral cuja "inventividade" de seu projeto coletivo se
acha alicerçada em "equipes de criação teatral que se
organizavam como cooperativas de produção" 303 Mambembe, Ventoforte, Teatro do Ornitorrinco, Asdrúbal
trouxe o Trombone - , ou ainda, em uma experiência de
"coletivização do trabalho teatral" na qual se procurava diluir a
especialização das funções artísticas e perseguir uma repartição
democrática de tarefas práticas. Neste caso, a criação artística,
enquanto tal, pasava a traduzir-se como "sonho do coletivo,
302Jornal
Leia e Discuta do DA FACE da UCMG, nº2, abril de 1975
Silvia Fernandes Telesi e J. Guinsburg. “O Trombone do Asdrúbal e as ‘atrações’
do Ornitorrinco. Uma busca de linguagem no Brasil dos anos 70” in Guinsburg, J.
Diálogos sobre Teatro. Armando Sérgio da Silva (org). SP, EDUSP/Com Arte, pp25/26
303
260
fazendo de seus trabalhos o resultado da escolha, do consenso
e da participação de cada um de seus integrantes"304
Na proporção em que se desenvolve este "fazer teatro"
coletivo de bases próprias, vemos se redefinir o lugar da
direção, dos atores, do público, e também da ocupação espacial
e concepção cenográfica. No aspecto da preparação do ator
desenvolvida pelo grupo "Asdrúbal Trouxe o Trombone", é
interessante reencontrar as temáticas da desrepressão,
ampliação do corpo, expressividade e espontaniedade preocupações, enfim que povoam a cabeça da juventude da
época e que na prática ajuda a alcançar o desempenho técnico
que se deseja em cena305.
Em uma perspetiva distinta, algumas tendências
estudantis também vão perseguir proposições de criação
artística na área teatral - no caso, no espaço acadêmico - com a
intenção de conferir à esta linguagem um caráter mais
instrumental de ação política (em especial, de ação política
organizada), com desdobramentos imediatos na concepção
estética dos trabalhos. No "Caderno de Debates" da Tendência
Viração, da UFBa, de l977, podemos ler:
"A escolha do teatro se dá devido ao fato desta forma de
manifestação desempenhar, no momento, um papel mais
mobilizador e organizador no meio universitário, conforme
inclusive, a tradição do teatro brasileiro, de modo geral,
pela importância que uma frente que conte com a
261
participação de amplos setores na luta por uma cultura
popular e nacional, libertada da estrutura de poder,
vinculada à dura realidade brasileira (..) as atitudes
humanas
e
seus
comportamentos
refletem,
necessariamente, condições de classe (..) As formas
existem; se resumem numa 'cultura de resistência', que
engloba toda possiblidade de luta, de forma ampla"
No bojo destas variações, a incluir desde experiências
preocupadas em repensar o "coletivo", a subjetividade e a
espontaniedade no teatro, até a reafirmação de um teatro
engajado segundo os moldes de organização da esquerda
estudantil, nós nos deparamos, no espaço do diretório
acadêmico da segunda fase da década, com um percurso rico
de realizações, composto de "happenings" - a promover
"enterros" simbólicos de Reitores, da Lei de Segurança
Nacional, entre outros - , de montagens de trabalhos criativos e
renovadores - como "Trate-me Leão", do grupo Asdrúbal trouxe
o Trombone -, e também de experiências que optam por
trabalhos mais convencionais, mas que no entanto, reafirmam
seus vínculos com as problemáticas políticas do movimento
estudantil. Neste caso, podemos ler em um fragmento do
Jornal da Tarde, de Salvador, de l977:
"Eu sinto que o teatro universitário possui um sangue
muito quente (o mesmo caso do teatro amador), mas eles
estão muito mais preocupados com aquilo que não querem
fazer. Não querem fazer peça alienada, peça falando disso
ou daquilo. E muito menos preocupados em pesquisar o
teatral. Eles discutem o diretor da escola, a qualidade de
ensino... tudo isso é maravilhoso dentro daquela condição
deles de universitários, de que estão se abrindo para toda a
problemática, toda a injustiça, todas as falhas desse
sistema"306
304
Ibidem, p.25/26
Nas palavras de Bernard Dort, citado por Silvia Fernades Telesi e J. Guinsburg, Op.
Cit., p32: “Recusando ou, pelo menos, negligenciando as exigências da ’
representação’, é para a encarnação e, mais ainda, para o ‘reviver’ que esses
comediantes dirigiam seus esforços. Em última análise, eles não desejavam mais ser
ou parecer um outro: o que eles queriam era ser eles mesmos, descobrir-se e fazer-se
aceitar enquanto tais”. Bernard Dorte. “Paradoxe et tentations de l’acteur
contemporain” in Théatre em jeu. Paris, Seuil, 1979, p220
305
306Cleise
Mendes. Jornal A Tarde, Salvador, in Viração/debate, nº3, agosto de 1977
262
Enfim, em entrevista concedida pelo presidente da
reconstrução da UNE, Rui César Costa Silva307, podemos
observar o quanto a questão teatral continua a se fazer
presente na Universidade do final dos anos 70, como linguagem
afinada ao propósito de chamar os estudantes "não
organizados" a desempenhar um papel político nos processos
de gestão deste movimento. Sua experiência pessoal é
reveldora deste contexto:
"Eu entrei na Escola de Comunicações e a Escola de
Comunicações estava numa situação muito precária.
Alguns meses depois a escola entrou em greve. Nessa
greve, eu fiz..Não tinha CA, então eu organizei um teatro
que foi um teatro que saiu se apresentando pelas escolas,
falando da situação da Universidade, uma coisa assim,
muito bonita, muito criativa e que visava quebrar um
pouco as barreiras da repressão, quer dizer, era um teatro
muito corajoso por que a gente ia de sala em sala e brigava
as vezes com a direção da escola para se apresentar e nos
apresentávamos nas manifestações públicas (..) Era um
grupo de estudantes, não tinha nome, um grupo da escola
de comunicação. Fizemos o julgamento do Reitor uma vez
em praça pública e eu fiz o advogado de acusação e a
tentativa toda era de dar um impulso criativo ao
movimento estudantil e foi muito bonito, porque muitos
grupos de teatro se criaram na Universidade nessa época,
né? Eu tinha assim conhecimento das tendências, da
esquerda organizada. Prá mim era tudo uma só, era esse
desejo de romper com a estrutura repressiva, de conquistar
uma liberdade, de ser contra a ditadura, de ser contra o AI5, de ser contra o 477, pela autonomia universitária, pela
liberdade de discussão, de reunião dentro da Universidade,
pelas liberdades todas, um desejo de liberdade muito
307
Entrevista concedida por Rui César Costa e Silva a Mirza Pellicciotta. Salvador,
1988. AEL/UNICAMP
263
grande. E no meio dessa confusão, eu acabei ficando uma
pessoa muito conhecida"
IMPRENSA ESTUDANTIL
A organização de jornais, boletins e murais pelos
diretórios acadêmicos e grupos estudantis também possibilita
que a arte e a política estabeleçam novos pontos de contato. A
promoção concreta da troca de informações é geradora de um
volume de publicações surpreendente, confeccionado
conforme os diretórios e grupos adquirem recursos e acesso
aos poucos mimeógrafos disponíveis. Em muitos casos, gráficas
de uma dada Universidade, centro ou diretório acadêmico
promovem a impressão de projetos de outras cidades e
estados - o que, inclusive, nos auxilia a recolher referências
dispersas através dos seus arquivos particulares308.
A periodicidade, o nome, a proposta dos inúmeros
jornais, revistas e impressos desta época é variável conforme o
grupo político, as perspectivas de movimento e o teor político
dos conflitos acadêmicos que se experimenta em cada contexto
e lugar, sendo no entanto poucos os jornais que conseguem
manter uma maior permanência, como no caso do jornal do
DCE da UFMG, "Gol a GOl se pegá com o pé é dibra", ou do
jornal do DA da Politécnica da USP, o "Poli-campus" (fundado
em 1964). A periodicidade depende da conquista de um
suporte acadêmico - independentemente do nível de
confrontação que se estabelece com a administração da
Universidade -, ou ainda, das perspectivas de continuidade
308Caso
da Gráfica do CAASO (Engenharia da USP/Campus São Carlos) que, no
entanto, teve grande parte de seu acervo destruído pelas diretorias nos anos 80.
264
265
Verificávamos que havia três características marcantes em
nossa imprensa (e de toda a USP): 1. A superficialidade e as
análises simplistas e esquemáticas dos conteúdos
abordados. Tentava-se muitas vezes preencher certos
esquemas prontos com os dados objetivos da realidade, ao
invés de pesquisá-los mais conetificamente, estabelecendo
relações dinâmicas com o mais geral. 2. O descuido pela
forma. através de uma visão de que o conteúdo é o
fundamental, a imprensa universitária ficava bastante
limitada aos seus aspectos formais. Eram usados poucos
recursos (fotografia, desenho, história em quadrinhos, etc.)
além da linguagem escrita e as diagramações eram
marcadas pela monotonia. 3. Falta de periodicidade. Havia
ainda por parte do Grêmio a falta de entendimento da
importância da imprensa"310
entre as linhas políticas internas. As considerações feitas pelo
"Boletim do DEA" (arquitetura) da UFBa, em l972, são
elucidativas:
"No semestre passado circulou na escola e no meio
profissional, uma nova edição do Jornal da Arquitetura. Foi
uma retomada de trabalho proposta pela atual diretoria
do Diretório, através do grupo que formava sua secretaria
de Imprensa. A única dificuldade encontrada e causa dos
atrasos tanto do primeiro como do segundo número (que
está sendo impresso) é de ordem financeira, tendo o
Diretório que recorrer ao patrocínio de firmas. Só assim
pode-se pensar em atividades culturais dentro da
Universidade. Na elaboração do segundo número
contamos com um maior número de colegas (..) Surgiram
mais pessoas interessadas em discutir arquitetura, em
encontrar caminhos de aproximação do ensino, em
localizar as distorções da prática profissional. Pessoas
interessadas em ampliar a formação que recebem nas
salas de aula, criando, quebrando o marasmo da vida
Universitária. Essa semana sairá o segundo número (..)
Foram feitas mudanças, a partir das críticas ao primeiro
número e contou com a participação de mais colegas" 309
A problemática da informação, em si mesma, se
constitui um ponto fundamental. Trata-se de construir uma
imprensa que pesquise "aspectos vivos da nossa realidade" e
que os analise "mais profundamente", segundo o Jornal PoliCampus, na tentativa de superar:
"uma falha (que) ficou patente principalmente na época
das prisões verificada na USP. Os estudantes criticaram
suas entidades pela falta de informações dadas,
apontando esta falha como prejudicial à participação de
mais
pessoas
nos
movimentos
desencadeados.
Tal como as experiências teatrais, os jornais apresentam
variações formais em função das concepções de organização
que se acham colocadas, havendo uma opção diferenciada em
relação à questão do projeto gráfico e custos/qualidade da
editoração - ainda que limitada aos recursos técnicos e ao uso
coletivo de mimeógrafos311. O teor dos textos, dos desenhos e
das composições reflete em geral estas dificuldades e também
as frustrações que se tornam presentes na experiência de
realizar os jornais. Em termos de procedência, as publicações
costumam ser feitas pelas secretarias internas dos diretórios
que, inclusive, realizam publicações específicas e
concomitantes à "comissão de imprensa" (o setor "oficial" de
comunicação do diretório); e neste caso, são bastante comuns
os cadernos literários organizados pelas secretarias de cultura.
Entre os jornais mais curiosos está o "Tísica: um jornal
raquítico e subnutrido", que consegue em l975 manter uma
310Iº
309
Boletim do DEA, DA de Arquitetura da UFBa, setembro de 1972
311
SNE Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, p.11
1º SNE Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, p11
266
267
boa periodicidade tratando com humor a situação de
decadência que se encontra seu Diretório - um dos mais
tradicionais e importantes de toda a trajetória do Ensino
Superior Brasileiro: o Diretório da Faculdade de Medicina da
UFBa (criado no século XIX pelos estudantes das elites
nordestinas). No "pósfacio" do nº 2, de abril de l975, podemos
ler:
estudantes) pelos diretórios, aos períodos de matrícula,
proibindo-se a obtenção de recursos por meio de outras
atividades e períodos. De forma concomitante, os diretórios
perdem o acesso às rendas das carteirinhas e do aluguel das
cantinas, levando sua situação de funcionamento a uma
condição precária, conforme podemos observar nesta matéria
intitulada "plantão na E.C.A.", de l972:
"No primeiro número, Tísica disse que era um jornal de
graça, mas achava melhor voces contribuirem. No fim,
pouca gente contribuiu e Tísica não achou graça nenhuma.
Muito pelo contrário, entrou numa crise financeira que
precipitou uma crise de tosse asfixiante que, por sua vez, o
transformou num recém nascido moribundo - os urubus
chegaram a sobrevoar a nossa redação. Vocês precisam
deixar de ser pão duro e dar seu um cruzeirinho prá Tísica
não ficar o resto da vida comendo o pão que o diabo
amassou. A barra está pesada e Tísica é muito raquítico,
anêmico, subnutrido, etc. para aguentar esta barra
sozinho. Bem, é só isso. Até o dia 10 - se vocês
contribuirem; a crise do papel não piorar; o jubilamento
não chegar; o hospital não fechar; e a escola não acabar"
"Gente, o DA ainda não têm uma organização satisfatória,
que permita um funcionamento como a gente quer.
Estamos tentando organizar esta 'sala de todos' de modo a
atender às necessidades dos colegas. Por isso é necessário
que tenha sempre um cara lá, seu diretório um verdadeiro
órgão de representação, dê um pulinho lá e diga em que
horário você pode dar um plantãozinho. Deixe um pouco o
pingue pongue, o violão, o papo no bar, e dê uma
mãozinha prá gente" 312
As dificuldades vividas pela imprensa estudantil, por sua
vez, são sugestivas das debilidades de funcionamento que
enfrentam os seus diretórios. O acesso às rendas de
manutenção começam a ser alterados com o Decreto-lei nº
228/67 quando os auxílios e donativos enviados às entidades
passam a ser geridos pela administração universitária - que
libera recursos mediante a aprovação prévia de planos de
trabalho e prestação de contas. Com a lei nº5540 esta situação
se institucionaliza e desde então, a sobrevivência das entidades
permitidas depende da contribuição direta dos estudantes. Por
outro lado, a partir de 1972 com a portaria nº168, a
Universidade restringe a cobrança destes valores (dos
Apesar das dificuldades e dos desafios vividos pela
imprensa estudantil desta década, a questão da circulação da
informação entre os estudantes é crucial à organização dos
próprios movimentos de "sobrevivência" neste espaço e por
isso mesmo se traduz em um dos fundamentos de recriação
das atividades e projetos coletivos, sendo fundamental
construir instrumentos versáteis e rápidos de comunicação
entre estudantes de um mesmo curso, de uma mesma
Universidade e inclusive, de universidades diferentes. Entre os
meios mais recorrentes - e simples - está o mural que funciona
como um "elo" de articulação da vida acadêmica. Em uma
publicação da ECA/USP podemos ler:
"Você está na Comunicações, bicho. Logo, presume-se que
você queira estar por dentro. Você vai ao cinema, ao teatro
312O
Pícaro, jornal do DA da ECA/USP, 1972
268
e até às pingadas. Mas sempre em silêncio. Por que? Ou é
mineiro ou esqueceu que nós temos um mural. Dê uma
olhadinha e fale através dele. Lá você se acha e acha os
outros. Basta procurar. Lá, você também discute os
problemas. Basta querer. E todos nós estamos ansiosos
para trocar idéias com você. Mãos à obra!" 313
Os murais refletem também os processos de
"politização" que este movimento experimenta em suas
variações de posicionamentos internos. Com o passar do
tempo, o lugar das impressões pessoais vão cedendo espaço
para recortes de notícias mais amplas e críticas, momento em
que a censura acadêmica passa a ser mais frequente. Na
verdade, as dificuldades emanam de todos os lados, como
podemos observar no "Jornaleco" da UFBa, de l975:
"As restrições econômicas acontecem através, desde a não
entrega pela Universidade das verbas que nos deve por lei,
até medidas fisicamente mais violentas como a recente
apreensão do mimeógrafo da medicina - na época nos
encontrávamos numa etapa decisiva da luta contra o
jubilamento por recuperação (os jornais da cidade que
vinham nos dando exelente cobertura tinham sido
proibidos de continuar a faze-lo) e todos os nossos boletins
estavam sendo rodados naquele mimeógrafo. As violências
políticas se dão em inúmeras e até o momento infrutíferas
tentativas de censura prévia, aplicação da lei de imprensa
e apreensões através dos próprios diretores das escolas
que se dizem instruídos pela AESI (Assessoria Especial se
Segurança e Informação da Universidade). No ano
passado, por exemplo, o ex-diretor da nossa escola queria
que retirássemos um dos murais pela simples menção ao
decreto 477"314
269
Na USP, diversos acontecimentos merecem destaque, a
começar pela presença de Boletins que ao procurar trazer
notícias do cotidiano das Faculdades, permite em 1973 a
criação de uma imprensa comum na forma do Jornal Mural "A
PONTE" (quando o muro separa...), realizado pelos CAs com
periodicidade semanal - e que chega neste ano a atingir 20.000
exemplares no período de eleições de representação discente
para o Conselho Universitário. A articulação interna promovida
por este órgão de comunicação potencializa a produção
cultural dos estudantes da USP, contribuindo para a realização
de shows, conferencias, formação de novos grupos de arte e
inclusive, para a criação do "Cultural da USP" neste mesmo ano
(associação dos diversos departamentos culturais de cada
Faculdade)315. Em um dos exemplares do "A Ponte quando o
muro separa", como é chamado em 1974, encontramos uma
descrição minunsciosa da estrutura de gestão da USP a partir
da qual se defende a eleição de representantes discentes como
condição de uma "participação decisiva e atuante dos
estudantes na vida universitária, (pois) somente reinvindicando
e propondo soluções, em vista dos problemas, que poderemos
gradativamente (no momento) concretizar nossos reais
objetivos, ou seja, nossos reais direitos"316. Em 1975, por sua
vez, ganha destaque o Jornal Dois Pontos que surge com a
intenção de preencher uma "lacuna em termos de imprensa
universitária", na trilha das experiências dos Jornais Capítulo e
Viramundo (da Unicamp) - que não conseguem se manter além
315
Iº SNE. Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, p12
316A
313
O Pícaro, jornal da ECA/USP, 1971
Comissão de Imprensa do DA de Economia da UFBa, março de 1975
314Jornaleco,
Ponte quando o muro separa. USP, setembro de 1974, ed. especial é assinada
pelos seguintes órgãos: Associação Universitária de Estudos psicológicos. CAASO, CA
XI de Agosto, CE Geográficos Capistrano de Abreu, CE Históricos Afonso Taunay,
CEUPES, Centro Paulista de Estudos geológicos, CA Medicina Veterinária, Grêmio
Politécnico, Sociedade Paulista de História Natural, CE Física e Matemática
270
271
com nossos recursos e estamos atentos para, a qualquer
momento 'ver emergir o monstro da lagoa'. Haveremos de
reclamar, mas com gavetas cheias de tentativas. Além do
humor. Insistiremos em suar suas armas, sempre que
nossas possibilidades assim o permitirem. Pois cremos a
sério nas armas da ironia (..) Dois Pontos têm uma grande
equipe (por enquanto) entre fixos e colaboradores,
reporteres e redatores, em sua maioria "focas" (iniciantes)
fotógrafos e desenhistas. Que de repente, deixando as
idéias e visando conseguir condições financeiras para
imprimir o jornal, viraram vendedores de jornal velho, de
rifas, de livros, de anúncios, e até de almoços
"beneficientes". As más linguas criticaram o espírito
especulativo, e, realmente, talvéz nós tenhamos adquirido
maior tino comercial que jornalístico, tanto tivemos que
usa-lo"318
do segundo número. No caso do Dois Pontos, os estudantes
ligados ao Centro de Estudos de Arte e Comunicações
proclamam:
"E como a gente vai sobreviver no meio de tantas
adversidades, superiores à nossa boa vontade, é o que
perguntamos:
condições
financeiras,
capacidade
profissional, disponibilidade de dedicação, somadas às
crises por que passa o momento histórico brasileiro,
refletidas intensamente na criação cultural e por
conseguinte, nas nossas possibilidades de resistência?
Nossa meta inicial é a universidade - depois, como partir
para a profissionalização será a dúvida futura. Há gente
insistindo" 317
No aspecto das inovações e experimentações de
linguagem, aliás, algumas publicações da USP são exemplares
como os jornais "Precário" (l971), o próprio "Dois Pontos"
(l975) e "Avesso" (l978), publicações que conferem às questões
da qualidade de editoração, diagramação e conteúdo uma
atenção muito especial. No mesmo sentido, o jornal "Gol a Gol
se pegá com o pé é dibra" da UFMG contribui de forma efetiva
para uma renovação das experiências gráficas e estéticas dos
estudantes dos anos 70 - renovação estética, aliás, que é
construída apesar dos desafios efetivos enfrentados, como
podemos ver no Editorial do mesmo Jornal Dois Pontos:
Além das questões de circulação e teor político destes
jornais e murais, as experiências de gestão destes jornaizinhos
também são significativas em função do caráter "aberto" e
direto que as "comissões de imprensa" adquirem, sendo de
responsabilidade dos seus participantes imediatos. O uso de
equipamentos e materiais também é coletivo e fundamental ao
movimento que se pretende democrático. No "Jornal Suíte", do
DA de Ciências Humanas da PUC-RJ, podemos observar um
pouco da experiência destes grupos:
"O Jornal é nossa voz e o meio que buscamos para
trabalhar em nome daquilo em que acreditamos, do modo
que conseguimos. E neste contexto, criar o jornal que
pretendemos, é um ato de agressividade aos fatos
estabelecidos. Porque acreditamos na mudança dos fatos.
Porque acreditamos que podemos contribuir perfeitamente
"Pretendíamos levar adiante o trabalho de uma publicação
universitária que, de alguma forma suprisse a necessidade
de veicular idéias dos alunos de Geografia, História e
servisse de treinamento aos alunos de Comunicação no
lugar do caquético e falecido Jornal escola, único órgão de
treinamento que os alunos daquele Departamento
dispunham. As dificuldades de verba impediram que a
revista se afirmasse frente à comunidade universitária
317
Jornal Dois Pontos. Centro de Estudos de Arte e Comuniações/DLP, USP,
setembro de 1975, p2
318Jornal
Dois Pontos. Ibidem, p.2
272
273
através da periodicidade, motivando as pessoas para uma
pesquisa na linha de trabalho que pretendíamos essencialmente jornalística e experimental, veiculando os
pontos de vista da classe universitária frente a fatos e
acontecimentos" 319
De forma paralela, a intensificação da censura no
espaço acadêmico, a partir de l973, vem em reconhecimento
ao papel que estas atividades culturais adquirem na
constituição de novas formas de movimento e na interferência
efetiva que realizam em prol da expressão de opiniões,
informações e críticas à reforma universitária - além,
obviamente, da intensificação das experiências políticas no
espaço acadêmico. Em uma publicação da UFMG entitulada
"Bestiário", de l973, pode-se ler:
"Pode parecer um certo exagero. O fato é que os Diretores
de Unidade agora devem assinar os cartazes que estão
afixados antes da afixação. Poderia se argumentar qe
basta levar o cartaz ao diretor para que ele assine e acabase o problema. Porém alguma dose de arbítrio têm
acontecido (..) O fato é que não estamos nos referindo ao
simples ato do diretor assinar ou não os cartazes (censura
prévia) ou dele ser ou não ilegal. Vai mais além : a
substituição do direito pelo paternalismo "magnânimo"
está longe de ser um exercício de democracia. Além disso,
o mais importante é que as restrições à liberdade de
expressão na Universidade tomam o caráter de escalada :
cada ponto que cedemos por espiral, quem pode garantir
que um dia se resolva proibir os alunos de se dirigirem aos
mestres nas salas, para evitar interrupções da oratória.
Quem sabe, aqui vai uma profecia diabólica, se nossos
tecnocratas descobrissem que os estudantes só servem
para atrapalhar seus planejamentos (sempre têm aluno
tomando bomba e não procedendo como um comportado
319
Jornal Suíte, DAT, PUCRJ, ano 2, nº IV
output) e encontrasse a solução da Universidade do futuro:
a escola sem alunos, só com eficientes funcionários,
infalíveis fluxogramas e oniscientes computadores"320
ENTRE CONFLUÊNCIAS E CONFLITOS: AS PRÁTICAS CULTURAIS E
AS PRÁTICAS ORGANIZADAS
"Dentro de um certo tipo de cabeça aí, que se pensa
de esquerda, cinema é frescura" 321
Ao mesmo tempo em que podemos constatar a
presença de referenciais contraculturais e de movimentações
estudantis internacionais a influir na "reconstrução" e
transformação do movimento estudantil brasileiro no período
pós-68, nós podemos também considerar a ausência, no Brasil,
de uma articulação similar a alcançada pelas movimentações de
contestação e pelos projetos "alternativos" europeus e norteamericanos na construção de "novas maneiras de fazer
política"322. Tal constatação, por sua vez, não nos permite diluir
os traços das discussões conceituais e práticas relacionadas a
este processo - que de maneira efetiva interferem nos
percursos de recriação da vida política no País.
Em nosso caso, o fenômeno conhecido como
"desbunde" joga luz sobre uma dinâmica que é ao mesmo
tempo "alternativa" e imprecisa, mas que acima de tudo,
registra o "tom" dos conflitos que desde então começa a se
estabelecer na dimensão das militâncias323.
320Jornal
Bestiário, UFMG, 1973
Chico Buarque de Hollanda. Folhetim, 31/12/1978, p.13
322 Fernando Gabeira .Vida Alternativa: Uma revolução do dia a dia, Porto Alegre,
LP&M, 1985, p.33
323 Entre os primeiros trabalhos de recolhimento de referências deste processo
321
274
Enquanto expressão cunhada pelos grupos organizados,
o termo "desbunde" se refere à uma perspectiva de vida que
abandona os propósitos coletivos e políticos para se voltar para
uma perspectiva individual marcada pelo uso de drogas e pela
desistência da política; perspectiva, no entanto, que pode ser
observada por outros ângulos. Segundo Messeder Pereira, o
"desbunde" se relaciona com um processo mais significativo do
que se presume à primeira vista:
"..se, na década anterior, discutia-se 'grandes questões' e
com uma movimentação proporcional ao 'tamanho das
qestões' (..) o mesmo não parece ocorrer na década atual.
Estaríamos mais próximos de algo que talvez pudesse ser
definido como um processo de 'politização do cotidano' - as
questões
são
levantadas
e
encaminhadas,
preferencialmente, enquanto interferência no cotidiano
das pessoas (..) É claro que, nesta transformação, a
censura e a repressão política em geral desempenharam
um papel bastante importante; mas, apesar disso, acredito
que esteja aí também envolvida uma questão de estilo, em
termos de dinâmica da vida cultural, de dinâmica da crítica
social"(..) No Brasil, a passagem dos anos 60 para os anos
70 significou bem mais do que uma mudança de década,
para uma parcela significativa da intelectualidade, esta
passagem marcou o momento de uma profunda virada
intelectual, vivida nos seus instantes mais iniciais de modo
especialmente angustiante" 324
No âmbito dos novos desafios presentes na virada da
década, está a construção de alternativas políticas e culturais
de forte significado existencial que se revelam descrente dos
devemos citar os estudos de Heloísa Busarque de Hollanda, entre eles, Patrulhas
Ideológicas marca reg. Arte e Engajamento em Debate, escrito rm parceria com
Carlos Alberto Messeder Pereira
324Carlos Alberto Messeder Pereira. Op. cit. pp.33
275
projetos mais globais de tomada de poder (perspectiva
estrutural na década anterior), o que dá vez a uma crítica mais
contundente do conceito marxista leninista de revolução. Como
decorrência, a recusa de "perspectivas finalistas" para a história
motiva o envolvimento com experiências "marginais" (em
relação à ordem social) de valorização individual e
transformação de posturas que se faz "avessa", ainda que de
forma inconsciente, às vanguardas em nome de perspectivas
espontaneístas e vitalistas de existência. No mesmo sentido,
estas experiências tendem a "transbordar" para o plano das
militâncias ampliando a motivação para um repensar de
questões cotidianas e culturais que a princípio, se acham
descartadas do universo político. Não é preciso então dizer que
as perspectivas desta nova produção chamada por Heloísa
Buarque de "pós-tropicalista", entra em embate com a
retomada das análises e procedimentos organizados no cenário
social, cultural e político.
Por outro lado, na associação de diversos processos,
ganha lugar uma forte desavença entre as militâncias políticoculturais em recomposição. Uma tensão muito bem retratada
pela última peça de Oduvaldo Vianna Filho, Rasga Coração325,
que se presta a configurar as dificuldades enfrentadas neste
período de "alargamentos" e de também de muitas perdas
políticas. Neste texto podemos observar de perto aspectos
dramáticos que se acercam deste conflito militante
representado aqui através do embate entre o "novo" e o
"velho" - entre a figura de um filho e seu pai - personagens
distintos e distantes pela diferença de idade, de história e de
"compromisso que cada geração assume com o seu momento".
Na peça, entra em cena o "jovem" dos anos 70, carregado de
dilemas, de posturas radicais e de recusas com relação às
325
Folhetim, nº 120, 6/5/1979, pp 8/9
276
experiências de luta do passado - consideradas "experiências
vencidas" - diante das quais procura afirmar sua perspectiva de
ação direta que, no entanto, no olhar do "velho", não
apresenta substância na medida em que se "desfaz na violência
da repressão" e em que recua "drogado, impotente" e desejoso
de "largar tudo" para "tentar viver uma vida nova". Um
confronto dramático entre velhas e novas posturas, no qual o
novo recusa o "velho" - que se perde em descaminhos e
amarguras.
A descrença e o mal estar que paulatinamente se
estabelecem - tanto em relação à ditadura militar, quanto em
relação às vanguardas de esquerda - permite a consolidação de
perspectivas e formulações (culturais e políticas) que negam a
ordem social em termos mais profundos para reclamar pela
construção de "alternativas" de vida. Ao mesmo tempo, esta
situação configura o significado dramático experimentado pelas
militâncias organizadas na medida em que, se por um lado, a
censura e a repressão interrompem efetivamente as condições
de desenvolvimento das práticas organizadas e seus projetos
de revolução, por outro, por meio da entrada da comunicação
de massa, intensifica-se um processo de fraturas que
compromete de fato a permanência destas concepções
políticas anteriores. A formação teórica legada pelas esquerdas,
por sua vez, é restrita em relação à informação da nova geração
marcada por um profundo ecletismo, o que intensifica o
percuso dos conflitos e promove uma alteração concreta de
perfil político das próprias militâncias. Segundo Heloísa
Buarque, entre as novas perspectivas que norteiam a produção
cultural "alternativa" desta fase está, exatamente, uma postura
comum de aversão às ortodoxias, postura que, no entanto
assume significações diferentes para "jovens" e "velhos"
envolvidos nesta trajetória de repensar a política e a cultura:
277
"O percurso dos setores da intelectualidade que passam a
se preocupar com essa atitude é um percurso de crítica a
posições assumidas que foram sendo checadas em
sucessivas desilusões (..) Por outro lado, os setores jovens,
com quem esses intelectuais estabelecem alianças e com
quem de uma certa forma se identificam, não trazem a
experiência desse processo de descrença, enquanto
problema crítico e intelectual"326.
No caso das experiências estudantis, o conflito que se
presencia no interior do espaço acadêmico diz respeito
exatamente a presença de maneiras distintas de pensar e
realizar a política. As "ações culturais" entram em choque com
as perspectivas de reorganização representativa do movimento
nos momentos em que vem à tona a questão da significação
coletiva das ações políticas e culturais, sendo que as propostas
de organização do movimento - com base nos mecanismos de
representação - procuram se diferenciar dos grupos culturais
que a princípio, elegem como preocupação central a própria
produção cultural realizada dentro e fora do universo
acadêmico. De qualquer forma, podemos observar neste
período as aproximações que se estabelecem entre as
movimentações dos anos 70 e as movimentações estudantis
internacionais do final dos anos 60 que desde então subvertem
as experiências internas de organização e os objetos de ação
coletiva, assumindo em vários momentos como identidade um
caráter anti-autoritário, que no entender de Daniel Cohn
Bendit, significa:
"recusar todas as normas e tentar introduzir o prazer na
vida cotidiana, e, na medida do possível, também na
atividade política" 327
326Heloísa
Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op. cit. pp. 95/96
278
Este afloramento de novas leituras políticas e cultura, de
fato, dificulta a perspectiva de retomada organizada das ações
políticas; sendo que, neste percurso que têm a Universidade
tecnocrática e repressiva como um dos espaços que "fornece a
essa geração o ambiente para a recusa e a descrença das
engranagens e das significações dadas", o que ganha substância
é o conjunto de atividades e realizações coletivas preocupadas
com a valorização do presente, com a relação entre a arte e a
vida, com a "curtição" do momento; perspectivas que
paulatinamente se tornam contrapostas à dimensão do
conhecimento sério de perfil técnico, científico e
intelectualizado. Nas palavras de Ricardo Redisen, repórter
ouvido pelo Folhetim na entrevista "O que o país perdeu com o
AI-5?":
"..Nascemos num período de democracia, mas nunca
chegamos a conviver plenamente com ela. Tinhamos 10,
12 anos em l968 e chegamos a sentir todo o clima de
expectativa que se formou. Mas as histórias que ouvimos
eram contadas por nossos pais ou por nossos amigos. Já se
fala numa geração 'Trate-me Leão', da mesma maneira
que se falou numa 'geração mimeógrafo' ou no 'império da
porraloquice'. Todas essas definições, em parte estão
certas. Mas nenhuma delas chegou ao ponto de dizer que
há uma nova perspectiva de visão para nós. Um olho na
reta que não se esqueceu de 68 mas vive em 78, com todos
os seus medos. Manhã bem quente. A gente se vê"328
Por outro lado, estas novas leituras e práticas políticoculturais se revelam muitas vezes difusas pela variação das
motivações e pelas distintas interpretação que se confere a
conceitos recorrentes como "descolonização", "libertação",
327
328
Daniel Cohn Bendit. O Grande Bazar. Op. Cit, p 22
"O que o país perdeu com o AI-5?" Folhetim, 31/12/1978, p.3
279
"conscientização" que agora adquirem significações, ou ainda,
se prestam a configurar posicionamentos ideológicos por
demais diferenciados. Este é o caso, por exemplo, da palavra
"revolução" que ganha como contraponto o conceito de
"transgressão" - palavra que amplifica o debate em torno da
transformação da sociedade propondo como meta a
"transgressão" desta ordem cotidiana, das instituições, das
perspectivas de integração social, dos propósitos organizados
de ação política, da lógica da Universidade, ou ainda, de
qualquer tipo de programa e eficácia. A perspectiva de
"transgressão" enquanto procedimento prático e imediato de
mudança, inclusive, leva a que Galvão, integrante do grupo
Novos Bahianos, afirme que muitos dos jovens deste período
chegam a se afastar do mundo acadêmico e das perspectivas
de inserção para buscar criar fora da Universidade, uma outra
experiência de vida. Em suas palavras:
"A juventude de 69 a 72 foi a rainha da rua (..) O jovem que
já tinha dado um tempo na escola, resolveu dar um corte
no trabalho, pelo menos nos moldes caretas como vinha
sendo exercida aqui a ocupação diária do homem (..) Na
cabeça do jovem 70, o trabalho tinha que ser feito com
amor, vocação e outros bichos. Tudo isso acontecendo
paralelo a uma super-execução do artigo 51 que proibe a
vadiagem. A juventude sentou na praça, mas não cruzou os
braços nem virou balão apagado (..) Desenvolveram-se as
aptidões manuais e criou-se um mercado artesanal de
trabalho (..) Não havia um pensamento político dirigido,
organizado, porque se tratava de uma experiência, uma
prática e não um estudo, uma projeção. (..). Desse
conhecimento vinha pensamento que tinha uma linha, uma
estética e que fluía na poesia dos seus mestres, seus
compositores ou seus tradutores (..) Como não se assistia a
televisão,
as conversas eram sobre suas próprias
experiências. Um fato cósmico sem que houvesse nenhuma
orientação política: o jovem não comprava à prestação" 329
280
De qualquer forma, na medida em que o exercício
político "empresta" elementos das linguagens artísticas, ele
também modifica em parte os seus fundamentos tradicionais. A
poesia independente, o cinema marginal, o teatro, estimulam
experiências no interior da Universidade em um momento no
qual as práticas políticas mais tradicionais se acham proibidas
de se expressar, de forma que os referenciais políticos ganham
novos elementos ao considerar como relevante as mudanças
comportamentais, as experiências musicais, artísticas e as
trasformações culturais de seu tempo.
O ideário político de esquerda - que não se constitui
homogêneo e experimenta uma trajetória de revisões desenvolve agora um processo de crítica e renovação
conceitual que é capaz de criar grupos mais sensíveis à
problemática cultural - como as tendências Refazendo e
Liberdade e Luta da USP - que se transformam em verdadeiros
fenômenos participativos a partir do cruzamento dos
posicionamentos de esquerda com as renovações culturais e
políticas do período. No caso da tendência Liberdade e Luta,
são constantes as discussões críticas acerca da arte socialista ou
da arte com finalidade revolucionária, em uma perspectiva que
lhes possibilita desenvolver uma atuação política mais sensível
à cultura "alternativa" em vigor. Segundo Artur Ribeiro Neto:
"É bem verdade que estas tendências, que surgiram do
processo de reorganização das entidades livres (...) traziam
uma herança, seja de idéias, seja de práticas ou mesmo de
participantes e lideranças, muito forte dessas mesmas
organizações de esquerda dos anos 60. Mas o fato é que
criaram um espaço de participação política onde a
elaboração permanecia estreitamente vinculada às
329
Galvão. Geração Baseada. Op. Cit., pp59/61
281
práticas dos estudantes, às suas concepções e horizontes
culturais e onde todos exerciam um processo democrático
de controle sobre as ações destes grupos e sobre a vida das
entidades recriadas. O que é importante ressaltar é que o
seu discurso, mesmo tendo o discurso marxista como
quadro de referência geral, se fazia pela reflexão das
experiências vividas pelos estudantes - do qual estes
militantes também faziam parte. Poder-se-ia dizer que
existia realmente um processo de representação política e
de controle desta representação. Com a cooptação das
lideranças, a fonte de legitimidade dos discursos e origem
mesma destes se desloca dos estudantes para a verdade
revolucionária de que estas organizações se diziam
portadoras"330
De qualquer forma, as práticas de esquerda se expõem
à crítica quando discriminam as novas questões e linguagens
(em função da manutenção/reafirmação dos pressupostos
políticos mais tradicionais), ao mesmo tempo em que a
variação dos seus procedimentos e conceitos reflete o contato
e "diálogo" com perspectivas diferentes. Para a Tendência
"Refazendo" da USP, as perspectivas de criação coletiva
implicam em socializar o "possível", da mesma forma que
construir uma consciência política significa se relacionar com
este novo contexto. Desde a formação do "grupão" (depois,
Refazendo) na USP em l974, podemos identificar a
convergência de diversas idéias e princípios militantes que se
voltam agora a desenvolver uma reflexão própria,
fundamentada na democracia e na construção coletiva de uma
consciência crítica. O trabalho "basista" pretendido pelos
militantes implica estabelecer contatos diretos com as classes,
trabalhar com esportes, assitir aulas, construir experiências
conjuntas "alternativas" à necessidade de liberdade. Os
330Ribeiro
Neto. Artur. "Um Laço que não UNE Mais". Op Cit, p.64
282
conflitos em torno de questões como currículos, por exemplo,
possibilitam, segundo esta tendência, a recuperação de uma
capacidade crítica dos estudantes em um momento no qual a
repressão e a censura se tornam "introjetadas" na vida e nas
perspectivas formativas. Para Vera Paiva (liderança desta
tendência no período) as atividades culturais permitem a
reunião de pessoas em torno de uma "consciência" da própria
situação, expressa através de filmes, debates, semanas de
estudos, etc.
A tendência Liberdade e Luta da USP, mais radical,
possui uma experiência e trajetória política alicerçada na
Organização Socialista Internacionalista (OSI) que, desde sua
origem, decide pela manutenção de seu caráter doutrinário, o
que na prática implica em levar aos estudantes seus
posicionamentos e lutas de recusa à ditadura (no seu amplo
leque de significações), propondo, ao mesmo tempo, o
exercício da democracia neste movimento. Por outro lado, em
função de uma herança de discussões e posições de Trotsky
com relação a cultura e ao surrealismo, esta tendência exercita
um maior contato e "diálogo" com as perspectivas culturais e
seus elementos de contracultura, vindo a estabelecer um
território próprio de ação política331.
Em relação ao papel das militâncias de fases anteriores
os estudantes "organizados" combatem o personalismo de l968
e procuram, em muitos momentos, construir uma perspectiva
colegiada de participação política332. Através do convívio e das
discussões em torno das questões acadêmicas, os estudantes
mais conhecidos assumem o papel de articulação das entidades
331
Depoimento de “Caracol” registrado por Mirza Pellicicotta em 1997
de Vera Paiva concedido a Virgínia Camilotti. Projeto "Contribuição
para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História
Invisível", AEL/Unicamp, 1986.
332Depoimento
283
na relação com as salas de aula, ao mesmo tempo em que
organizam murais, apostilas, projeção de filmes. Os militantes
que se destacam são em geral alunos que partilham das
situações cotidianas do movimento e que estimulam o convívio
social através das atividades culturais, ou ainda, que
desempenham um papel fundamental de recuperação de um
ambiente alternativo à vida clandestina, ao isolamento e ao
afastamento que os estudantes organizados experimentam em
relação à ação coletiva. No caso da Refazendo, segundo Vera
Paiva, o trabalho cotidiano nas escolas chega a se tornar
prioritário em relação à perspectiva de assumir a direção do
DCE livre da USP.
No plano das militâncias individuais também podemos
perceber aspectos do percurso de renovação das perspectivas
políticas e culturais. A clandestinidade, em muitos casos, é
rejeitada em função da construção de procedimentos coletivos,
da mesma forma que a contestação comportamental dos anos
60 é valorizada pela sua irreverência, expressão musical,
perspectivas de criação e transformação cultural, social. Para
Geraldo Siqueira (Refazendo) os "novos" militantes de
esquerda no início dos anos 70 procuram dar prosseguimento
às lutas políticas de forma diferente em função das dificuldades
de estabelecer contatos com as organizações clandestinas (com
dificuldades de restruturação), e neste caso, eles buscam criar
novos meios de ação no qual os problemas acadêmicos
adquirem um lugar primordial. Para este militante, as
pretensões políticas agora são menores e as iniciativas mais
simples como a organização de uma partida de futebol ou uma
festa são assumidas como uma necessidade premente de
convivência e afetividade, de forma que à grande carga de
repressão (particularmente em l973) se responde com uma
grande carga de convivência e partilha de situações lúdicas, o
284
que não impede que se fortaleçam os laços reivindicativos e as
movimentações políticas por direitos acadêmicos. Neste
sentido, as calouradas se fortalecem e passam a adquirir
posicionamentos mais "corajosos" entre os processos de
resistência possíveis, e em um momento no qual as
organizações de esquerda não fazem questão de aparecer, as
questões são encaminhadas através dos centros acadêmicos,
de forma que a resistência é coletiva e a busca do anonimato se
torna um procedimento necessário à própria sobrevivência.
Estas renovações, por sua vez, constituem um
fenômeno descontínuo, e em fins de 1976 a Refazendo "racha"
para dar o surgimento da Refavela, uma tendência que retoma
com força as perspectivas revolucionárias de caráter
vanguardista, perspectiva neste momento, que começa a
sedimentar um processo de centralização política no
movimento. No período 77/79, na proporção em que se
concretiza o projeto de "reconstrução" da UNE, as militâncias
organizadas tendem a sobrepôr seus mecanismos internos de
gestão à dinâmica mais coletiva (e diversa) vigente até então
nos diretórios, o que dá lugar ao estabelecimento de outras
formas de administração e direção destas experiências e lutas.
No entanto, a "reconstrução das entidades" como uma
"repetição" das dinâmicas e perspectivas organizativas do
passado se revela um processo efêmero e frágil de organização
política, muito em função do universo estudantil estar marcado
pelas diferenças e por isso mesmo, exigir a criação de
procedimentos ainda mais flexíveis.
285
CONSIDERAÇÕES FINAIS
"O que nos UNE são nossas diferenças"
(grafite dos anos 80)
Se partirmos da premissa de que o movimento
estudantil no Brasil se constitui em um movimento fortemente
influenciado pelas esquerdas (a partir dos anos 40, segundo
Poerner, com fases de hegemonia de grupos conservadores), os
acontecimentos de 1968 marcam uma ruptura nos padrões já
tradicionais de atuação política via quadros partidários. Mais do
que isso, o processo de repressão política e social em vigor nos
anos 70 contribui para uma ampliação da fragmentação e crise
da militância de esquerda - fenômeno que compõe o cenário
internacional em proporções mais amplas do que se pode
supor à primeira vista.
A trajetória das atuações e experiências estudantis na
década de 70, neste sentido, enfrenta uma crise estrutural em
seus padrões tradicionais de ação política na proporção em
que, forçada à condição de clandestinidade, tenta recompôr as
condições de militância. Mais do que isso, a busca por novas
formas de engajamento e exercício político é capaz de gerar
outras formas de movimento - influenciadas por outros
referenciais que não os oriundos das organizações de esquerda
e relacionadas com as experiências de contracultura ou mesmo
com a trajetória da chamada "nova esquerda" francêsa - crítica
às perspectivas de poder e à ortodoxia do Partido Comunista
Francês.
Esta quebra de referenciais a animar a ação política
estudantil nos coloca, então, diante de várias possibilidades de
"olhar" sobre este movimento - na medida em que as ações são
286
reveladoras de especificidades de manifestações e
experiências. A importância das variações de ação política, por
sua vez, se relaciona com o fato destas novas formas coletivas
expressarem questões que, por si só, são mais abrangentes do
que a problemática da Universidade e da política institucional
em vigor no período. A multiplicação e variação dos
referenciais permitem uma "sintonia" entre estas práticas
estudantis e as indagações mais amplas presentes na sociedade
- partilhadas, em especial, pela juventude e que apresentam
inovações no campo da político. Questões como a sexualidade,
a ecologia, as minorias, já se fazem presentes entre as
preocupações estudantis dos anos 70 no Brasil, de forma que a
discussão em torno da "democratização" social se refere, neste
período, a um leque mais largo de proposições e questões que
transcendem o universo partidário institucional. A questão da
liberdade se refere ao direito de expressão das diferenças, ou
ainda, à produção e circulação de uma cultura "alternativa" em
relação aos ideários do mercado capitalista.
É neste sentido, portanto, que vemos se estabelecer
entre as questões/formas de manifestação coletiva estudantil a
presença de outras problemáticas que se acham colocadas de
forma mais abrangente na sociedade, como por exemplo, a
questão da "afirmação" homossexual (que desde o início da
década procura sair dos guetos para se afirmar como relação);
as discussões acerca da ecologia e da criação de uma "vida
alternativa" - que desde a segunda metade de década de 70
ganha as ruas como produções e produtos no campo teatral,
literário e cinematográfico (em espacial, por meio da expansão
do super-8), generalizando-se o número de artistas envolvidos
com a construção de novos grupos e experiências. Ou ainda, a
criação de novas linguagens, como o novo tipo de humor a se
propagar por entre Salões de Humor que, segundo Zélio Alves
287
Pinto, têm no Salão de Humor do Mackenzie o "embrião dos
salões de humor no Brasil. E a partir desses salões surgiram os
nomes que hoje estão aí trabalhando. O Angeli é um exemplo".
Com relação ao cenário político-institucional do
movimento estudantil, a "tomada" das ruas em associação à
emergência destas diversas formas de manifestações registra
na 2º metade dos anos 70 a articulação de uma perspectiva
política coletiva que no entanto, com o agravamento das
condições de funcionamento do universo acadêmico
experimenta um "desfecho" de possibilidades. Neste período, é
o espaço acadêmico em sua dinâmica interna que tende a se
restringir e se amortecer. As Faculdades Privadas já ocupam o
lugar das Universidades Públicas enquanto instituições
hegemônicas, apresentando uma estrutura acadêmica
profundamente comprometida, em um momento no qual
também o mercado de trabalho apresenta limites de
"absorção" - no aspecto da inserção do profissional qualificado.
A Universidade, desde então, perde progressivamente o
seu lugar de "aventura coletiva", ou a condição de um espaço
onde tudo pode acontecer - inclusive, o de projetar
"alternativas" de realidade para os estudantes. Segundo Maria
Célia Paoli:
"..Como todos que estão hoje dentro do espaço
universitário, os estudantes nele vivem experiências
desencontradas com sua própria condição. Situação mais
dramática ainda porque esta condição não é feita por um
pertencimento profissional através do qual professores e
funcionários costumam amortecer as frustrações.
Variavelmente descrentes da experiência acadêmica e
política, decepcionam-se com um espaço que não se deixa
reivindicar como perspectiva criativa; percebendo as
transformações que afetam a Universidade, não apostam
mais nos canais montados para pensá-la; a retórica das
288
tradições esvaziadas barram a condição daquilo que
poderia emergir como novo. Para grande parte, a
rotinização generalizada e os programas tradicionais de
percurso da vida universitária geram uma recusa do que aí
está, sem no entanto chegar a se formar alguma imagem
que faça sentido como perspectiva coletiva de presença
estudantil" 333
Como nos chamara atenção Artur Ribeiro Neto, por
volta de 1978 a Universidade já se constitui um espaço pelo
qual
os
estudantes
"passam"
sem
um
maior
comprometimento/investimento de suas vidas; questão que
interfere diretamente nas ações políticas. A própria temática da
Reforma do Ensino Superior começa a se esvaziar enquanto a
produção interna se esvai para fora deste território, levando
consigo muitas experiências e expectativas.
Neste processo, então, vemos que toda uma riqueza de
formulações políticas e culturais que tiveram a Universidade
como ponto de contato transcende ao mesmo espaço para se
propagar em outros pontos, desmantelando uma associação
que em períodos anteriores promoveu importantes conquistas.
As experimentações culturais desconectam-se das "entidades"
para se afirmar como realizações em busca de espaço próprio;
os diretórios se tornam "presas" das perspectivas e exercícios
políticos mais ortodoxos que em geral não possuem a
problemática do ensino ou da cultura como questão primordial
de ação política.
289
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1965 - Publicação do
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representação estudantil)
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1965 - Publicação do Grêmio Politécnico. São Paulo: USP.
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TEXTO
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1977 - Revista de grupo de estudantes de História e Geografia
da USP. São
Paulo. (nº 1 e 2)
O VAPOR:
1973 - Publicação da Patuléia Criação, Publicidade e
promoções. Belo Horizonte:
Gráfica do DCE UFMG (nº8, set)
TEXTO:
1977 - Produção do CA de Física, UNICAMP. Campinas (nº1)
ARTO:
BOLETIM INFORMATIVO DA ASESP:
1975 - Publicação da Associação dos Sociólogos do Estado de
São Paulo. São Paulo. (nº7 - jul)
CADERNO DE HISTÓRIA:
1975 - Publicação do Centro de Estudos Históricos Affonso de
Taunay. São
Paulo: USP, História. (nº5, Brasil República), (nº6, Sist.
Trab. no Brasil)
FAZENDO:
1976 - Revista do Depto. de Filosofia da USP. comissão de
Currículo. São Paulo. (nº1)
BARRACOS:
1976 - Publicação do Centro de Estudos de Ciências Sociais,
CEUPES, USP. São
Paulo, 1976/78 (nº1 nov/76; nº2 ag 77; nº3
fev 78)
1977 - Revista de Arte da Casa do CACE e CACH, UNICAMP.
Campinas
EVENTO:
1977 - Revista do CEFISMA, CA de Física, USP (nº8)
REPÓRTER:
1978 - Revista Mensal da Editôra Três. nº2 ( A UNE está de
volta)
CRÍTICA:
1978 - Revista do CACH, CA de Ciências Humanas da
UNICAMP. Campinas. (nº5, abr)
JORNAL GÔTA:
1978 - Publicação do DA da Faculdade de Arquitetura do
Mackenzie. São Paulo. Ver: revista Capa
REVISTA DE COMUNICAÇÃO:
1976 - òrgão do DA 13 de Abril, Comunicação da FAAP. São
Paulo. (nº1)
CAPA:
ARGUMENTO:
1976 - Publicação do CA de Ciências Humanas da UNICAMP.
Campinas, 1976,
1977 (nºs 4, 7 e 2)
BARRICADA:
1978 - Revista da Comissão Cultural do CEUPES, Centro de
Estudos da Fac. de
Ciências Sociais, USP. São Paulo. (nº1 e 2)
REVISTA DO BLOCO:
JUDAS:
1978 - Revista do DA de Arquitetura Mackenzie. São Paulo.
Ver: Jornal Gôta.
(nº especial)
314
1978 - Revista da Equipe Judas. Estudantes da UNICAMP.
Campinas. (nº2)
315
JORNAL GFAU:
1981 - Publicação do Grêmio da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP.
São Paulo: Gráfica da FAU. s/n (março)
ENCONTROS DA UnB:
1978 - Publicação da UnB. Brasilia. (nº sobre transporte no
Brasil)
MOVIMENTO:
1981 - Revista bimestral da UNE. São Paulo: Global Ed.
CARA A CARA:
1978 - Revista Semestral do Centro de Estudos Everardo Dias.
Ed. Vozes.
Petrópolis. nº1 (sobre ME)
ZERO À ESQUERDA:
1983 - Revista de informação e debate do DA II de Abril,
fundação Santo André. São Paulo. nº 0 (set/out) experimental.
EXPORRO:
1979 - Revista Estudantil independente da Faculdade de
Comunicação da PUCC. Campinas (nº1)
UNIVERSIDADE E LUTA:
1983 - Revista do DCE da UFPa. Belém: Serv. da Imprensa
Universitária. nº0
AURORA:
1979 - revista do CEFISMA, CA de Física da USP. São Paulo.
(nº1)
2.1.2 - Jornais e Boletins
CINE OLHO:
1979 - Revista de Cinema da FAU (Arquitetura) USP. São
Paulo
MUIRAQUITÃ:
1980 - revista da Escola de Sociologia e Política. s/n (set)
BALADA DO CÃO:
1980 - Revista da UNE na ocasião do XXXII Congresso. São
Paulo
FUVEST. RELATÓRIO:
1980 - Publicação da Fundação Universitária para o
Vestibular. São Paulo
BOLETIM DO SEI (SOCIEDADE DE ESTUDOS INTERAMERICANOS):
1959 - Publicações sobre o Movimento Estudantil
destinadas às
autoridades brasileiras. nº 667 (jul
1959), nº 823 (agosto, 1960); nº 838
(out. 1966)
JORNAL DA QUÍMICA:
1964 - Órgãos dos alunos do dep. de Química da
Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP. 1964, 1965,
1968, 1973
O POLITÉCNICO:
1964 - Publicação do Grêmio politécnico da USP
CADERNO POLITÉCNICO:
1965 - Publicação do Grêmio Politécnico da USP
AMANHÃ:
316
317
1967 - Jornal do Grêmio da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da
USP
BICHUSP:
ADMINISTRAÇÃO:
1967 - Órgão Oficial do DA de Administração da
Universidade Federal da
Bahia
LETRAS:
1971 - Jornal do DCE USP
1971 - Jornal do CA de Letras USP
OPINIÃO
FÓRUM POLITÉCNICO:
1968 - Publicação do Grêmio Politécnico da USP
de Ciências
Botucatú
1972 - Publicação do CA Pirajá da Silva da Faculdade
Médicas e Biológicas de
FÓRUM:
Paulista de
1968 - Órgão Oficial do CA 22 de Agosto da Faculdade
Direito da PUC-SP
JORNAL POLI CAMPUS
1972 - Publicação do Grêmio Politécnico da USP
PLANEJAMENTO:
1968 - Grupos de Trabalho da Geologia - USP
INFORME-SE ANTES DO PRIMEIRO CONCEITO
1972 - DA de Administração da UFBa
O ESTADO DA FAU:
1969 - Órgão Oficial do Grêmio da FAU-USP
CUCA:
CONTESTAÇÃO:
JORNAL INFORME-SE:
1972 - Jornal do DA de Administração da UFBa
1969 - Jornal do Movimento Universidade Crítica
1972 - Boletim do Centro de Cultura e Arte da UFBa
BOLETIM DA UEE-SP:
1965,1979,1982,1984
JORNAL DO CONSELHO:
1972 - Jornal dos alunos do ciclo básico UFBa
JORNAL DA UEE-SP:
1968, 1978, 1981
A PALAVRA:
DASP INFORMA:
1971 - Publicação do DA de Sociologia e Política
da UFBa. 1972CISO:
1972 - Publicação do DARB da Faculdade de Direito
1973
1972 - Publicação do DA de Ciências Sociais da UFBa.
1972-1974
O PÍCARO:
1971 - Publicação do DA da ECA (Escola de
Comunicações e Artes) da
USP
PATATA:
1972 - Jornal dos alunos da UFBa
318
BOLETIM DO DEA:
1972 - Boletim do DA de Arquitetura da UFBa
319
BOLETIM DO CONSELHO DE CENTROS ACADÊMICOS DA USP:
1973
BULA:
1973 - Jornal do DA de Medicina da UFBa
BOLETIM INFORMATIVO:
1973 - Centro de Estudos de Ciências Sociais da USP,
CEUPES
SUÍTE:
Humanas da
1973 - Publicação do DA Tiradentes (DAT) de Ciências
PUC RJ
CADERNO LITERÁRIO DARB
1973 - Publicação do DARB
BOLE..
1973 - Publicação do DEA (Arquitetura) da UFBa
INFORMARTE
1973 - Publicação de estudantes da UFBa
BESTIÁRIO:
1973 - Jornal estudantil da UFMG
MOBRAL:
1974 - Publicação dos alunos do ciclo básico da
CONJUNTO:
UFRGS
1973 - Publicação do DA de Engenharia da UFBa
UNIVERSITÁRIO
BOLETIM DOS DIRETÓRIOS ACADÊMICOS:
1973 - UFBa
1974 - Órgão do DCE da UFRGS
REFLEXO:
BOLETIM DO CONGRESSO DOS ALUNOS DA FILO-USP:
1973 - Publicação da Comissão Interfilosofia de
Estudos Sociais
JORNAL DO CACE:
1973 - Publicação do CA de Ciências Exatas da
UNICAMP
1974 - Publicação do DA de Psicologia da UFBa 19741975
OPINIÃO PÚBLICA
1974 - publicação estudantil da UFBa
SAÚVA:
1974 - Publicação do CUCA/DCE da UFBa
JORNAL DO DAFA:
1973 - Publicação do DA de Arquitetura da UFRGS
JORNALECO:
1974 - Publicação do DA de Economia da UFBa
JORNAL DE RECORTES:
1973 - Publicação do CACE - UNICAMP, 1973/74
O ATRITO:
320
1974 - Publicação do CA de Física - UEC
CAASO INFORMA:
1974 - Publicação do CA Armando Salles de Oliveira
USP - São Carlos.
GOL A GOL SE PEGÁ COM O PÉ É DIBRA:
1974 - Publicação do DCE da UFMG. 1974, 1975,
1976,1977
321
GRÁFIKO:
1975 - Órgão do DA Cesar Lattes da Faculdade de
Engenharia da FAAP.
São Paulo
DOIS PONTOS:
1975 - Jornal Estudantil do Centro de Estudos de
Artes e Comunicações.
São Paulo 1975/76
EXPERIÊNCIA:
1975 - Jornal da PUC-SP 1975-1977
NAVEGAR É PRECISO:
1974 - Jornal dos estudantes da FAFICH/UFMG
ENSAIO:
1975 - Publicação do SPHN (Biologia) da USP
PERSPECTIVA
1974 - Publicação do CA de Ciências Sociais
DATA VENIA:
1975 - publicação do CA Afonso Pena, CAAP
TÍSICA:
1975 - Publicação do DA de Medicina da UFBa
JORNAL LEIA E DISCUTA:
1975 - Publicação do DA FACE da UCMG
A GALHOFA:
Engenharia
1976 - Publicação do CA Bernardo Sayão (CABS) UNICAMP
PRANCHETA:
BOLETIM DOS ESTUDANTES DE ECONOMIA
1975 - DA de Economia da UFBa
BOLETIM DO DCE
1975 - Publicação do DCE da UFBa
1976 - Publicação do DEA (Arquitetura) da UFBa
JORNAL DO CAEQ:
1976 - CA de Química - UNICAMP
PRES..ENÇA:
PRAXIS:
1975 - Publicação do DA da Escola de Sociologia e
Política. São Paulo.
COMPLEMENTO:
1975 - Jornal de Oposição à diretoria do DASP. Escola
de Sociologia e
Política. São Paulo
1976 - Publicação do DA Jackson de Figueiredo, PUC
RGS, gestão 76/77
PORTA ABERTA:
1976 - Publicação da Tendência Estudantil Porta
Aberta UNICAMP
322
JORNAL DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNICAMP:
1976
323
JORNAL DO MOVIMENTO:
1976 - Publicação estudantil da Escola de Sociologia e
Política. São
Paulo.
BOLETIM DO CALOURO:
1976 - Publicação dos CAs da UNICAMP
MURO DE ARRIMO:
1976 - Publicação do DA da FEI
FRAGMENTO:
1976 - Publicação do CEPEGE, Geologia - USP
PALAVRA DE ORDEM:
1976 - Publicação do CALC
Comunicações e Artes (ECA)
USP
da
Escola
ORGANIZAR A LUTA:
1976 - Publicação ligada à Organização do Encontro
Nacional de
Estudantes
de
JORNAL DO CAEL:
1976 - Publicação do CA de Estudos Literários, USP
JORNAL DO CACH:
1976 - Publicação do CACH, Ciências Humanas UNICAMP 1976 1979
MIUDINHO:
MALHO:
1976 - Publicação de vários CAs e alunos da USP
1976 - Publicação do CACH. Ciências Humanas
UNICAMP 1976 - 1984
BOLETIM DO DCE:
1976 - Publicação do DCE USP 1976-1982
CONSTRUÇÃO:
PANFLETO:
A CENTELHA:
1976 - Publicação estudantil da UnB
1976 - Jornal Estudantil da UNICAMP. 1976-1977
1976 - Jornal estudantil unificado. Vários DAs da PUC
-SP
INFORMATIVO
1976 - Publicação de estudantes da UFPe
JORNAL DE PÓS GRADUAÇÃO:
1976 - Publicação da Comissão estadual de Pós
Graduação. USP
BOLETIM DA PÓS GRADUAÇÃO DA UNICAMP
1976
SEMENTE:
1976 - Publicação do DA Leão XIII de Economia e
Administração da
PUC - SP
JORNAL DO DCE:
1977 - Publicação do DCE UNICAMP. 1977-1985
JORNAL DO DCE-LIVRE
324
1977 - Publicação da Tendência Porta Aberta da
UNICAMP
325
1977 - Jornal dos Estudantes das Escolas Isoladas São
Paulo 1977 - 1978
BOLETIM DAMED:
1977: Publicação do DA de Medicina da UFBa
MÓDULO:
BOLETIM METROPOLITANO
1977 - Publicação
pernambucanas
ALTERNATIVA:
de
entidades
1977 - Publicação do DA de Arquitetura da UFBa
estudantis
e Ciências
Pará. Belém
1977 - Órgãos dos DAs Sócio-Econômico, Bio-Médico
Humanas da Universidade Federal do
AVESSO:
1977 - Jornal vinculado ao DCE USP
TODOS:
A GREVE DA UnB:
1977 - Boletim Informativo do Diretório Universitário
da UnB. Brasília
1977 - Publicação do CEUPES. Ciências Sociais. USP
JORNAL DO DU:
1977 - Publicação do Diretório Universitário da UnB.
PROVERBO ARTE:
1977 - Publicação Estudantil da Psicologia da USP
Brasília
JORNALECO:
O CAASO:
1977 - Publicação do CA Armando Salles de Oliveira.
Engenharia USP.
São Carlos 1977-1978
1977 - Órgão de divulgação do DA da Faculdade de
Ciências Econômicas
(DAECA) da UFRGS. Porto Alegre
JORNAL FACE:
BOLETIM INFORMATIVO DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA USP:
1977
A DROGA:
1977 - Publicação do DA de Farmácia da UFBa
1977 - Órgão do DA FACE. Minas Gerais
PONTO DE PARTIDA:
1977 - Publicação dos grupos Ponto de Partida da
Universidade Federal
Fluminense, Novo Curso da UERJ,
Marco Zero da UFRJ. Rio de Janeiro
PROPOSTA:
1977 - Jornal dos estudantes de Pós Graduação de
PROPOSTA:
São Carlos
1977 - Publicação do Grupo Proposta de Estudantes
da PUC - SP
COBRA DE VIDRO:
326
327
O MARGINAL:
1977 - Órgão livre dos estudantes de Direito da PUC SP
JORNAL PRÓ-DCE:
1978 - Publicação
Acadêmicos da UNICAMP
RECONSTRUÇÃO E LUTA:
1977 - Jornal de tendência Estudantil, FAFICH. UFMG
JORNAL PRÓ-UEE MG:
1978
JORNAL DO CAMECC:
1977 - Publicação do CA de Matemática, Estatística e
Ciências da
Computação. Unicamp 1977 - 1980
BOCA DO TROMBONE:
1978 - Jornal do estudante da Academia. 1978 - 1979
do
Conselho
de
Centros
AGORA UNE:
JORNAL DA BIO:
1977 - Publicação do CAB. Biologia UNICAMP 1977 1978
1978 - Publicação da tendência Estudantil Liberdade
e Luta. São Paulo.
1978 - 1979
JASC:
REFAZENDO INFORMATIVO:
1977 - Publicação do DCE da USP
1978 - Boletim Informativo da ASC (Associação
Secundarista de
Campinas) 1978 - 1979
JORNAL PRÓ DCE UNICAMP
1978
PANO PRÁ MANGA:
1978 - Publicação estudantil das Escolas Isoladas
(FGV, Escola Paulista
de Medicina, FEI, FAAP). São Paulo
PRANCHETA:
1978 - Publicação do DEA (Arquitetura) da UFBa
PONTO DE VISTA:
1978 - Publicação do CABS. Engenharia UNICAMP
1978 - 1980
ABERTURA:
(Faculdade de
1978 - Órgão Oficial do DA Paula Souza da FATEC
Tecnologia da UNESP)
NEURÔNIO:
1978 - Jornal estudantil independente da Faculdade
Médica de Itajubá.
Minas Gerais.
BEBA:
1978 - Boletim do DCE da UFBa
JORNAL BÓIA-FRIA:
1978 - Publicação do DAFEAA. Engenharia de
Alimentos e Agrícola.
UNICAMP 1978 - 1980
JORNAL UMESC:
1978 - Publicação da União Municipal dos Estudantes
de São Carlos.
1978 - 1979
328
NUTRIJORNAL:
329
GRÃO:
1978 - Publicação do DA da Faculdade de Nutrição da
1978 - Periódico do CEUPES. Ciências Sociais USP
UFBa
VIRAGEM:
O DÍNAMO:
1978 - Jornal do CEHAT. História - USP
1978 - Jornal dos Estudantes de Itajubá, DAEFEI da
Escola Federal de
Engenharia de Itajubá. Minas Gerais.
VEJA ISTO:
1979 - Publicação do DCE da UFMa. 1978/1979
BOCA DO ESTUDANTE:
1978 - Jornal dos DAs e DCE da Universidade Federal
do Alagoas.
Maceió. 1978 - 1979
A CASSETA POPULAR:
1978 - Jornal estudantil independente da UFRJ. Rio de
Janeiro
JORNAL DO CALOURO:
1979 - Publicação do CALC da ECA (Comunicações)
USP
O ARADO:
1979 - Órgão Oficial do CA Luiz de Queiroz. ESALQUSP
PIZÃO:
1978 - Boletim do DAPP. Engenharia. Unversidade
estadual do Mato
Grosso. Campo Grande
SEM RODEIO:
Secundarista
1979 - Órgãos de divulgação da tendência Estudantil
Alternativa
PRESENÇA:
1978 - Jornal do CAAE da Fundação Getúlio Vargas.
São Paulo. 1978 1979
SEMPRE LIVRE:
1979 - Jornal do CEGE. Geografia - USP
CONDUTOR:
EN CENA:
1979 - Jornal da Elétrica - USP
1978 - Publicação da Associação de Grupos de Teatro
Estudantil. São
Paulo
JORNAL GERAL:
JORNAL O CAASO:
1979 - Órgão dos Estudantes do Campus USP - São
Carlos
1978 - Publicação da Liga Atlética da USP - LAAUSP
12 X 30:
JORNAL DE RECORTES:
1978 - Publicação do DCE USP
1979 - Jornal dos estudantes de Arquitetura da UFPe
330
SÍNTESE:
1979 - Publicação do CAOC. Medicina - USP
BOLETIM ALICERCE:
1979 - Publicação da Tendência Alicerce da USP
VOZ UNIVERSITÁRIA:
1979 - Jornal do Diretório Universitário do Amazonas.
Manaus 1979 1980
HORA DE LUTAR:
1979 - Órgão de Divulgação da União Gaúcha de
Estudantes. Porto
Alegre
CERNE:
1979 - Jornal do CA Carlota Meneghel. Bandeirantes.
331
1979 - Jornal dos DAs de Ciências Humanas e Letras,
Comunicação
Social e Administração, Universidade
Metodista. São Bernardo do Campo
1979-1982
AÇÃO:
Direito da PUC
1979 - Jornal do Grupo Ação, concorrente ao DA de
Campinas
JORNAL DA UEE REGIONAL CAMPINAS
1979 - Campinas. 1979-1982
BOLETIM DA DIRETORIA DO GFAU
1979 - Grêmio da FAU/USP
JORNAL PRÓ UNE:
1979 - Publicação da Comissão Pró-UNE e UEE-SP
Paraná
VIRA VOLTA:
1979 - Órgão de Divulgação do DCE livre da
Universidade Federal do
Paraná. Curitiba
CADERNO DA ANISTIA:
1979 - Publicação da UEE-SP
LIBERDADE:
JORNAL DO CAAL:
1979 - Publicação do CA Adolfo Lutz. Medicina
UNICAMP 1979-1980
1979 - Publicação do DA 5 de Abril (DACA). Centro
Universitário de
Dourados
ATUAÇÃO:
ALERTA:
1979 - Jornal independente estudantil secundarista
da tendência Liberdade
e Luta
1979 - òrgão Informativo dos Estudantes de Teófilo
Otoni - Pastoral da
Juventude de T. Otoni. Minas Gerais
O BIOLÓGICO:
JORNAL CONSTRUINDO:
1979 - Porta voz do grupo acadêmico Reestruturação,
Universidade
Católica do Paraná
1979 - Boletim do DAHERMA. Universidade Estadual
do Mato Grosso.
Campo Grande
ALMEIDA:
1980 - Publicação do CALC. ECA-USP
ENFRENTE:
332
JORNAL MANIFESTAÇÃO:
1980 - USP. 1980,1981
333
COGUMELO:
1980 - Jornal do CACH. Ciências Humanas/UNICAMP.
1980, 1983
ATIVO CIRCULANTE:
1980 - Órgão do CA Visconde de Cairu, Faculdade de
Economia e
Administração da USP
BOLETIM DA COMISSÃO CULTURAL DA UEE-SP:
1980
MANIFESTO:
NOSSA VOZ:
1980 - Publicação do DA Iº de Agosto, FACEB. Bauru
PESQUISANDO:
1980 - Publicação do DA da Faculdade de Engenharia
de Guaratinguetá.
1980, 1981
1980 - Jornal da UNE. 1980-1984
JORNAL DA SEUNE:
1980 - Jornal da Secretaria de Engenharia da UNE
2.1.3 Folhetos
JORNAL PRÓ-UPE:
1980 - Jornal Pró-União Paranaense dos Estudantes.
Curitiba
Iº Seminário Nacional de Reforma Universitária. Salvador, UEB, imp.,
48p, 1961
POEIRA:
1980 - Jornal dos estudantes da FUEL. Londrina
POR UM BLOCO:
1980 - Jornal do DAST, DA do setôr de Tecnologia da
Universidade
Federal do Paraná. Curitiba
Resoluções do Conselho da UNE: Encontro sobre Reforma
Universitária. Rio de Janeiro, UNE, imp., 44p, 1962
O que é a UNE. Rio de Janeiro, UNE, imp, 28p, 1963
A UNE e a Crise do Estado de Sítio. Rio de Janeiro, UNE, 1963
JORNAL DO DCE:
1980 - Órgão oficial do DCE da PUCC. Campinas
JORNALECO:
1980 - Publicação da Regional São Paulo da Secretaria
de Comunicações
da UNE
A BRAGUILHA:
1980 - Jornal independente ligado ao CA de Ciências
Sociais da PUC-SP
UNE: Carta Programática. slp, imp, 1965
Congresso da UNE em Belo Horizonte. slp, Notícias da Igreja
Universal, xerox, 1968
A UNE em fóco: sua origem, seu possível futuro. Rio de Janeiro,
Centro de Informação Universitária, imp, 1964
334
Caderno do Ensino Pago. São Paulo, Conselho de Centros Acadêmicos
da USP, imp, 16p
335
Jornal de Lutas - especial para Calouros, UFMG, 1976
"Organizar a Luta". DCE livre da USP, maio de 76.
"1º SNE: Contribuição do Grêmio Politécnico", USP, 1973
Carta programa Caminhando para o DCE USP, 1977
"IIº Seminário de Engenharia da Região Sul: Documento de
Conclusão". Porto Alegre, 1972
Carta programa Liberdade e Luta para o DCE USP, 1977
"Documento de Síntese das Conclusões do Encontro de DCEs e Das
do RS", Porto Alegre, 1973
"A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo",
s/a, 1977
Carta Programa para o DA do ICEX, Química/UFMG, 1973
Viração debate 3: Teatro - Cultura Popular. Salvador/UFBa, 1977
Panfleto do CUCA/DCE da UFBa, dezembro de 1973
Carta programa Refazendo para DCE USP, 1977
Calouradas 74: resumo geral das reuniões de 24 e 25/11/73
Carta programa Vento Novo para DCE USP, 1978
Jornal Programa 73/74, Eleições DCE UFMG
Carta programa Caminhando para o DCE livre da USP, 1978
"Carta ao Reitor da UFBa", DAs da UFBa, 26/nov/75
Carta programa Liberdade e Luta para o DCE da USP, 1978
Caderno Jubilamento, UFBa, 1975
Carta programa Liberdade e Luta para a UEE-SP, 1978
477: Plebiscito. CCA-USP, 1975
Carta programa Refazendo para o DCE USP, 1978
Carta Programa para o DA do ICEX da UFMG em 1975
Carta programa Novo Rumo Socialista para a UEE-SP, 1978
Plebiscito sobre o 477", Conselho de Centros Acadêmicos da USP,
abril de 1975
Carta programa Novo Rumo Socialista para o DCE da USP, 1978
"Balanço e Perspectiva para o ME", 1978, s/a
"Volante para Discussão do Estatuto", UnB, 15/5/75
Carta programa Sacode a Poeira para o DCE da USP, 1979
"Convocação", Comissão Univ. USP e Comissão Permanente de
Defesa dos Direitos Humanos/Unicamp. SP, março de 76
"Aos Delegados e Participantes do Congresso de Reconstrução da
UNE". salvador, DCE da UFBa, imp. 3p, 1979
336
"UNE renasce para congregar cerca de 1 milhão e 300 mil. Vitória".
São Paulo, CEUPES/USP, 1979
337
Manifesto "Pela convocação das Comissões de reorganização da UNE
e UEEs", s/d, s/a
Manifesto "Agora UNE" da Tendência Liberdade e Luta, 1979
Manifesto "Contribuição à discussão: campanha e o encontro
nacional por liberdades democráticas", s/d, s/a
Carta programa Liberdade e Luta para o DCE USP, 1979
Carta programa da chapa "Debate e ação" para o DCE da UFPe, s/d
Carta programa Liberdade e Luta para a UEE-SP, 1979
"UEE: Em quem votar?" Manifesto das tendências Travessia,
Movimento, Resistência e Vento Novo da USP, s/d
"Novação para uma UNE de combate", 1979
Relatório da Comissão Nacional Pró-UNE, UFPe, 1979
"Por uma UEE forte e representativa", 1979, s/a
"Sobre a atuação nas instituições de ensino, mais particularmnete na
Universidade", s/d, s/a
"Prêsos Políticos do Barro Branco: Carta aberta ao Congresso
Nacional", s/d, s/a
"UNE: Relatório da Diretoria Provisória", junho de 1979
"Resoluções da 2º Reunião da Diretoria Provisória da UNE", 1979
"Anistia ampla, geral e irrestrita", Comité Brasileiro pela Anistia,
secção Campinas, s/d
"UEE: Contribuição da Diretoria da UEE-SP aos debates sobre a UEESP e UNE", 1979
"Uma História do ME 1960-1964", datilografado, s/d, s/autor.
AEL/Unicamp
Carta programa Mutirão para a UNE, 1980
Plataforma Chegou a Hora, para a UEE-SP, 1980
"Sobre o método e estilo de trabalho nas atividades do movimento
estudantil", datilografado, Walter Dantas, Vice-Presidente da UNENE, s/d
"Manifesto" da Tendência Centelha, Belo Horizonte, s/d
Cartilha do DCE UFMG, 1980
"Manifesto: pela convocação das comissões de reorganização da
UNE e UEEs", s/d, s/a
2. 3 REGISTROS ORAIS (relativos à década de 1970)
"Relatório da reunião realizada em Belo Horizonte nos dias 5 e 6 de
Fevereiro : reorganização Nacional", s/a, s/d
Entrevistas/gravações promovidas pelo Projeto "Fontes para a
História do Movimento Estudantil Brasileiro"(coord: Mirza
Pellicciotta):
338
Rui César Costa Silva
Valdélio Santo Silva
Marcos Kaloy
"Batata"
Entrevistas recolhidas pelo Projeto "História Institucional X História
Invisível" (Prof. resp. Kazumi Munakata):
Vera Paiva
Geraldo Siqueira
Koji e Carmen
Celso (Careca)
Entrevistas recolhidas por Mirza Pellicciotta e Ângelo Pessoa:
Berthônio Job e Meira
Severino Dutra de Medeiros
Carlos Alberto Dantas Bezerra
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Printed By Createspace
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